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Artigo

Os municípios do Pará ‘fora da lei’, artigo de João de Deus Barbosa Nascimento Júnior

 

artigo de opinião

 

[EcoDebate] O governo do Estado do Pará definiu como macro-objetivos da sua política de desenvolvimento a redução da pobreza e das desigualdades sociais, uma vez que cerca de 39% da população paraense vivem abaixo da linha da pobreza e 40% enquadradas em nível de insegurança alimentar. Mas, o Estado do Pará, pela riqueza e diversidade de seus recursos naturais, possui um amplo e diferenciado leque de oportunidades para impulsionar um processo de desenvolvimento duradouro e sustentável em prol de sua população, cuja efetivação, como bem definido na política governamental, passa necessariamente por três grandes eixos de sustentação: o conhecimento, a produção e a boa gestão do seu território (governança).

O Pará, na condição de área de expansão de fronteira agrícola, tem no setor agropecuário um dos pilares de sua matriz econômica e, como tal, esse setor assume papel estratégico para o alcance dos objetivos da política de desenvolvimento estadual. Estima-se que o agronegócio possui participação superior a 30% na geração do PIB estadual, constituindo o setor agropecuário a atividade econômica mais importante em 34% dos municípios, e a principal fonte de trabalho em 57 municípios, absorvendo mais de 50% da população ocupada.

Todavia, o atual modelo de exploração agropecuária chegou ao seu limite e, hoje, a evolução do setor requer mudanças de paradigmas de produção, de forma a atender às exigências de uma nova ordem mundial, caracterizada pela globalização de mercados e consolidação de uma consciência ambiental, que impõem novos e maiores requisitos à dimensão ambiental e social das suas atividades econômicas. Nesses termos, o fundamento da política agrícola estadual, teria que conter, como foco principal no paradigma da produção, modelos mais eficientes de uso dos recursos naturais, conjugada ao estímulo a atividades e práticas agropecuárias de baixa emissão de carbono, à otimização de áreas já antropizadas, e à preservação de florestas nativas, mas para isso, é de fundamental importância que se trabalhe a governança desses recursos naturais, a partir da elaboração de leis municipais que contemplem a homologação de atos de gestão territorial como: planos diretores, planos de gestão municipais, planos de gestão ambientais, etc.

Nesse sentido o Estado do Pará, em 2005, já deu o “ponta pé” inicial, quando definiu o maco regulatório de seu processo de desenvolvimento, quando submeteu à Assembleia Legislativa o Macrozoneamento Ecológico-Econômico de seu território, o qual foi instituído pela Lei nº 6.475, coma aprovação unânime dos seus parlamentares. Nele ficou definido que 65% da área territorial do Estado (80,4 milhões de hectares) seriam destinados para fins de preservação natural e 35% (cerca de 43,3 milhões de hectares) seriam utilizados para consolidação econômica.

Atualmente as áreas de preservação já abrangem, aproximadamente, 73 milhões de hectares, equivalentes a 58,5% do território paraense. O estudo do TERRACLASS, realizado pelo INPE e EMBRAPA Amazônia Oriental, aponta que, em 2014, 71% do território paraense possuía cobertura florestal, correspondendo a área de agricultura anual a 210,023 ha (0,2), a de pastagem 14.636.724 ha (11,7%), enquanto o mosaico de ocupações (combinação de atividades em uma só área) ocupava cerca de 1 milhão de hectares (0,9%). Esses dados denotam, portanto, que o Pará, ao contrário do que é propagado, é um Estado preservado. Além disso, é premissa da política agrícola o “desmatamento zero”, uma vez que se considera a área atualmente em uso, suficiente para sustentar o desenvolvimento do setor agropecuário.

Mas, por outro lado, o processo e mudança pretendido não poderá ser efetivado sem a crescente incorporação de conhecimento, informação e tecnologia, fatores que é cada vez mais determinante para ageração de riqueza e o estabelecimento de relações de poder. Nesse sentido, o salto tecnológico a ser efetivado não se restringe, apenas, a processos produtivos stricto sensu, mas também, ao arcabouço institucional responsável pela gestão da política agrícola e de inovação.

Com esse intuito, necessária se faz, a regulamentação dos artigos constitucionais federais (Constituição Federal de 1988) números 23, 30 e 182, o primeiro que impõe aos municípios a gestão dos recursos naturais de seu território e o segundo, fortalece a necessidade da tomada de decisão local e o terceiro obriga “apenas” os municípios com mais de 20 mil habitantes a possuir o chamado “Plano Diretor” municipal.

Senão vejamos, a Constituição de 1988 elevou os municípios a entes federados, que passaram a possuir autonomia para se auto-organizarem, elegerem seus representantes, elaborarem suas leis e arrecadarem seus tributos. Os municípios passam então a assumir uma série de competências com relação a diversas políticas públicas. Mesmo que de forma compartilhada com outros entes da federação, os municípios passaram a ser protagonistas de diversas políticas. O artigo 23 da CF enumera uma série de competências comuns com os diferentes entes da federação. Além disso, o capítulo 30 reafirma que as questões de caráter local são de competência dos municípios. A questão ambiental aparece entre as competências descritas no artigo 23, incisos VI e VII: “proteger o meio ambiente e combater a poluição em quaisquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora”. Mas, por outro lado, ela não aponta como isso deve ser feito. O parágrafo único do artigo 23 que dá margem à legislação infraconstitucional, nele há previsão de que lei complementar venha a abordar como deve ser a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. Assim, compartilhasse a opinião de Cunha e Pinto (2008) de que, ao mesmo tempo em que a Constituição Federal reforçou a descentralização e o compartilhamento de responsabilidades entre os entes federados, ela é omissa quanto aos mecanismos de coordenação interfederativa.

Além disso, o artigo 182 ainda é mais danoso, no nosso ponto de vista, a política de desenvolvimento estadual, quando dita: “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1o O plano diretor, aprovado pela Câmara municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.” grifo nosso. Danoso por vários motivos, em primeiro lugar com que recursos financeiros o município poderá dispor para realizar tal empreendimento? O que será dos municípios com menos de 20 mil habitantes, ficará ao desamparo legal?

No caso do Estado do Pará, dos 143 municípios 40 deles, ou cerca de 27,77% não possuem mais de 20 mil habitantes, portanto estão, a nosso ver, “fora da lei”, desde o município de pau-d’arco, com seus 5.436 habitantes até o município de Floresta do Araguaia, maior produtor de abacaxi do Brasil com seus 19.508 habitantes, desse modo, além do poder público considerar o número de habitantes e não a quantidade e qualidade dos recursos naturais, que por si só, já se trata de uma visão míope, para quaisquer planejador, seja ele municipal, estadual e federal, entende-se que todo manancial de recursos naturais é desprezado pelos poderes públicos, pois também a Constituição Estadual apenas copila a CF nesse quesito.

Cremos ser essas questões que devem ser atacadas com a devida prioridade para regulamentar a lei federal, mudar a constituição estadual e principalmente dotar todos os municípios do Estado sem distinção de legislação e documentos institucionais que ordene o território, planeje o uso desses recursos naturais e promova a distribuição das riquezas para todos, assim não deixaremos municípios vulneráveis aos abalos promíscuos do capital e dos maus políticos.

João de Deus Barbosa Nascimento Júnior
Mestre em Planejamento do Desenvolvimento Regional
Economista, Analista da Embrapa Amazônia Oriental
joao.nascimento@embrapa.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/06/2017

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