Os desafios da África Subsaariana em sete figuras, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A ONU alerta para a situação dramática de cerca de 13 milhões de pessoas que estão ameaçadas pela fome na região do Sahel e, também, de 26 milhões de pessoas ameaçadas na África Subsaariana. O Sahel abarca uma faixa de 500 a 700 km de largura e 5 400 km de extensão, tendo o deserto do Saara, ao norte, e a savana do Sudão, ao sul; o oceano Atlântico, a oeste, e o mar Vermelho, a leste. O Sahel perpassa áreas de 16 países: Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul, Eritreia, Etiópia, Djibouti e a Somália.
Se o quadro já é dramático hoje em dia – como também mostram as notícias de milhares de migrantes e refugiados que tentam atravessar o mar Mediterrâneo para chegar à Europa – a situação tende a se agravar com o crescimento populacional e a degradação do meio ambiente.
O gráfico acima, com dados da Divisão de População da ONU, mostra que, em 1950, a população da Europa era de 549 milhões de habitantes, de 544 milhões na China, de 376 milhões na Índia, 179 milhões na África Subsaariana e 169 milhões na América Latina e Caribe (ALC). A população somada de Europa, China, Índia e ALC era de 1,6 bilhão de habitantes, sendo que a população da África Subsaariana naquela época representava cerca de 10% deste total. Mas como o ritmo da transição demográfica foi diferente em termos nacionais e regionais a distribuição espacial e o ritmo de crescimento populacional mudou a configuração. Em 2016, a Europa já apresentava o segundo menor contingente de habitantes (641 milhões) a China e a Índia ficavam com primeiro e segundo lugar e a África Subsaariana, com 1 bilhão de habitantes ficava em terceiro lugar.
O grande destaque das próximas décadas será o rápido crescimento demográfico da África. Em 2046, a população da África Subsaariana deve atingir 2 bilhões de habitantes, ficando em primeiro lugar na comparação acima. Em seguida viria a Índia com 1,7 bilhão de habitantes, superando a China (com 1,36 bilhão), a ALC com 779 milhões de habitantes, superando a Europa com 711 milhões de habitantes.
Na segunda metade do século XXI, a população deve decrescer na maior parte do mundo, mas vai continuar aumentando na África Subsaariana e deve atingir 3 bilhões de habitantes em 2072 e 4 bilhões de habitantes em 2100. Ou seja, no final do século, a população da África Subsaariana será equivalente à soma da população de Índia, China, Europa e ALC também com 4 bilhões de habitantes. Portanto, entre 2016 e 2100 a população da África Subsaariana vai passar de 1 bilhão para 4 bilhões de habitantes, colocando um grande desafio para a redução da pobreza, a melhoria da qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental. Há que destacar que o Norte da África já está em uma fase mais adiantada da transição demográfica e deve apresentar estabilidade do crescimento até o final do século.
O aumento da população da África Subsaariana vai provocar um grande aumento do número de habitantes por km2. A densidade demográfica de um país não é um bom indicador de desenvolvimento humano e econômico. Podemos encontrar países altamente desenvolvidos com baixa e alta densidade e países muito pobres com baixa e alta densidade demográfica. Alguns países com alta densidade demográfica (como Japão, Coréia do Sul, Singapura, Holanda, etc.) possuem alto índice de desenvolvimento humano (IDH). Mas também há aqueles com alto nível de IDH e baixíssima densidade demográfica (como Canadá, Austrália, etc.). De outro lado, existem países com baixa densidade demográfica e baixo IDH (como Angola, Gabão, Mauritânia, etc.), assim como países com alta densidade demográfica e baixo IDH (Bangladesh, Índia, Ruanda, etc.). O gráfico abaixo mostra que a densidade demográfica do mundo era de 57 habitantes por km2, em 2015.
Abaixo deste valor estavam a África Subsaariana (44 hab/km2), Europa (33 hab/km2) e ALC – América Latina e Caribe (32 hab/km2). Acima da média, estavam a Ásia (142 hab/km2), e a China (147 hab/km2). No final do século, a África Subsaariana poderá ter uma densidade de 180 hab/km2. A Europa (29 hab/km2) e a ALC (36 hab/km2) terão poucas modificações. A China terá uma grande queda da densidade (107 hab/km2) até 2100. A Ásia terá aumento da densidade até meados do século e depois queda até 2100, com 156 hab/km2. A alta densidade demográfica da África Subsaariana na segunda metade do século XXI vai trazer grandes desafios o bem-estar humano e ambiental.
Nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) está expresso uma meta de crescimento econômico de 7% ao ano para os países pobres, como os da África Subsaariana. Porém, o que se tem visto na atual década é uma redução das taxas de crescimento econômico, como mostram os dados do FMI. Na média da região, o crescimento ficou em torno de 3% em 2016, o que representa quase uma estagnação da renda per capita.
O gráfico abaixo, do Banco Mundial, mostra que houve uma redução da pobreza no mundo em desenvolvimento, entre 1990 e 2012, em especial no leste asiático (que inclui a China). A pobreza foi reduzida também na África Subsaariana, mas em ritmo bem menor do que nas outras regiões e, atualmente, concentra a maior quantidade de pobres do mundo.
Portanto, a África é o continente que apresenta as maiores taxas de pobreza e de pessoas passando fome no mundo e a produção per capita de alimentos ficou abaixo de outras regiões do mundo. O mais grave é que o futuro pode estar comprometido em decorrência da degradação ambiental, da perda de biodiversidade e dos danos às terras aráveis e à produção de comida. A grave situação da África é retratada no relatório “No ordinary matter: conserving, restoring and enhancing Africa’s soils” (2014), que mostra que o continente sofre com uma tripla ameaça: a) degradação do solo; b) colheitas fracas e c) uma população crescendo em ritmo acelerado.
O relatório diz que a estabilidade política, a qualidade ambiental, a fome, a pobreza tem a mesma raiz e, no longo prazo, uma solução fundamental, passa pela restauração do mais básico de todos os recursos, o solo. A recomendação básica é que os governos africanos e os doadores internacionais invistam na gestão da terra e do solo, criando incentivos sobre os direitos à terra seguros para incentivar o cuidado e a gestão adequada dos terrenos agrícolas. Além disso, o relatório recomenda aumentar o apoio financeiro para melhorar a gestão sustentável da terra.
O declínio da produtividade dos solos acontece no contexto de uma crise hídrica. 40% dos africanos (mais de 330 milhões de pessoas) não têm acesso à água potável, e metade das pessoas que vivem em áreas rurais não tem acesso. O problema mais grave é na África subsaariana, onde mais de 320 milhões de pessoas não têm acesso. Neste momento, a África subsaariana é a única região do mundo que não acompanha os objetivos de desenvolvimento do milênio da ONU de 2015.
O maior rio da África, o Nilo, não consegue mais atender a demanda populacional. A bacia hidrográfica do rio Nilo, abrange uma área de 3.349.000 km² e não dá conta de abastecer as populações dos 10 países que, em maior ou menor proporção, dependem de suas águas. A população conjunta de Uganda, Tanzânia, Ruanda, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Egito era de 84,7 milhões de habitantes em 1950, passou para 411,4 milhões em 2010, devendo chegar a 877,2 milhões em 2050 e 1,3 bilhão de habitantes em 2100, segundo dados da divisão de população das Nações Unidas. Os problemas de fome, perda de biodiversidade e pobreza humana e ambiental são, cada vez mais, graves na região. A capacidade de carga da bacia hidrográfica do rio Nilo já não suporta o consumo da população atual e suas necessidades econômicas. Já existem diversos conflitos pela disputa da água entre os povos e os países.
Segundo a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), até 2025, daqui a 8 anos, 1,8 bilhão de pessoas sofrerão escassez absoluta de água e dois terços do mundo viverão sob condições de estresse hídrico. O avanço da seca e dos desertos, o aumento da escassez de água e a diminuição da segurança alimentar podem provocar um enorme “tsunami” de refugiados climáticos e migrantes.
Para resumir todos estes problemas, a Footprint Network apresenta duas medidas que são muito úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza. A unidade de medida é o hectare global (gha).
A Pegada Ecológica per capita da África sempre foi baixa e se manteve praticamente estável, pois estava em 1,3 gha em 1961 e passou para 1,4 gha em 2013. Porém, a biocapacidade sofreu uma grande queda devido ao crescimento populacional. A biocapacidade per capita estava em 3,7 gha em 1961 e caiu para 1,2 gha em 2013. Assim, o continente africano que tinha um superávit ambiental até 2005, passou a uma situação de déficit nos últimos anos. E o pior é que este déficit deve aumentar com o crescimento da população e da economia. Na África Subsaariana não dá para falar em decrescer o consumo, pois o padrão de vida já é muito baixo. Todavia, a estabilização da população e o futuro decrescimento demográfico deveriam estar nos planos de ação das políticas públicas para evitar a perda acelerada da biocapacidade.
Todos os dados acima mostram que tanto a África como um todo, quanto a África Subsaariana já vivem em uma situação crítica em termos econômicos, sociais e ambientais, mas os desafios vão se avolumar nas próximas décadas. Sem dúvida, é preciso aprofundar a discussão sobre população, desenvolvimento e ambiente, pois o desequilíbrio é grande e pode jogar a África num cenário de colapso, com grande repercussão global.
Referências:
ALVES, JED. O crescimento demoeconômico da África, degradação do solo e insegurança alimentar, Ecodebate, 17/07/2015
http://www.ecodebate.com.br/2015/07/17/o-crescimento-demoeconomico-da-africa-degradacao-do-solo-e-inseguranca-alimentar-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. A densidade demográfica na África Subsaariana, Ecodebate, 15/06/2016
https://www.ecodebate.com.br/2016/06/15/a-densidade-demografica-na-africa-subsaariana-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
IMF. Africa’s Rise—Interrupted?, 2016
http://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2016/06/index.htm
Ryan Andrews. All About Drinking Water, Precision Nutrition, 2012
http://www.precisionnutrition.com/all-about-drinking-water
Water Crisis In Africa, 2012
https://www.youtube.com/watch?v=cRTk7aSbyd0
Word Bank. POVERTY IN A RISING AFRICA, 2016
http://www.worldbank.org/en/region/afr/publication/poverty-rising-africa-poverty-report
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/06/2017
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