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Código Florestal anistiou 41 milhões de hectares de áreas ocupadas com a agropecuária

 

Código Florestal anistiou 41 milhões de hectares. Entrevista especial com Luis Fernando Pinto

IHU

Entre as principais consequências dos cinco anos de vigência do Código Florestal, destaca-se a anistia de “41 milhões de hectares de áreas ocupadas com a agropecuária e que deveriam ter florestas e ser restaurados”, diz Luis Fernando Pinto, pesquisador do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Pinto informa os principais resultados do estudo de atualização dos dados do Código Florestal, realizado pelo Imaflora e pelo Laboratório da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” GeoLab. A partir da malha fundiária disponibilizada pelo GeoLab, o estudo analisou 5,5 milhões de imóveis rurais brasileiros e cruzou os dados desses imóveis com a vegetação nativa do Brasil e, desse modo, estimaram o cumprimento da lei em relação aos critérios de Reserva Legal – RL e Áreas de Preservação Permanente – APP. “Com isso descobrimos algumas coisas: a primeira é que a alteração da lei do Código Florestal em 2012 criou vários requisitos que anistiaram 41 milhões de hectares de áreas ocupadas com a agropecuária e que deveriam ter florestas, deveriam ser restaurados. Desses 41 milhões, 36 milhões deveriam ser RL e 4,5 milhões deveriam ser APPs”, diz.

De acordo com Pinto, esses dados são fundamentais para barrar os Projetos de Lei que estão propondo a redução das áreas de Unidades de Conservação – UCs. “É importante ter em mente que há cinco anos o setor agropecuário conquistou e consolidou 41 milhões de hectares, que equivalem a um território maior do que o estado do Mato Grosso do Sul, por exemplo, para uso agropecuário. Portanto, não parece fazer sentido desproteger mais florestas, que hoje estão protegidas, para a expansão da agropecuária novamente”, adverte.

Luis Fernando Pinto | Foto: Imaflora
Luis Fernando Pinto | Foto: Imaflora

Luis Fernando Pinto é graduado em Agronomia pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Ciências da Engenharia Ambiental pela USP, doutor em Fitotecnia – Esalq pela USP, com atividades no ICRAF Sudeste da Ásia. Atualmente é gerente de certificações agrícolas no Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora.

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Recentemente o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora publicou um estudo que mostra que o Código Florestal anistiou 41 milhões de hectares. Como vocês chegaram a esse resultado? Qual é a relevância dessa área em termos ambientais?

Luis Fernando Pinto — Esse estudo sobre a atualização de dados do Código Florestal foi feito em uma colaboração do Imaflora com o GeoLab, que é o laboratório da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Esalq/USP. Para fazer essa estimativa, primeiro, utilizamos uma nova malha fundiária que esse grupo de pesquisadores elaborou, onde conseguimos alocar a maior parte dos imóveis rurais do Brasil. Então, tínhamos um mapa com os contornos da maior parte das fazendas brasileiras – essa malha fundiária não existia anteriormente – e isso nos permitiu fazer essa estimativa com uma precisão muito maior do que era feita antes.

Portanto, usando essa malha fundiária fizemos uma simulação do Código Florestal, propriedade por propriedade, dos mais de 5,5 milhões de imóveis rurais do Brasil; a partir disso cruzamos esses dados com os dados de vegetação nativa do Brasil, e estimamos o cumprimento da lei em relação aos critérios de Reserva Legal – RL e de Áreas de Preservação Permanente – APPs. É um processo bastante complicado e muito técnico, mas que nos permitiu fazer essa estimativa com muito mais precisão do que anteriormente.

Com isso descobrimos algumas coisas: a primeira é que a alteração da lei do Código Florestal em 2012 criou vários requisitos que anistiaram 41 milhões de hectares de áreas ocupadas com a agropecuária e que deveriam ter florestas, deveriam ser restaurados. Desses 41 milhões, 36 milhões deveriam ser RL e 4,5 milhões de hectares deveriam ser APPs.

Qual a importância de sabermos esse número hoje? Primeiro, porque estamos em um contexto “muito quente” em Brasília, no Congresso, em que existe uma disputa por liberar terras protegidas, terras de florestas para o uso agropecuário, sejam elas Unidades de Conservação – UCs ou terras indígenas. Existe até um mecanismo que visa transferir áreas de assentamentos para imóveis privados novamente. E, com toda essa disputa, é importante ter em mente que há cinco anos o setor agropecuário conquistou e consolidou 41 milhões de hectares, que equivalem a um território maior do que o estado do Mato Grosso do Sul, por exemplo, para uso agropecuário. Portanto, não parece fazer sentido desproteger mais florestas, que hoje estão protegidas, para a expansão da agropecuária novamente.

Na revisão do Código Florestal, áreas que eram agropecuárias foram consolidadas como agropecuárias, ao invés de serem restauradas, como deveriam ser, e agora existe uma disputa para liberar áreas florestais para uso agropecuário. Contudo, no atual momento de mudanças climáticas, de uma enorme importância das florestas para o Brasil, não parece fazer sentido essa disputa do ponto de vista nem da agricultura, nem ambiental.

Outra questão bastante importante, que quero destacar, é que desses 41 milhões de hectares, 4,5 milhões são de APPs de Nascentes e beiras de rios. Então, com a revisão do Código, na prática, deixamos de restaurar 4,5 milhões de hectares de florestas, que é uma área maior que a do estado do Rio de Janeiro, apesar de essas florestas que protegem os recursos hídricos terem uma enorme importância para a produção de água, a qual é usada tanto para a agricultura quanto para a irrigação, para a geração de energia de elétrica, para as indústrias e para as cidades. Ou seja, abrimos mão da preservação de uma área gigantesca, que tem uma relevância ambiental e ecológica muito grande; não haverá nenhum mecanismo para compensar ou repor essa perda.

IHU On-Line — Em que regiões se concentram esses 41 milhões de hectares anistiados?

Luis Fernando Pinto — Nós fizemos a conta por estado, por bioma e por município e as principais reduções ocorreram na Mata Atlântica, no Sudeste, Sul e Nordeste, em uma área de milhões de hectares, e no Brasil como um todo também houve grandes reduções na Amazônia e no Cerrado na escala de milhões de hectares. As maiores anistias aconteceram na Mata Atlântica, no Cerrado e na Amazônia.

IHU On-Line — O que a lei anterior previa em relação às terras desmatadas ilegalmente e que foram anistiadas por conta do novo Código Florestal?

Luis Fernando Pinto — O Código previa os requisitos de RL e de APPs, mas o que aconteceu na elaboração da nova lei, em 2012, foi a anistia a quem não havia cumprido a lei até 2008. Essa data marca a regulamentação da lei de crimes ambientais no país. Ou seja, na elaboração da nova lei foram criados vários artifícios ou vários requisitos para que quem não cumprisse com a lei antes de 2008 fosse perdoado e não precisasse cumprir com suas obrigações que eram devidas antes de 2008; a partir de 2008 passou a ser obrigatório cumprir a lei.

IHU On-Line — Hoje um dos temas em discussão na área ambiental é a possibilidade de reduzir as Unidades de Conservação. Quais as implicações de medidas como essa?

Luis Fernando Pinto — As disputas que existem hoje de diminuição de áreas protegidas se referem a áreas públicas, terras públicas federais ou estaduais, que hoje são destinadas à conservação da vegetação nativa e às populações e povos tradicionais que vivem nessas Unidades de Conservação, seja em reservas extrativas, por exemplo, pois existem várias categorias de áreas públicas destinadas à conservação. E existe uma disputa para reduzirem essas áreas e elas poderem passar a ser propriedade privada e aí, sim, se aplicaria o Código Florestal a elas.

IHU On-Line — Outro ponto do estudo realizado pelo Imaflora diz respeito ao déficit atual de vegetação nativa, que é de 19 milhões de hectares, mas o estudo aponta, em contrapartida, que ainda existe uma área de floresta que é cinco vezes maior ao percentual de déficit. Como foi feito esse cálculo e em quais regiões há maior déficit? Qual é o peso dessa relação entre o déficit e a oferta de áreas florestais?

Luis Fernando Pinto — O déficit é, dada a lei de hoje, o percentual que não se cumpre da lei, mas essas áreas de uso agropecuário precisam ser restauradas e precisam virar florestas. Ao mesmo tempo descobrimos que existem 100 milhões de hectares de florestas em excesso aos requisitos do Código Florestal. Mas no geral isso significa que algumas fazendas estão devendo áreas de florestas, enquanto em outras essas áreas estão sobrando. Porém, desses 19 milhões, oito milhões são áreas de preservação permanente hídricas, ou seja, são florestas em beira de nascentes e na beira de rios. Essas áreas precisam ser restauradas e não podem ser compensadas por vegetações que estão sobrando em outras áreas, porque a função da floresta é proteger a nascente e o rio. Portanto, esses oito milhões de hectares têm que ser recuperados na fazenda em que está faltando área de APP.

Os outros 11 milhões de hectares podem ser recuperados via a plantação de florestas ou através da aplicação de mecanismos de compensação, ou seja, de trocas entre a vegetação que está faltando e a que está sobrando. O governo não regulamentou ainda como essas trocas podem acontecer, mas o fato é que há cinco vezes mais oferta do que demanda e, portanto, essas trocas têm que ocorrer dentro do mesmo bioma e do mesmo estado, conforme a legislação indica, mas alguns estados não definiram exatamente como serão realizadas essas trocas. Então, em alguns estados pode não haver excedentes suficientes para o que está faltando, como é o caso do Estado de São Paulo, onde o déficit é maior que o excedente.

A conta brasileira geral é de que tem muito mais excedente do que falta de florestas, mas essa análise deve ser feita numa escala estadual, considerando os biomas, para sabermos exatamente se esse excedente é real e se será possível cumprir a lei somente com as trocas. Os nossos números indicam que essas compensações dariam conta da maior parte do cumprimento da lei, mas, em alguns estados, vai ser necessário plantar florestas para o cumprimento do reequilíbrio da RL.

IHU On-Line — Além da anistia desses 41 milhões de hectares, quais são as demais implicações ambientais geradas pelo novo Código Florestal nos últimos cinco anos, desde que ele entrou em vigência?

Luis Fernando Pinto — O Código organizou o que o país precisa fazer para conservar, preservar e recuperar a vegetação nativa em imóveis rurais nas propriedades privadas; assim, apesar de ter havido essa enorme anistia, a qual nos levou a abrir mão de uma série de serviços ambientais importantes, daqui para frente o Código deixa claro o que precisa ser feito. Corrigir o déficit de 19 milhões de áreas de florestas é um compromisso maior do que o compromisso que o Brasil assumiu no Acordo de Paris em relação às suas metas voluntárias: o governo brasileiro se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas no país todo como contribuição para evitar que a temperatura do planeta chegue a 2 graus célsius. Entretanto, é importante ligar as políticas, porque cumprir o Código Florestal contribui para que possamos cumprir com o acordo do clima e preservar nossos recursos naturais. É necessário que isso aconteça rapidamente daqui para frente.

IHU On-Line — É preciso fazer alguma correção no Código Florestal?

Luis Fernando Pinto — Existe alguma margem para ajustes em relação às regulações estaduais. Existe a lei federal, que decidiu que os estados devem diversificar a lei de acordo com os Planos de Regularização Ambiental – PRAs, os quais vários estados já definiram. Do mesmo modo os estados podem destinar áreas prioritárias para a preservação. Eles podem, por exemplo, sugerir ou recomendar ou dar incentivos para que as recuperações de APPs sejam totais ao invés de manter a agricultura em APPs. Se os governos criarem incentivos e mecanismos para isso, seria possível recuperar o prejuízo em relação às APPs. Do mesmo modo, o governo também pode dizer quais são as áreas destinadas à restauração de RL para que tenhamos mais serviços ambientais. Embora tenha havido uma perda ambiental em 2012, os planos de regularização dos estados podem minimizar essas perdas orientando as prioridades e criando incentivos para a recuperação de APPs em RLs de maneira inteligente, priorizando os serviços ambientais das florestas.

IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?

Luis Fernando Pinto — Gostaria de comentar que uma das outras novidades do nosso estudo é que conseguimos identificar os déficits em função do tamanho do imóvel rural, e descobrimos que as grandes fazendas, embora representem 6% do número de propriedades do Brasil, são responsáveis por 59% da área que é devedora do Código Florestal. Então, desses 19 milhões de hectares, 59% estão em grandes fazendas, ao passo que os pequenos imóveis, aqueles que têm até quatro módulos fiscais, embora representem 82% dos imóveis do país, são responsáveis por 6% do déficit. Então, é preciso políticas específicas para cada tipo de produtores: os grandes produtores são responsáveis pela maior parte das dívidas, onde as recuperações são mais urgentes, enquanto o governo deveria criar instrumentos específicos para agricultores familiares e pequenos produtores, que são maior número, mas têm a menor dívida, para que eles possam ter instrumentos adequados para a sua forma de trabalhar e para também cumprirem com o Código.

 

(EcoDebate, 05/06/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

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