Guariba-Roosevelt: sociedade civil e MPE se mobilizam em defesa da única Resex do Estado de Mato Grosso
Por Sucena Shkrada Resk/ICV
O decreto legislativo 51/2016 de Mato Grosso, datado de 21 de dezembro de 2016, que diminui em 70% a Reserva Extrativista (Resex) Guariba-Roosevelt, localizada entre os municípios de Colniza e Aripuanã, única nessa categoria no estado, resultou em uma mobilização que começou no início do ano, que envolve a sociedade civil e Ministério Público Estadual (MPE). Os promotores Ana Luíza Ávila Pertelini de Souza (ex- secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso), Joelson de Campos Maciel e Gerson Barbosa ingressaram, neste mês, com uma ação civil pública para reverter esta redução de 164 mil estabelecidos no decreto 59/2015 para 57 mil hectares, que afeta a proteção da unidade de conservação, que integra o Mosaico da Amazônia Meridional, e prejudica a população extrativista tradicional formada por coletores de castanha, de óleo de copaíba e borracha.
São aproximadamente 300 pessoas que estão sendo afetadas diretamente por esta decisão da Assembleia Legislativa. A comunidade local elaborou uma petição pública na internet, na qual reivindicam apoio à causa. Soma-se a esse documento, uma carta de manifesto de fevereiro, assinada por um grupo formado por cerca de 40 organizações do terceiro setor, movimentos e apoiadores individuais, endereçada em abril ao governador Pedro Taques e presidente da Assembleia, Eduardo Botelho. A ação teve como uma das entidades mobilizadoras, o Instituto Centro de Vida (ICV).
Esta região é cobiçada por grileiros e é um dos principais locais conservados no chamado arco do desmatamento. A Resex havia sido criada pelo decreto estadual 952/96 e os limites mais recentes haviam sido determinados no decreto 59/2015. Os promotores, na ação, pleiteiam a realização da demarcação da área da reserva, de acordo com este último decreto, em um prazo de seis meses, e questionam que a decisão dos deputados não foram baseadas em estudos técnicos e consulta popular.
Veja a íntegra da carta-manifesto:
Cotriguaçu, 17 de fevereiro de 2017.
Exmo. Sr. Pedro Taques – Governador do estado de Mato Grosso
Exmo. Sr. Eduardo Botelho – Presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso
Manifestamos nosso profundo repúdio à aprovação do Decreto Legislativo n° 51 de 21 de dezembro de 2016, que anula a ampliação da Reserva Extrativista (Resex) Guariba-Roosevelt, concedida em 2015, sem estudos de embasamento técnico nem escuta dos moradores locais.
A Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt é a única Unidade de Conservação desta categoria no estado de Mato Grosso. Localizada nos municípios de Aripuanã e Colniza, a Resex foi criada em 1996 com apoio do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e garante os direitos das cerca 260 extrativistas que ali vivem há mais de 100 anos. Essas famílias dependem do manejo e da preservação da biodiversidade local para sua subsistência e geração de renda. Enquanto a pesca e o cultivo de roças contribui para sua segurança alimentar, a coleta e comercialização da castanha-dobrasil e da seringa fortalece a economia local e garante a melhoria da qualidade vida das comunidades de forma sustentável. Nos últimos 13 anos foram produzidos mais de 417 toneladas de castanha e 78 toneladas de borracha, demonstrando a viabilidade do manejo sustentável da floresta, que alia geração de renda, valorização do modo de vida extrativista e preservação da biodiversidade amazônica. Segundo especialistas, a Resex se destaca como um espaço socioambiental de extrema importância e ainda pouco conhecido, que assegura o território de povos indígenas isolados que transitam na área.
A Reserva vem sofrendo ataques contínuos de grileiros contra seu território e mudanças no tamanho de sua área, por meio de uma série de decretos e leis que não levam em conta as necessidades e demandas locais. O próprio decreto de criação (nº952/96), que institui uma área de 56 mil hectares, não contemplou áreas essenciais para as atividades extrativistas. Em 2015, o decreto nº59/15 ampliou os limites da Resex para 164.224 hectares, porém em 2016 houve mais um retrocesso com a publicação do decreto nº51/16, que susta essa ampliação e contra o qual nos posicionamos. É importante destacar que, até hoje, não há transparência nem diálogo com os moradores da Reserva e com o Conselho Deliberativo da Resex sobre a definição do seu território. O histórico mostra a negligência do Estado frente a importância dessa área para o desenvolvimento sustentável da região e a contenção do desmatamento, já que, ao longo de 20 anos, desde o decreto de criação, em 1996, a reserva extrativista nunca foi totalmente demarcada agravando a situação de vulnerabilidade e insegurança das famílias que vivem no local e as pressões sobre a floresta amazônica.
Com isso, a Resex sofre com sérios problemas, como: grilagem, pesca predatória, poluição de rios, desmatamento ilegal, expansão agrícola desenfreada, e falta de fiscalização por parte dos órgãos ambientais. A alteração dos limites representa um enorme risco à conservação ambiental e ao modo de vida das populações tradicionais. Essa situação gera insegurança, aumenta a especulação imobiliária e incentiva grileiros e fazendeiros a avançarem, cada vez mais, sobre as terras que deveriam ser protegidas e utilizadas de maneira sustentável.
Entendemos que a manutenção e a consolidação dessa área protegida são cruciais para a manutenção das famílias e seus modos de vida e a conservação da biodiversidade regional. Também é fundamental para o desenvolvimento do estado como um todo, visto a importância da floresta para a formação das chuvas que abastecem a agricultura, as hidrelétricas, etc. O fortalecimento da Resex é fundamental para o cumprimento das metas e compromissos estabelecidos pelo governo brasileiro de redução de emissões de gases do efeito estufa e, ainda, pelo governo do Estado na sua estratégia “Produzir Conservar Incluir”, apresentada, internacionalmente, em 2015. Essa estratégia, além de prever a manutenção e recuperação de ativos florestais, traz uma meta ousada de inclusão da agricultura familiar em Mato Grosso. As populações extrativistas precisam ser consultadas e consideradas neste processo, garantindo que tenham acesso à informações e poder de decisão sobre a gestão do seu território.
Sendo assim, Exmos. Srs., reivindicamos que revoguem o Decreto Legislativo n° 51 de 21 de dezembro de 2016 e que iniciam um processo de informação e consulta aos extrativistas, garantindo a implementação de mecanismos transparentes e participativos de gestão do território da reserva, e nos colocamos à disposição para apoiar a efetiva implementação desta importante Unidade de Conservação.
Assinam:
– Associação dos Coletores(as) de Castanha-do-Brasil do PA Juruena – ACCPAJ
– Associação das Comunidades do Bailique
– Associação de Desenvolvimento Rural de Juruena – ADERJUR
– Associação de Mulheres Andorinhas do Canama – AMAC
– Associação de Mulheres Cantinho da Amazônia – AMCA
– Associação dos Moradores Agroextrativistas da Resex Guariba Roosevelt, Rio Roosevelt – AMARR
– Associação de Mulheres Marias da Terra – AMATER
– Associação dos Moradores Agroextrativistas da Resex Guariba Roosevelt, Rio Guariba – AMORARR
– Conselho Consultivo do Mosaico da Amazônia Meridional – CCMAM
– Conselho Indigenista Missionário – CIMI-MT
– Conselho Nacional das Populações Tradicionais – CNS
– Centro de Trabalho Indigenista – CTI
– Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer – COOPAVAM
– Cooperativa Mista de Guariba – COMIGUA
– Cooperativa dos Produtores Agroextrativistas do Bailique – AmazonBai
– Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas – FONASC
– Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte – GPEA
– Instituto Centro de Vida – ICV
– Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia – IDESAM
– Instituto Gaia
– Instituto Socioambiental – ISA
– Kanindé, Associação de Defesa Etnoambiental
– Laboratório de Silvicultura Tropical / ESALQ/USP
– Oficina Escola de Lutheria da Amazônia – OELA
– Pacto das Águas
– Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Aripuanã-MT – STTRA
– WWF Brasil
– André Luís Alves – Pacto das Águas
– Bruno Contursi Cambraia, representante e presidente do Conselho Consultivo do Mosaico da Amazônia Meridional – CCMAM.
– Débora Fernandes Calheiros – Bióloga
– Edison Rodrigues de Souza – Antropólogo
– Eron Cabral, porta-voz Rede Sustentabilidade – MT
– Fábio Wesley de Melo – Ecotoré
– Ivaneide Bandeira Cardozo, Kanindé
– Izac Francisco Theobald, Chefe da FLONA Jatuarana – ICMBio – SR 1
– Mauro Vieira Baldini, IBAMA/SUPES/MT
– Renata M. Guerreiro Fontoura Costa, Ufscar
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/05/2017
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