As greves e a crise vieram para ficar, artigo de Nilo Sergio S. Gomes
[EcoDebate] A greve geral realizada no último 28 de abril foi apenas a primeira de uma série de mobilizações que deverão acontecer e incorporar-se à conjuntura atual do país, já marcada pela crise econômica, cuja superação parece situar-se em um horizonte não tão próximo. E mesmo que se inicie um processo de recuperação da economia a partir do final deste ano, como anunciam economistas do Ministério da Fazenda e do Banco Central, ainda assim restará saber em favor de quem e em benefício de quais interesses se dará essa reversão.
Com a manutenção pelo Governo Federal da agenda de reformas da Previdência e da Legislação Trabalhista, os cenários políticos que se avizinham estão mais do que turvos. Especialmente pelos efeitos da Operação Lava Jato, sempre seletiva e em contínuos desdobramentos também seletivos, que vem desmontando reputações, abalando um grande espectro político, inclusive, alguns dos principais e potenciais candidatos às eleições de 2018.
As eleições constitucionais previstas para outubro do ano que vem são, talvez, o único compromisso certo da agenda política nacional do país, diante das turbulências e instabilidades que se espalham de Norte a Sul, tanto pela economia quanto pela política, corroendo sobremodo o tecido social já esgarçado pelo desemprego e pela falta de novas oportunidades de trabalho. Contudo, há que se reconhecer que mesmo essas eleições estão carregadas de interrogações.
Já existem, por exemplo, na Câmara Federal, iniciativas visando a formação de uma comissão para tratar da extensão até 2020 do mandato do atual presidente da República, assim como recai sobre ele uma série de denúncias e processos, inclusive no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que poderão encurtar o seu polêmico mandato. Por sua vez, em meio a tantas incertezas e instabilidades, seu governo obtém os mais baixos índices de popularidade, sendo reprovado por ampla maioria das pessoas ouvidas pelos institutos de pesquisas.
Crise é mais grave que a de 1992
Não será exagero afirmar-se que essa delicada conjuntura política nacional, em que os rumos não são previsíveis, é a mais grave vivida pelo país, desde a redemocratização dos anos de 1980. Nem a crise de 1992, com o impeachment de Fernando Collor, teve tal grandeza e gravidade.
Lá haviam projetos definidos e lideranças sociais representativas, capazes de mobilizar e de levar parcelas amplas da população ao protagonismo na vida política do Brasil. Hoje não há nem uma coisa, nem outra. Os projetos esboroaram-se à esquerda, à direita e ao centro, e grande parte daquelas lideranças está hoje enlameada em sucessivos escândalos de corrupção, paralisada quando não desacreditada.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem esboçado alguma reação, contudo, circunscrita ao âmbito de seus partidários e do que ainda resta da militância do PT. Seu depoimento ao juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, de Curitiba (PR), causou grande repercussão nacional e internacional, mobilizando milhares de militantes à esquerda e centenas à direita.
Após quase cinco horas de depoimento, Lula parece ter saído mais fortalecido do que quando entrou no Fórum de Curitiba. Seu discurso, após depor, tonificou sua presença política no cenário nacional, onde lidera com boa vantagem as pesquisas para as próximas eleições presidenciais. Se não for cassado nem preso, deverá ser reeleito para um próximo mandato no Palácio do Planalto. Somente assim poderá alterar as atuais relações de força na política nacional, que ainda lhes são desfavoráveis. Nesse cenário, é bem possível que novas denúncias apareçam, especialmente na mídia que lhe faz oposição.
Redução da pobreza, aumento dos lucros
Não há como negar que nos 12 anos de governos petistas houve grande melhoria econômica e social para expressivas parcelas da população, com a criação de novos empregos e, sobretudo, com as políticas compensatórias que retiraram da extrema pobreza milhões de brasileiros.
Mas foi também nesses 12 anos, que os grandes capitais e as instituições financeiras obtiveram os mais altos lucros e ganhos, reforçando suas posições na economia e reproduzindo ainda mais a extrema concentração do capital e do poderio econômico, que o programa político do Partido dos Trabalhadores sempre se propôs a combater.
Foram feitas reformas sociais, mas não transformações estruturais. Além disso, a governabilidade foi garantida muito mais pelos acordos e alianças partidárias, nem sempre pautadas pela ética e pelo interesse público, do que pela mobilização da população e dos eleitores. Esses acordos e alianças terminaram por levar ao impeachment de Dilma Roussef, substituída pelo vice Michel Temer, do PMDB.
Assim, sem novas lideranças e sem projetos, o país parece caminhar no escuro. O solo é instável e o destino incerto. Os movimentos sociais parecem desarticulados, quando não dissolvidos. O desemprego bate recordes históricos e as ruas e praças das grandes cidades brasileiras estão ocupadas pelas parcelas da população que de tão empobrecidas, sem casa e nem qualquer abrigo, vivem e dormem ao relento ou debaixo de viadutos.
Do Congresso Nacional há muito pouco a se esperar, visto a baixa representatividade de seus representantes perante a população e ao fato de estarem mais de uma centena deles envolvidos em escândalos e denúncias de corrupção. Sem eira nem beira, o Brasil faz sua trajetória aos tombos e tropeços, o que incentiva vozes que trazem e ressoam as antigas e perversas propostas de cancelamento da democracia e reinstauração de uma ditadura militar, para “pôr ordem na casa”.
Caminhamos no pantanal de uma crise política e econômica que veio para ficar, até que novas eleições democráticas elevem aos cargos máximos da Nação figuras realmente representativas dos segmentos majoritários e minoritários da sociedade brasileira. Eleitas conforme as leis e a Constituição, sem golpismos e manobras de última hora, de qualquer lado e origem. Talvez seja necessário surgir e se consolidar na sociedade um consenso a respeito de ser este o melhor rumo, para que o país consiga, democraticamente, atravessar e superar esse momento de crise aguda, como há tempos não se via.
*Nilo Sergio S. Gomes é jornalista e pesquisador, professor da Escola de Comunicação da UFRJ. É editor do portal www.porteiradomato.com.br.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 12/05/2017
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