No meu tempo não havia Baleia Azul, artigo de Daniel Clemente
[EcoDebate] “A minha geração não sofreu Bullying”. Essa afirmativa temporal é indicativa de um descolamento perceptivo da atualidade, desclassificando argumentos do presente utilizando-se do passado retratado e revivido pela memória. E existem casos onde diversos indivíduos também sofreram sistemática humilhação nas salas de aula em tempos anteriores, porém, possuem o mesmo discurso, “a minha geração não sofreu Bullying”. Talvez como provável tentativa “inclusiva” numa retrospectiva biográfica ou pelo desconhecimento da dinâmica vivenciada diariamente pelos jovens nas escolas e em suas relações sociológicas.
“No meu tempo não havia Baleia Azul”. Então seguimos ignorando as transformações sensoriais entre faixas etárias anteriores e recentes, e por muitas vezes divergentes. Antes mesmo de entender a causa do fenômeno suicida, os culpados já foram julgados: Os pais cada vez mais inseridos na sociedade do trabalho e preenchendo velozmente os minutos de vida com obrigações alheias aos seus próprios interesses, terceirizam os filhos ao mercado, e quando raramente participam buscam mais agradar “a criança que ainda reside em seu subconsciente” antes mesmo de compreender as angústias da prole. Não há diálogo, somente imposição. Não há contradição, somente punição. E no silêncio se manifesta o conforto fornecido pela estupidez.
O ator e diretor de teatro Antônio Abujamra incessantemente buscava entre os entes disparar suas provocações, desferindo aos seus convidados no final de cada sabatina a pergunta de múltiplas dúvidas: “O que é a vida?” Geralmente as respostas justificavam a conduta vivida de cada indivíduo. E se pudéssemos realizar aos jovens integrantes do suicídio pós-moderno a mesma pergunta: “O que é a vida?” Provavelmente as respostas forneceriam argumentos para a adesão voluntária ao jogo Baleia Azul. Sem perguntas não há respostas. Mesmo assim os especialistas proliferam portando chá de camomila para curar um câncer social. Os discursos salvacionistas tendem a ignorar o apelo dos mortos, pois divergem sobre os valores da vida. Ambos gritam, ambos surdos.
Nas últimas duas décadas, assuntos restritos e confidenciais ganharam dimensão planetária, devido ao fluxo de informações cada vez mais dinâmico pela internet. O fenômeno Bullying e Baleia Azul, assim como tantas outras divergências sociais, se caracterizam pelos vínculos da sociedade virtual, numa era de incertezas, sem referência comparativa com o passado, sendo um tema no qual deve ser tratado olhando para o presente.
Cansados de percorrer em um mundo inóspito, rendidos pela escassez ideológica, onde as verdades deixaram de existir, a utopia faz falta. Nas palavras do sociólogo Eduardo Galeano a utopia é a incerteza de quando chegar, mas a certeza de para onde ir: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Daniel Carlos Clemente, Professor de História – Colégio Adventista de Santos
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/04/2017
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