Lucrativa, Sabesp quer aumentar tarifa residencial, mas continua dando desconto para grandes empresas
A Pública obteve através da Lei de Acesso à Informação a lista de 466 empresas que têm contratos de demanda firme para abastecimento de água em São Paulo. Clientes como Volkswagen, Itaú e Nestlé pagam menos e consomem mais
Por Natalia Viana, da Agência Pública
Dias depois de o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, anunciar que busca um “pacto social” para aumentar a conta de água para a classe média, a Pública revela que 466 empresas continuam pagando tarifas “premium”, mais baratas, porque consomem muita água.
Os contratos de demanda firme continuam ativos, apesar de terem gerado protestos durante o auge da crise de água, em 2015. Eles garantem um vantajoso desconto para empresas e indústrias que gastam acima de 50 mil litros. Diferentemente do que ocorre com consumidores residenciais, quanto maior o uso, menor é o valor que as empresas pagam pelo metro cúbico (1.000 litros). O presidente da Sabesp chegou a afirmar em 2015 que a política poderia ser revista. No entanto, como mostram os documentos obtidos pela Lei de Acesso à Informação, centenas de clientes comerciais continuam gastando muito e pagando pouco.
“Essa política vai contra os princípios da Política Nacional de Saneamento Básico, de que a tarifa tem que ser um instrumento que induza o consumo racional, consciente. Esses contratos são indutores a um consumo maior”, afirma Guilherme Checco, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que monitora o nível dos mananciais paulistas.
Entre as 466 empresas beneficiadas, 28 pagam tarifas menores do que um cidadão normal. As menores tarifas chegam a custar R$ 4 a menos por metro cúbico do que uma conta residencial.
As outras tarifas continuam sendo mais caras do que a tarifa residencial, mas têm um desconto em relação à tarifa comercial, paga por empresas que não têm contratos de demanda firme (R$ 17,46 por metro cúbico).
As campeãs
A campeã do desconto é a indústria Viscofan do Brasil, com sede em Ermelino Matarazzo, que fabrica tripas de celulose para embutidos. A Viscofan paga R$ 5,56 por mil litros, enquanto uma residência paga R$ 9,64 (se gastar mais do que 50 mil litros).
A indústria recebe 54 milhões de litros de água, no mínimo, por mês, o que corresponde ao gasto de 2.454 famílias, considerando um consumo médio de 22 m3, de acordo com dados da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon).
No auge da crise, a empresa pagava apenas R$ 3,41 por metro cúbico. O valor foi reajustado, mas ainda hoje é um baita desconto.
A segunda beneficiária com maior desconto é a Volkswagen do Brasil, que paga R$ 6,06 por metro cúbico, em um contrato que garante o fornecimento de 30 milhões de litros por mês. A Volkswagen assinou em 2002 um contrato para o fornecimento de água em uma de suas fábricas, localizada em Taubaté. O valor inicial era de R$ 2,19 por mil litros, e o fornecimento mínimo era de 90 milhões de litros.
Já a Ceagesp paga R$ 6,65 por metro cúbico, para gastar no mínimo 43 milhões de litros de água por mês. O contrato inicial era de 2001 e tinha o custo de 4,03 por 1.000 litros de água. No ano seguinte, a Ceagesp renegociou os valores para baixo – e para isso se comprometeu a não usar fontes alternativas de água além da fornecida pela Sabesp.
Veja nas tabelas abaixo as empresas que recebem maior desconto na água e as que mais gastam água em São Paulo.
Baixe aqui a tabela dos contratos vigentes de Demanda Firme (março de 2016)
+ Baixe todos os contratos de demanda firme assinados pela Sabesp
Embora tenha enviado os dados, a Sabesp continua pecando na transparência. Enviou o nome das empresas em uma tabela, e os detalhes dos contratos em outra. A reportagem teve que cruzar os dados com os contratos, publicados em 2015 pela Pública, para chegar nos nomes das empresas. Além disso, a companhia só enviou os nomes de 464 empresas, alegando que em dois casos há cláusulas de confidencialidade que impedem a publicação.
Os descontos às clientes que mais consomem foram mantidos mesmo durante a operação de sobretaxa aos usuários residenciais, que vigorou de janeiro de 2015 a abril de 2016, impondo altas multas a qualquer um que gastasse mais do que a sua média no ano anterior. O programa gerou uma receita de R$ 225 milhões à Sabesp.
A Sabesp fechou 2016 com lucro recorde de quase R$ 2,9 bilhões. Teve, ainda, aumento de receita de 20%. E decretou o fim da crise hídrica. “O ano de 2016 foi marcado pela superação da mais grave crise hídrica registrada na Região Metropolitana de São Paulo. Vivemos hoje um cenário de normalidade com a franca recuperação dos mananciais que atendem a metrópole”, disse o presidente, em carta, no dia 27 de março.
Fim da crise?
Guilherme Checco, do IDS, avalia que, embora a crise de abastecimento mais aguda tenha passado, ainda vivemos um momento de escassez hídrica – e a Sabesp não está se preparando para isso. “Todas as projeções climáticas dizem que os períodos de seca mais intensas e chuvas mais concentradas serão a normalidade daqui para a frente”, diz.
“Para a gente entender a situação, tem que olhar não só os reservatórios, mas alguns outros aspectos: a capacidade de recarga de mananciais, a recuperação de mananciais, as ações de reúso e a não poluição das nossas águas. E quando olha para esses elementos a situação é preocupante.” Ele afirma que apenas na cidade de São Paulo a Sabesp coleta e despeja nos rios 311 milhões de litros de esgoto não tratado por dia. (Leia mais: “Tietê, um rio de sujeira e contradições”.)
“Olhando só sete principais mananciais que abastecem a região metropolitana, tem mais de 570 mil hectares, ou 24% do total, que deveriam ser restaurados”, alerta. São áreas de “fragilidade ambiental”, com pouca vegetação, o que pode levar à erosão e, consequentemente, à degradação das águas dos rios.
O especialista critica também as perdas de água dentro do sistema Sabesp, que aumentaram no último ano. “O índice de perdas está na ordem de 32% em 2016, e mesmo com este nível de perda você estrutura uma estratégia de buscar água mais longe. Vai perder muita água no meio do caminho”, diz Checco.
Já a coordenadora da Aliança pela Água, Marussia Whately, critica o que classifica de “desprezo” das autoridades pelo conceito de economizar água. “Há um total desprezo da própria Sabesp em relação à redução do consumo e pelo conceito de gestão da demanda.” Ela exemplifica com o fim do bônus a quem economiza água. “A decisão foi muito mais de a Sabesp não repartir o seu lucro recompensando quem economizou.”
Procurada, a empresa reiterou que a crise hídrica acabou “graças aos investimentos feitos pela Sabesp e à participação da população”. Sobre os contratos de demanda firme, afirmou que eles só serão reavaliados se houver uma nova estrutura tarifária.
Desde o começo do ano, a Sabesp tem buscado uma revisão da política tarifária. A proposta à agência reguladora paulista (Arcesp) é de uma transição a um modelo em que os cidadãos residenciais paguem mais caro. A ideia é reduzir a diferença entre a tarifa residencial normal e a tarifa comercial normal. Com as mudanças, os contratos de demanda firme “perderiam a razão de ser”, segundo seu presidente afirmou ao jornal Valor.
“A Sabesp propõe que a estrutura tarifária seja discutida com toda a sociedade, de forma transparente, para que se chegue a um modelo que permita o avanço mais rápido nas principais demandas da população, como a despoluição de rios e córregos”, disse a companhia em nota à Pública.
Crédito da imagem destacada: Divulgação/Sabesp
Elaboração dos infográficos: Bruno Fonseca/Agência Pública
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/04/2017
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Infelizmente, as empresas de saneamento têm fins lucrativos. Daí os contratos de demanda firme, que são feitos para que tanto a empresa de saneamento como a fornecedora de energia elétrica saibam o valor mínimo que vão faturar dos grandes consumidores.
Eles são feitos da seguinte maneira: o consumidor paga uma taxa diferenciada até determinado valor, mas paga esse valor consumindo ou não consumindo. Se consumir mais, a taxa é acrescida de uma sobretaxa.
De minha parte, sempre questionei tais contratos, pois eles não induzem à economia. Quando era responsável pela medição das contas de água e de energia elétrica do Banco Central, em Belo Horizonte, nunca aceitei pagar mais do que efetivamente consumia. Tanto fiz que a Copasa acabou por rescindir o contrato de demanda firme com o Banco Central. Quanto a energia elétrica, verifiquei que a demanda firme nunca era atingida e, portanto, estávamos pagando mais que o consumido, tendo conseguido reduzir o limite de consumo para a demanda firme.
Creio que tais contratos de demanda firme estão na contramão da atual situação hídrica (e, consequentemente, de produção de energia elétrica) no país.