Dia Mundial da Água: não há o que comemorar, por Flávio José Rocha da Silva
[EcoDebate] Não há o que comemorar neste 22 de março de 2017 quando celebramos o Dia Mundial da Água. Com a privatização do nosso patrimônio hídrico a pleno vapor no Brasil, só nos resta uma pergunta: por que comemorar?
Com a posse de 12% da água doce do planeta, o Brasil é a bola da vez para o mercado da água. Tudo, claro, justificado com eufemismos como modernização do setor hídrico, bom gerenciamento, alavanca para o desenvolvimento, água para quem tem sede e outros mais. Todos nós já conhecemos muito bem o resultado do “cuidado” por parte dos que detém o poder para com os nossos recursos naturais. Basta pensar no que aconteceu com os nossos minérios nas últimas décadas. Acontece que a água não é um elemento natural qualquer. Ela é essencial para manter a vida no planeta.
O Brasil sediará na capital do país, em 2018, o Fórum Mundial da Água. A grande mídia dirá que a discussão será pautada pela universalização do saneamento. A conclusão do documento final do Fórum eu adiantarei aqui para vocês: sem a participação da iniciativa privada não será possível levar saneamento a toda a população brasileira. Não, eu não tenho o dom de prever o futuro. É que basta ler alguns dos documentos dos Fóruns Mundiais da Água anteriores e dos eventos promovidos pelo Banco Mundial com relação a água. O resultado é sempre a afirmação de que a água tem valor econômico e deve ser tratada como uma mercadoria.
Houve um tempo que a água era privatizada por grandes proprietários, e ainda o é em muitos lugares deste país. Hoje, multinacionais e algumas empresas nacionais perceberam que a água pode ser o último recurso natural na lista dos privatizáveis. Ainda há mais um grande atrativo: diferente das outras matérias primas, a água não precisa passar por uma transformação para a venda. Está lá pronta para o consumo. Basta que seja captada, transportada e seguir para a venda.
A autorização para que a CEDAE, empresa de saneamento do Rio de Janeiro, seja privatizada acendeu a luz vermelha (creio que todas a luzes estão acesas neste momento do país). Há pouco ficamos sabendo que uma multinacional canadense comprou uma empresa privada de saneamento brasileira e será responsável pela distribuição de água de 5% da população no Brasil. Para os próximos anos anuncia-se a privatização de mais de uma dezena de companhias estaduais de água utilizando outros eufemismos como Parceria Público Privada e Parceria Pública de Investimento. Uma verdadeira ironia quando sabemos que cidades como Berlim e Paris reestatizaram as suas companhias de distribuição de água, gesto que já foi repetido por mais de 200 cidades ao redor do mundo nos últimos anos.
A questão da privatização da água tornou-se tão séria que até mesmo o Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si afirma que “em alguns lugares cresce a tendência de se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita as leis do mercado.”2 Hoje sabemos que um destes lugares é o Brasil.
Só há uma maneira de parar esta insanidade. A necessidade de conscientização da população brasileira é urgente e necessária para contrapor-se com celeridade e eficácia a esta ameaça ao acesso a um bem comum. Sabemos por experiência com o que aconteceu na Bolívia no ano 2000 com a privatização da água que serão os mais pobres que pagarão o preço com esta política de exclusão. Água é importante demais para ser uma mercadoria.
Flávio José Rocha da Silva é Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP a administra a página do Facebook OPA – Observatório da Privatização da Água.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/03/2017
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… A necessidade de conscientização da população brasileira é urgente… Como? não conseguimos fazer isso, podemos sensibilizar até mas não mobilizamos a tempo, leva anos, no mínimo uma geração, isso tendo competência de comunicação, coisa que também não temos pelo menos o governo não tem, tem que envolver o setor privado, sem mimimi indo direto ao ponto, com transparência total.
Tenho preocupações maiores do que a exposta pelo articulista. Não que a água como negócio também não seja assunto importante, mas primeiro precisamos ter água disponível para depois discutir como manejá-la.
Há bastante evidência de que estamos com uma tendência de intensificação e alteração da distribuição das chuvas e, ao mesmo tempo, não estamos investindo em tecnologias de manejo dos volumes recebidos com essas alterações. Sem água disponível, fica inócua qualquer discussão a respeito de como processá-la daí para frente.
Vemos, às vezes, algumas ações na área de produção de água, baseadas apenas no senso comum, mas que precisam sofrer o reforço dos conhecimentos hidrológicos aplicados. Um exemplo do senso comum é acreditar que apenas a aplicação do Código Florestal será suficiente para salvar aquíferos, nascentes e cursos d’água. O manejo de pequenas bacias hidrográficas para produção de água vai muito além das APPs.