Ciclo hidrológico do Pantanal depende da conservação da Amazônia
Ciclo hidrológico do Pantanal depende da conservação da Amazônia. Entrevista especial com Carolina Joana da Silva
IHU
O Pantanal é o exemplo típico de um ecossistema que, desde a sua formação, sempre “dependeu, na sua constituição biológica, da composição de espécies florísticas e faunísticas de outros biomas, como da Floresta Amazônica, do Chaco, do Semiárido e principalmente do Cerrado”, diz Carolina Joana da Silva à IHU On-Line, ao explicar a inter-relação existente entre os biomas brasileiros.
A própria existência do Pantanal, pontua, depende integralmente dessa conexão do bioma com a Floresta Amazônica. “O bioma Pantanal também depende das chuvas originárias da Amazônia, por meio dos rios voadores, que trazem as águas e alimentam os rios e as cheias pantaneiras, e causam o pulso de inundação, serviço ecossistêmico de regulação dos processos ecológicos responsáveis pela produtividade do Pantanal”, esclarece Carolina na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Do mesmo modo, explica, por conta dessa “alta conectividade” entre os biomas, os danos ambientais que ocorrem na Amazônia geram implicações no funcionamento do Pantanal. Um exemplo disso tem sido o aumento do desmatamento, que “já está afetando a diminuição e o deslocamento das chuvas. Dessa forma, o ciclo da água entre Amazônia e Pantanal tende a ser afetado, e, consequentemente, serão afetados o pulso de inundação e a produtividade pantaneira”, adverte.
Carolina Joana da Silva é graduada em História Natural pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, mestra em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa e doutora em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos – Ufscar. Atualmente leciona na Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat.
No dia 18 de abril, das 19h30min às 22h, a professora irá ministrar a conferência Impactos ambientais e contrassensos no pantanal brasileiro, atividade que integra o ciclo de estudos Os biomas brasileiros e a teia da vida, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, que segue com sua programação até 14 de junho de 2016. Veja a programação completa aqui;
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como compreender o bioma Pantanal e qual sua relação com os demais biomas brasileiros?
Carolina Joana da Silva – O bioma Pantanal dependeu, na sua constituição biológica, da composição de espécies florísticas e faunísticas de outros biomas, como da Floresta Amazônica, do Chaco, do Semiárido e principalmente do Cerrado. Essas espécies ocorrem em outros biomas e raras são exclusivas do Pantanal, ou seja, são pouquíssimas as espécies endêmicas. O bioma Pantanal também depende das chuvas originárias da Amazônia, por meio dos rios voadores, que trazem as águas e alimentam os rios e as cheias pantaneiras, e causam o pulso de inundação, serviço ecossistêmico de regulação dos processos ecológicos responsáveis pela produtividade do Pantanal.
IHU On-Line – Quais os maiores impactos ambientais que o Pantanal sofre hoje?
Carolina Joana da Silva – Ao considerarmos o pulso de inundação (enchentes) como o principal serviço de regulação do Pantanal, ou seja, como um sistema movido por pulsos (como o Mangue, a várzea amazônica), atividades que interferem nesse mecanismo podem afetar o seu funcionamento. Estudos já detectaram mudanças climáticas no sistema Pantanal, indicadas por alterações nos padrões da chuva, exemplificadas pelos deslocamentos temporais.
No entanto, as mudanças mais diretas no pulso de inundação podem ser causadas pelos empreendimentos hidrelétricos — Usinas Hidrelétricas – UHEs e Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs já construídas, em construção e previstas. A produtividade dos sistemas pantaneiros será afetada em menor ou maior escala, na dependência da distância da fonte, na quantidade e no tamanho desses empreendimentos.
IHU On-Line – Quais os desafios em relação à preservação do bioma Pantanal?
Não existe uma lei para este bioma, e a proposta que está no Congresso está desconectada de conceitos e atividades em andamento no Pantanal
Carolina Joana da Silva – Ter uma legislação ambiental apropriada ao Pantanal, respostas políticas antecedentes e mantenedoras das normas e títulos vigentes. Por exemplo, não existe uma lei para este bioma, e a proposta que está no Congresso está desconectada de conceitos e atividades em andamento no Pantanal.
O título de Reserva da Biosfera nominado pela Unesco ainda não foi implementado e quase foi perdido, devido à falta de interesse do governo federal em manter essa titulação. Também falta um planejamento que anteceda os impactos de empreendimentos, como as usinas hidrelétricas, e que discuta os limites para a construção dessas obras.
IHU On-Line – O que se sabe sobre a biodiversidade pantaneira hoje e quais suas particularidades?
Carolina Joana da Silva – A biodiversidade em números de espécies, ou seja, sua riqueza, varia de espécie para espécie. No entanto, o que chama a atenção é a abundância das espécies. No Pantanal, muitas espécies de plantas e animais são vistas em grandes quantidades de uma mesma espécie, como por exemplo, o jacaré e as aves pescadoras. As árvores ocorrem, com frequência, agrupadas, com características de monodominância, como os cambarazais, os paratudais e os piuvais.
IHU On-Line – De que modo o ciclo das águas no Pantanal pode contribuir para estudos sobre questões climáticas?
Carolina Joana da Silva – Considerando a alta conectividade entre o bioma Amazônico e o bioma Pantanal, mediado pelas chuvas — “rios voadores” —, e a dependência das chuvas na Amazônia, oriundas da própria floresta, o aumento do desmatamento já está afetando a diminuição e o deslocamento das chuvas. Dessa forma, o ciclo da água entre Amazônia e Pantanal tende a ser afetado, e, consequentemente, serão afetados o pulso de inundação e a produtividade pantaneira.
IHU On-Line – Até que ponto os desequilíbrios climáticos têm impacto na vida do Pantanal?
Carolina Joana da Silva – Eles afetam a extensão das enchentes, o deslocamento temporal das enchentes, as cheias, vazante e estiagem (fases do pulso de inundação) e, por consequência, todos os serviços ecossistêmicos (regulação, provisão, produção e culturais).
IHU On-Line – Qual a importância de observação da cultura dos povos originais para a compreensão do bioma Pantanal?
Carolina Joana da Silva – Os pantaneiros, organizados como povos indígenas ou comunidades tradicionais, mostram estratégias adaptativas ao pulso de inundação e conhecimento ecológico da biodiversidade, o que os mantêm resilientes nos sistemas ecológico e social.
IHU On-Line – Como se dá a relação entre o povo pantaneiro e o bioma hoje? Quais os maiores desafios e como conceber atividades econômicas que preservem a região?
Carolina Joana da Silva – O pantaneiro mantém estreita relação com o sistema ecológico, explorando macro-habitats e mantendo a sua biodiversidade, sua estrutura e funcionamento. De forma semelhante, o pantaneiro usa e garante populações de espécies, como as de peixes, as quais ainda se encontram em níveis adequados. O que acontece é que às vezes aumentam as pressões de origem externa ao sistema.
As tendências indicam que estratégias de policulturas, na escala das comunidades tradicionais, ou estratégias baseadas em mais de uma atividade, em populações locais, podem ter mecanismos adaptativos, que mantêm a resiliência desses povos no sistema socioecológico. O desafio está colocado na garantia de que essas estratégias tenham sua reprodução sociocultural continuada.
IHU On-Line – Qual o impacto das fazendas e da pecuária nos ecossistemas do bioma Pantanal?
Em escalas locais, observam-se alterações que dificultam o fluxo de água, devido às construções de diques
Carolina Joana da Silva – As fazendas tradicionais têm mantido a estrutura e o funcionamento do sistema pantaneiro, no sentido macro. No entanto, em escalas locais, observam-se alterações que dificultam o fluxo de água, devido às construções de diques. Também temos observado a diminuição da diversidade de espécies arbóreas e a introdução de espécies exóticas em locais onde há pastoreio. Atualmente, fazendas que compartilham a pecuária com o turismo ou focadas mais nas atividades turísticas aparentam estar economicamente mais estáveis.
IHU On-Line – Como analisa o turismo no Pantanal hoje? Até que ponto esse tipo de atividade pode ser um caminho para preservação e uma ameaça ao bioma?
Carolina Joana da Silva – No Pantanal serviços ecossistêmicos de produção, como a pecuária e a pesca, têm tendência a serem compartilhados, ou substituídos em algumas fazendas pelos serviços ecossistêmicos culturais, como o turismo. A atividade turística depende mais do mercado externo do que de forças locais, o que pode caracterizar uma vulnerabilidade. No entanto, esse tipo de atividade também dá suporte à preservação.
(EcoDebate, 22/03/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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