Será que os Empreendedores, as Pessoas e o Governo Realmente se Beneficiam do Crescimento Econômico? por Ranulfo Paiva Sobrinho e Junior Garcia
Será que os Empreendedores, as Pessoas e o Governo Realmente se Beneficiam do Crescimento Econômico?
Ranulfo Paiva Sobrinho
Junior Garcia
[EcoDebate] Se você fizer essa pergunta para algum político ou economista, provavelmente as respostas sejam as seguintes:
“Sim. Todos se beneficiam do crescimento econômico”.
“A população se beneficia por ter mais empregos e aumento de sua renda. Os empreendedores se beneficiam porque vendem e lucram mais”.
“Além dos empreendedores e a população, os governos também se beneficiam, pois, haveria maior arrecadação de impostos”
Entretanto, será que essas respostas refletem a realidade? Será mesmo que o crescimento econômico beneficia a população, os empreendedores e os governos?
Para identificar quem se beneficia do crescimento econômico, antes é preciso saber qual o seu significado. O que é o crescimento econômico?
De forma simplificada, pode-se dizer que o crescimento econômico é uma medida da variação positiva da quantidade de bens e serviços finais produzidos e vendidos em determinado período de tempo por um país ou região. Essa quantidade pode aumentar (crescimento econômico), reduzir (recessão) ou se manter igual entre períodos (estagnação).
Como o crescimento econômico é medido e quais as implicações dessa mensuração?
A maioria das pessoas sabe que o crescimento econômico é medido através do produto interno bruto (PIB). O PIB, por sua vez, representa a quantidade de produtos, serviços finais produzidos e vendidos em um determinado período de tempo (trimestral, semestral, anual). Um importante desafio na mensuração do PIB é somar bens e serviços heterogêneos, tais como carros com bicicletas, feijão e serviços de saúde. Verifica-se que o produto econômico é heterogêneo, portanto, seu cálculo envolve primeiramente resolver esse problema. A ‘solução’ encontrada foi converter todos os produtos em valores monetários, tornando-os homogêneos. Essa ‘solução’ possui dois problemas muito sérios: (1) oculta as consequências negativas da produção geradas à natureza, isto é, a interface biofísica do PIB; (2) coloca a economia de um país dependente de empresas financeiras que detêm o oligopólio de endividar as famílias, empresas e governos.
Interface biofísica do crescimento econômico
A produção de qualquer bem ou serviço econômico requer um fluxo de matéria e energia. Desse modo, a produção econômica está sujeita às leis da termodinâmica: a lei da conservação de energia (1ª Lei da Termodinâmica) e a Lei da Entropia (2ª Lei da Termodinâmica). Isto significa que não existe produção, mas apenas a transformação de matéria e energia de baixa entropia em bens e serviços econômicos, que invariavelmente também resultará na degradação dos recursos naturais, seja via extração seja via lançamento de rejeitos no ambiente, a poluição.
Neste sentido, a interface biofísica do produto econômico é avaliada pelas consequências ocasionadas pela produção e venda dos bens e serviços de um país ou região ao meio ambiente e as pessoas. O crescimento econômico da China somente tem sido possível pela expansão de crédito pelo seu sistema bancário e às custas da degradação de rios, dos solos, do ar e da destruição de vários ecossistemas, que em sua maioria não tem preços de mercado. Portanto, o método de mensuração do crescimento econômico oculta a degradação ambiental.
Dependência da economia de um país frente as instituições financeiras
Assume-se como verdade que, na maioria das vezes, para produzir e consumir algum produto e\ou serviço econômico, geralmente, é preciso ter dinheiro. Significa que empresas, governos e pessoas precisam ter “Reais (R$)” à sua disposição1, seja em efetivo e\ou eletrônico, para realizar a produção e o consumo. Supondo que essa lógica esteja correta, consequentemente, no Brasil, o PIB é medido em Reais, nos EUA ele é medido em Dólares, enfim, em cada país ele é medido considerando a moeda oficial.
Como se pode perceber no cálculo do PIB somente são incluídas as transações comerciais realizadas entre governo, empreendedores e clientes em que se utilizam a moeda oficial de cada país. Até aqui nenhuma novidade, porém, por trás dessa simples afirmação está um importante ‘insight’: o fato de existir um indicador econômico (PIB) que somente considera as transações envolvendo a moeda oficial pode ser benéfico para as instituições financeiras autorizadas a fornecer “Reais” no Brasil. As pessoas, empresas e governos dependem de um único tipo de dinheiro, o “Real”, cujo controle da emissão depende dos bancos ou do sistema bancário, principalmente.
Imagine a seguinte situação: no país hipotético chamado “País-X”, a saúde da população é medida com base na quantidade consumida de bananas. Assume-se como verdade que quanto maior a quantidade de bananas consumidas durante o ano, melhor a saúde da população daquela nação. Naquele país existem outras frutas, além de legumes que também fazem bem para a saúde, mas o seu consumo não é incentivado, pois, o governo determinou por lei que somente a quantidade consumida de bananas é a medida oficial da saúde da população. Neste contexto, os maiores beneficiados são as empresas governamentais e privadas que são autorizadas a produzir e distribuir bananas, pois, as pessoas daquele país podem obter a referida fruta somente das empresas autorizadas, ou seja, do sistema oficial.
No País-X a população não pode se organizar para produzir bananas em seus bairros ou regionalmente, porque é proibido em lei. Elas dependem das empresas autorizadas e as restrições mencionadas foram implantadas para que as empresas bananicultoras não tenham concorrentes, e assim, possam fortalecer seus negócios. Além disso, a população desconhece que comer outras frutas e alimentos também pode melhorar a saúde. Desse modo, a saúde da população é afetada negativamente por sua dependência obrigatória que possuem com os referidos produtores de bananas.
O importante é entender a analogia entre o PIB e a mensuração da saúde no País-X. Nesta analogia, a saúde da população do país-X representa o PIB, o qual infelizmente e equivocadamente é usada para representar a medida da riqueza ou mesmo de renda. As bananas representam o “Real”, as empresas bananicultoras governamentais e privadas representam as instituições financeiras autorizadas a endividar pessoas, empresas e governos. Outras frutas e legumes representam outros tipos de dinheiro que não são controlados pelas referidas instituições financeiras, portanto, não são incentivados para serem utilizadas pela população, empreendedores e governos. Para esclarecer o que são os outros tipos de dinheiro sugiro a leitura dos materiais da Sustainability.School.
Historicamente, a existência de outros tipos de dinheiro tem se mostrado benéfica para as pessoas, empreendedores e governos. Contudo, outros tipos de dinheiro não são benéficos para os negócios das empresas financeiras autorizadas a endividar a população, consequentemente, as transações realizadas com outros tipos de dinheiro são excluídas do PIB e não são consideradas no cálculo do crescimento econômico.
Relação do PIB com o sistema bancário
Conforme já mencionado, para produzir e consumir geralmente é preciso ter Reais. De forma simplificada, havendo mais Reais à disposição das empresas e da população, haverá, respectivamente, mais produção e consumo, consequentemente, o PIB cresce. Em outras palavras, o PIB cresce na medida que as pessoas (consumidoras) e empresas (produtoras) possuem à sua disposição Reais para atender as suas necessidades e, principalmente, tenham condições de continuar pagando em dia os juros dos empréstimos contraídos para consumir e\ou produzir. A continuidade do pagamento em dia dos juros oriundos das dívidas contraídas pelas pessoas, empresas e governos é uma condição raramente mencionada, apesar de sua importância.
Sabe-se que se uma pessoa ou empresa precisa de Reais adicionais, a principal fonte é o empréstimo, que pode ser realizado junto de alguma pessoa de seu círculo social ou no mercado de ações, ou se atender os requisitos pode solicitar a algum banco de sua preferência. Essa última situação ocorre frequentemente e nos períodos em que há maior crescimento econômico há também maior endividamento das pessoas, das empresas e dos governos. Se uma pessoa se endivida, significa que alguém cedeu crédito. Assim, outra maneira de expressar a ideia “maior endividamento das pessoas, empresas e governos” é “maior expansão de crédito para as pessoas, empresas e governo”.
A Figura 1 mostra a evolução do porcentual da relação saldo de crédito2 dividido pelo PIB do Brasil entre 2003 e 2016. Essa relação mostra que para haver crescimento econômico é preciso que os setores da economia de um país estejam em condições de se endividar, isto é, os bancos precisam expandir o crédito. Observa-se que durante o período em que o Sr. Henrique Meirelles foi presidente do banco central do Brasil, a relação porcentual do saldo de crédito em relação ao PIB aumentou de, aproximadamente, 24% em 2003 para 42% em 2010.
Figura 1 – Evolução da proporção (%) do saldo de crédito em relação ao PIB: 2003-2016
Fonte: Banco Central do Brasil, indicadores de crédito (BACEN).
Essa relação crédito e PIB é explicada pela Teoria Quantitativa do Crédito (TQC) a qual foi criada pelo economista Richard Werner em 1992. De forma simples, a TQC demonstra que o crescimento econômico medido pelo PIB depende do endividamento dos setores de uma economia, em outras palavras, o crescimento econômico depende da expansão de crédito.
Em consequência do aumento do nível de endividamento, os setores econômicos possuem menores condições de se endividar, consumir e produzir. Entretanto, durante o período em que o nível de endividamento permitia o consumo e o pagamento em dia dos juros das dívidas contraídas ocorria o crescimento econômico. Porém, esse benefício possui duração limitada e gera efeito colateral negativo, que é o elevado nível de dívida das empresas, governos e famílias, os quais podem não conseguir pagar em dia pelo menos os juros das dívidas contraídas, enquanto o principal da dívida é “rolado”. Resultado, crise econômica.
Quando os referidos setores estão com níveis elevados de dívida, o consumo é reduzido, consequentemente também a produção, o que contribui para o desemprego, agravando ainda mais a crise. Desse modo, as instituições financeiras autorizadas a endividar tais setores já não podem contar com os setores familiares e empresariais para lucrar como antes, pois, os seus clientes não estão em condições de contrair novas dívidas e, além disso, já não conseguem pagar os juros devidos. No caso brasileiro, as instituições financeiras para manter a lucratividade têm à disposição os elevados rendimentos dos títulos públicos, que neste momento de crise fiscal, representam uma boa alternativa para alocação dos recursos bancários ociosos.
Neste cenário, surgem os políticos e assessores com suas medidas de austeridade como as PEC 241 (PEC 55), que visam contribuir para retirar o país da crise econômica e promover a retomado do crescimento econômico. Coincidência que o autor da PEC 241 (PEC 55) seja o Sr. Henrique Meirelles, justo ele que propiciou as condições necessárias para que os banqueiros endividassem os setores econômicos do Brasil durante o período que foi presidente do banco central. Agora pretende garantir o pagamento dos elevados juros praticados no país aos setores rentistas.
O problema é que esse tipo de solução é similar ao caso de um automóvel que apresenta problemas para funcionar e os mecânicos buscam resolvê-lo mudando peças externas quando o problema está no combustível adulterado. Nesta analogia, o carro com problema é a economia de um país, e os mecânicos são os políticos e assessores que adotam medidas de austeridade fiscal (equivalente às peças externas do automóvel) e o combustível adulterado se refere ao dinheiro oficial de um país, neste caso, o Real.
Dito de outra forma, os políticos e seus assessores buscam não tocar na ferida do problema que reside na forma como o Real é criado pelo banco central e, principalmente, pela maneira como os demais bancos expandem o crédito. Esse problema não está relacionado somente ao Real, mas, sim ao Dólar, Euro, Iene, Iuan, enfim, todas as moedas oficiais das nações que participam do atual sistema monetário internacional.
Atualmente existe o movimento internacional denominado ‘Positive Money’ que possui sede na Inglaterra e que está mobilizando economistas, sociedade civil organizada, políticos que não estão a serviço dos banqueiros e demais profissionais para mudar leis de modo que alterem a forma como o banco central de um país cria a moeda e também mudar a maneira como os bancos expandem crédito. O problema com a abordagem do ‘Positive Money’ é desconsiderar a existência de outros tipos de dinheiro. Para mais detalhes consultar “New Money for Sustainability”.
Neste contexto, será realmente que Empresas, Pessoas e Governo se Beneficiam do Crescimento Econômico? Se sua resposta for não, resta saber que outra medida poderia substituir o PIB de modo que não esconda os impactos negativos ambientais e sociais do crescimento e que não esteja a serviço do sistema financeiro de um país.
Para conhecer mais sobre outros tipos de dinheiro e como eles podem contribuir para solucionar problemas socioecológicos na escala local, regional, nacional e global, você pode ler o livro: Nuevos Tipos de Dinero para la Sostenibilidad (versão em inglês, New Money for Sustainability).
Ranulfo Paiva Sobrinho, Doutor em Desenvolvimento Econômica pelo Instituto de Economia da Unicamp, co-fundador de Sustainability.School, ranulfo@sustainability.school
Junior Ruiz Garcia, Doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pelo IE/Unicamp e professor do Departamento de Economia da UFPR, jrgarcia@ufpr.br
1 Pense na possibilidade de realizar transações econômicas usando Bitcoin, outras criptomoedas como Ethereum, ou SolarCoin. Se você é empreendedor, imagine obter crédito sem se endividar com os bancos tradicionais usando sistemas como o do banco WIR (Suíça).
2 Saldo do crédito corresponde ao somatório do saldo devedor dos contratos de crédito em final de mês. Inclui as novas concessões liberadas no mês de referência e a apropriação de juros pró-rata dos empréstimos e financiamentos. Fonte: Banco Central do Brasil.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/03/2017
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