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Artigo

As mulheres da ciência: uma herança marcante, artigo de Thiago Lustosa Jucá

 

Rachel Carson (in http://ghs320-dc-2012f.blogspot.com.br/2012/10/rachel-l-carson.html)

 

[EcoDebate] No dia 8 de Março é celebrado o Dia Internacional da Mulher, data que continua sendo fortemente lembrada pelas lutas e conquistas de diversas mulheres que ousaram desafiar as desigualdades e injustiças, ainda tão marcantes na nossa sociedade. Nesse contexto, vale a pena lembrar o legado deixado por mulheres corajosas que contribuíram e contribuem para pavimentar a estrada da qual a ciência é construída.

Em 2017, completam-se 150 anos de nascimento da polonesa Marie Curie. Uma das mulheres mais emblemáticas da história da ciência, Marie foi a primeira professora universitária da França e, dentre as mulheres, foi pioneira em receber o Nobel e posteriormente ser contemplada com o mesmo prêmio. Ela desbravou a ciência em uma época em que as cientistas nem eram “mulheres comuns”, tampouco eram consideradas pesquisadoras de primeira linha, pois o acesso à educação superior era restritivo.

A “estrangeira” Marie Curie deu continuidade aos trabalhos de Becquerel sobre radioatividade e, mesmo sem recursos financeiros, não só descobriu os elementos radioativos (polônio, rádio e tório), como também lançou a ideia revolucionária de que a radioatividade é uma propriedade atômica dos elementos. Mesmo após o trágico acidente que vitimou seu marido e parceiro científico, Marie continuou a pesquisar e cuidar dos filhos e, mais uma vez, inovou ao demonstrar o valor prático da radioatividade em aparelhos portáteis de raios-X. O seu trabalho inspirou inúmeras mulheres, inclusive a própria filha, Irène Curie, também ganhadora de prêmio Nobel.

Recordo-me também dos trabalhos de Rosalind Franklin, a “mãe do DNA”, considerada por muitos, uma das mulheres mais injustiçadas da história da ciência. Desde cedo, Rosalind revelou seu interesse pela ciência, contrariando a vontade do pai que queria que a filha estudasse serviço social, considerado um campo legítimo de trabalho para mulheres. Cartas reveladas recentemente mostram que o sentimento da década de 50 nas renomadas universidades inglesas (King´s College e Cambridge), em relação à presença de mulheres, era de desprezo até por colegas do grupo de pesquisa (Wilkins que o diga!). Isto não impediu Rosalind de persistir e obter as melhores imagens dos raios-X de DNA de até então, o que incluiria “a fotografia 51”. Tal imagem foi usada por Watson e Crick para resolver a estrutura do DNA, o que lhes rendeu juntamente com Wilkins, o Nobel de Medicina em 1962. O artigo publicado em 1953 na Nature não trazia sequer uma menção a Rosalind, que ficou conhecida como “a dama sombria” da descoberta da dupla hélice. Ainda há tempo para a academia sueca reconhecer Rosalind, mesmo que postumamente, como ganhadora de um prêmio Nobel e acabar de uma vez por todas com as controvérsias envolvendo esse assunto!

E como não se lembrar da bióloga marinha e escritora, Rachel Carson? A americana ficou famosa ao publicar livros como “O mar que nos cerca” e “A primavera silenciosa”. Este último evocava um futuro potencialmente ameaçador, no qual todas as aves seriam dizimadas pela toxicidade dos produtos químicos. Na época, Carson foi duramente criticada, especialmente por parte da indústria química. Não aceitavam que uma mulher solteira, sem doutorado e sem filiações institucionais, conhecida apenas por seus livros sobre o mar e por ser amante dos “bichinhos”, fosse capaz de influir na opinião pública, ao alertar a sociedade para os perigos da intoxicação por produtos químicos. Apesar da morte precoce, vítima de um câncer de mama, deixou seu legado e o congresso americano teve que, mesmo forçosamente, rever e alterar a legislação da época.

Nessa incursão científica não tem como não mencionar a também bióloga Lynn Margulis (1938-2011). A americana propôs a teoria da endossimbiose, a qual hipotetisava que organelas celulares (cloroplastos e mitocôndrias) que hoje fazem parte de células complexas (eucarióticas), um dia foram organismos de vida independentes. A confirmação de que a simbiose é um fenômeno essencial à natureza, serviu até para apoiar a hipótese Gaia, de James Lovelock, de que a Terra também poderia ser vista com um único e grande organismo capaz de interações cooperativas e autorregulação. Apesar disso, a sexta grande extinção, atualmente em curso, mostra a pouca importância que temos dado as tais “interações cooperativas” que regem todos os ecossistemas do Planeta e a maneira irracional como temos lidado com os recursos naturais.

A história da ciência mostra que nem mesmo os inúmeros empecilhos encontrados pelo caminho foram capazes de impedir que essas mulheres trilhassem um caminho vitorioso e realizassem proezas tão fascinantes que mudariam profundamente a nossa percepção e a maneira de lidar com a natureza. Certamente, a herança marcante dessas mulheres servirá de inspiração para as novas gerações e para os novos desafios que surgem, em especial, aos que dizem respeito à relação cooperativa da espécie humana com a “mãe natureza”.

Nota Biográfica
Thiago Lustosa Jucá, Biólogo, Doutor em Bioquímica de Plantas pela UFC. Atualmente trabalha como Técnico Químico de Petróleo na Refinaria de Lubrificantes e Derivados do Nordeste, PETROBRÁS, onde é Vice Presidente da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Coordenador do Grupo de Trabalho do Benzeno.

Referências Bibliográficas

Patrícia Fara. Uma Breve História da Ciência. Ed. Fundamento, Pag. 436, 2014.

Rachel Carson. Primavera Silenciosa. Ed. Guaia, Pag. 327, 2010.

Ricardo Mioto. Folha.com-Ciência. Carta revela desprezo por Rosalind Franklin, “mãe do DNA” (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/807079-carta-revela-desprezo-por-rosalind-franklin-mae-do-dna.shtml).

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/03/2017

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