Patriarcado: a Submissão da Mulher e a Devastação Ambiental, artigo de Paulo Mancini
GÊNERO E MEIO AMBIENTE
Patriarcado: a Submissão da Mulher e a Devastação Ambiental
Sincronia ocorre quando dois ou mais eventos ou fenômenos ocorrem ao mesmo tempo (cronos) ou simultaneamente.
Evidências antropológicas e arqueológicas apontam que as primitivas sociedades humanas coletoras-caçadoras eram regidas por regras relativamente igualitárias entre homens e mulheres.
A partir da Antiguidade – período definido cronologicamente com o surgimento da escrita, por volta de 4.000 anos A.C. – começam a surgir sociedades patriarcais, onde o homem exerce maior poder social e tem mais direitos que as mulheres, como pode ser observado já no Código de Hamurabi dos babilônios na antiga Mesopotâmia (região compreendida entre os rios Tigre e Eufrates, onde hoje estão localizados Iraque, parte da Turquia, Síria e irã), primeiro sistema jurídico que compila diversas legislações anteriores (p.ex. Código de Ur) e regula toda vida social de uma comunidade.
Especialmente entre 2.000 e 5.000 anos A.C existiram muitas sociedades onde as Deusas, mais que os Deuses, eram veneradas – aliás palavra que remete a adoração de Deusa romana Vênus, Deusa do Amor, na Grécia chamada de Afrodite – e às mulheres estava destinado o poder de partilha dos recursos. São conhecidas como sociedades matriarcais a Civilização Minoica da Ilha de Creta na Grécia e muitas outras em toda Europa, norte da África e parte da Ásia.
A cultura celta, predominante na região da Bretanha, mesmo com o posterior domínio romano, conservou muitos traços culturais do matriarcado, que notamos até a modernidade com a presença de grandes rainhas-mãe, como Rainha Vitória e, agora, a Rainha Elisabeth II. Não por acaso, também na Inglaterra, em meados do século XVII, temos os primórdios – depois das Revoluções Puritana e Gloriosa – da democracia liberal representativa.
Nas sociedades matriarcais predominam relações de respeito e adoração à natureza, com quem, naturalmente, as mulheres sempre foram associadas, já que é através delas que ocorre a criação, a encarnação. Não à toa, é frequente chamarmos a natureza de Mãe ou Mamãe Natureza, e nosso planeta de Mãe Terra. Na concepção matriarcal o homem seria apenas o “semeador anônimo”1, a escolha, a seleção da semente a germinar e a se desenvolver era domínio ou dom da Mãe.
Em seu livro “A Prostituta Sagrada” (Editora Paulus), a antropóloga Nancy Qulls-Corbett demonstra através de textos históricos e objetos arqueológicos que a nos antigos templos de Vênus ou Afrodite, Deusa do Amor, as sacerdotisas a serviço da Deusa, também chamada de Virgens do Templo, “eram virgens no sentido original do termo, pessoa íntegra que servia de mediadora para que a deusa chegasse até a humanidade”2. Muitas destas virgens tinham filhos – obviamente frutos do ‘Amor’ que, através delas, Vênus ou Afrodite ofertava aos homens que buscavam o templo e a ele davam seus óbulos – donativo, contribuição doada por fiéis nos templos religiosos, como gratidão.
Vênus de Milo
Estátua com 202 cm encontrada próxima ao Porto de Milos nas Ilhas Cíclades na Grécia, em 1830. Trata-se mesmo de Afrodite, Deusa do Amor correspondente à Vênus romana. 3
O significado original da ‘virgindade’ consistia no fato da virgem ser um ‘indivíduo’, ou seja, ser ‘inteira’, integra, não ser apenas ‘parte’, a ‘outra metade’.
De forma resumida, sintética e, inevitavelmente, caricata podemos dizer que no matriarcado a humanidade se considera parte da natureza, estabelecendo com ela uma unidade; como ela, a natureza, também é criadora, mas dela totalmente dependente e devedora; a quem – ainda que com ela se relacione com muita liberdade e intimidade – deve todo respeito e adoração. Predominam, no matriarcado, relações mais horizontais, menos hierárquicas, dos homens e mulheres entre si e destes com o restante dos seres vivos.
Com o patriarcado, estabeleceu-se uma divisão entre espírito e matéria. O espírito, masculino, positivo, centrífugo; e matéria, feminino, negativo, centrípeto. Uma relação hierárquica, onde o Espírito é superior e subjuga à matéria. Notem que a palavra matéria, deriva, etimologicamente, de latim ‘mater’, isto é, ‘mãe’. Nele, no patriarcado, a natureza, a matéria, enfim, a mulher, foram criadas para seu usufruto, para seu domínio, conforme relatos de várias tradições religiosas. Tudo que está relacionado ao feminino, à matéria, à natureza é corruptível, mortal, sedicioso.
O patriarcado estabeleceu uma hierarquia onde tudo que é superior está ligado ao polo masculino, solar, positivo, celeste, espiritual, objetivo. Ao polo feminino restou o plano inferior, o noturno, lunar, telúrico, negativo, material, subjetivo.
FEMINISMO E AMBIENALISMO: SINCRONIA E IDENTIDADE
Foi a partir da segunda metade do século XIX, que o movimento de lutas pelos direitos das mulheres começa a reverberar a tríade de conceitos evocados pela Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade (ou solidariedade). Mais precisamente foi em 1857, quando trabalhadoras de uma indústria têxtil de Nova Iorque, em greve para redução da jornada de 18 horas de trabalho e outros direitos trabalhistas e forma duramente reprimidas pela Polícia que acabou incendiando a fábrica com as trabalhadoras no seu interior, levando a morte de muitas delas. De lá para cá, foram muitas as conquistas de direitos sociais das mulheres no mundo todo e também no Brasil. Mas ainda hoje, de forma geral, somos uma sociedade impregnada pelo patriarcalismo ou machismo, onde as mulheres em média trabalham mais que os homens e recebem salários menores. A violência contra as mulheres é estatisticamente alarmante, e a participação feminina na gestão dos poderes públicos – Executivo, Legislativo e Judiciário – ainda está longe de ser proporcional à composição demográfica brasileira, onde as mulheres correspondem a 51,3%. O número de homicídios de mulheres no Brasil vem aumentando: em média são assassinadas 13 mulheres por dia, sendo a maioria mortas por familiares; a maioria negra e, proporcionalmente, a maioria nos pequenos municípios onde predominam os tradicionais valores patriarcais.
A expressão ‘ecologia’ – de certa forma inaugurando o movimento ecológico – foi criada por volta de 1870 pelo pensador, médico e pesquisador alemão de anatomia comparada Ernest Haeckel, como sendo, a ciência que estuda as inter-relações entre os seres vivos e seu ambiente e entre si mesmos.
Curiosamente, mas não coincidentemente, Haeckel, além de um grande defensor e divulgador da Teoria da Evolução, estabelecida por Charles Darwin em “A Origem das Espécies” em 1855, filosoficamente considerava-se ‘monista’, isto é, adepto da crença na unidade entre todas as coisas existentes no universo, em oposição às posturas ‘dualistas’ que consideram a existência de duas realidades como, p.ex., espírito-matéria, completamente separadas. Chegou mesmo a fazer palestras sobre o tema e a escrever um opúsculo sobre o monismo.
Houve tempo que as mulheres eram – como e, muitas vezes ‘com’, a terra – vendidas como propriedades de seus pais e maridos. A conquista e a exploração da natureza ainda plenamente presente na consciência humana contemporânea – mesmo com o abismo de seu esgotamento já esteja anunciado não por místicos e artistas como na segunda metade do século XX, mas por cientistas de toda parte do mundo.
É crescente a consciência de que “A terra não nos pertence; nós pertencemos à terra”, como anunciou o Chefe indígena Seatle a um presidente americano que manifestou interesse– também no início da segunda metade do século XIX – em comprar as terras do povo Seatle. Mas nosso imenso e descomunal lixo despejado diariamente sobre nossa Mãe Terra, mostra que ainda predomina o paradigma da natureza como bem a ser conquistado (como as ‘namoradas’, não?), explorado, usufruído ilimitadamente. A ecologia, como ciência, representa uma mudança paradigmática na evolução do pensamento cientifico moderno fundado no racionalismo analítico que para compreender um todo analisa minuciosa e metodicamente suas diferentes partes. A partir da Renascença a ‘filosofia natural’ foi fatiada em diversas disciplinas. Os estudos ecológicos enfatizam e pesquisam exatamente a RELAÇÃO entre as diversas partes de um todo, com a consciência de que o todo (holo) é maior – às vezes surpreendentemente diferente – que a simples soma das partes.
A valorização da mulher e do feminino e, principalmente seu empoderamento – isto é a tomada de consciência por elas mesmas de seus direitos e potências, sem que isso signifique que assumam (vide Margareth Thatcher, ás vezes de forma compensatórias ainda mais duras, valores patriarcais destrutivos – é o caminho para a reconciliação da humanidade consigo mesma e desta com seu meio natural, sua mãe, o húmus (terra fértil), que está na raiz de seu nome. Que está também na raiz da palavra ‘humildade’, qualidade necessária para a promoção dessa reconciliação.
Paulo J. P. Mancini, São Carlos, 08 de março de 2017
Referências:
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http://www.paulus.com.br/loja/a-prostituta-sagrada-a-face-eterna-do-feminino_p_1142.htmlem;
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226/hoje+na+historia+1830++venus+de+milo+e+encontrada+na+grecia.shtml
 
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/03/2017
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