Biologia sintética, bioengenharia, bioeconomia… artigo de Antonio Silvio Hendges
[EcoDebate] Converter a biologia em objeto passível de intervenções da engenharia é atualmente uma prioridade nas agendas de investigação científica. A bioengenharia tem a intenção de fabricar e/ou obter novas possibilidades biológicas, para além das combinações e interações gênicas naturais e abrir espaços para a expansão da bioeconomia. Portanto, quem interpreta a bioeconomia referida em algumas ocasiões na imprensa, empresas multinacionais ou governos baseia-se na organização ecológica natural ou em sua retomada está totalmente enganado: o modelo será baseado em outras relações ecológicas, sociais, econômicas e políticas, inclusive com o monopólio de muitos serviços e produtos indispensáveis pelas empresas de bioengenharia e outras relacionadas protegidas através de patentes, acordos e lobbies. A combinação da bioengenharia, com a robótica e as nanotecnologias amplia ainda mais este admirável mundo novo.
A biologia sintética propõe a recombinação dos genes individuais para a construção de novas características, incorporando aspectos do design, em redes de regulação gênicas inteligíveis, previsíveis e manipuláveis dos organismos, redesenhando suas funções, ampliando ou estabelecendo seletivamente as interações com o meio ambiente. Amplia as possibilidades da engenharia genética, pois esta recombina os códigos genéticos já existentes, enquanto a biologia sintética propõe a criação de novos códigos, inclusive interativos e controláveis por sistemas computacionais.
Entre as perspectivas e aplicações da biologia sintética, destacam-se alguns objetivos que já possuem estudos avançados e inclusive algumas experiências que já estão acontecendo em diversas áreas. Importante destacar que a biologia sintética faz parte das pesquisas científicas e que suas aplicações e controle dependem de decisões éticas, científicas, econômicas e socioambientais que precisam considerar as oportunidades, mas também os riscos e princípios de precaução associados ao seu desenvolvimento e reprodução.
Biotecnologias – Projeção e construção de sistemas biológicos que processam informações, manipulam produtos químicos, fabricam materiais, produzam alimentos e/ou energia, aplicam-se na saúde ou nos aspectos ambientais escolhidos, padronização de partes biológicas, recombinação de componentes biomoleculares, novas funções tecnológicas em células vivas.
Reescrita – Os reescritores são biólogos sintéticos que acreditam que devido à complexidade dos sistemas biológicos naturais, é mais simples montar um sistema biológico de interesse específico, com produtos de manipulação e compreensão mais fáceis.
Vida artificial – Criação de moléculas ou mesmo de espécies inéditas capazes de realizarem novas funções, na indústria e na medicina, por exemplo. Os genomas sintéticos introduzidos em células geneticamente esvaziadas permitem a reprodução da célula artificial. Esta experiência foi realizada pelo J. Craig Venter Institute e descrita na revista Science de maio de 2010.
Transformação celular – São construídos componentes sintéticos de DNA ou mesmo genomas completos e uma vez obtido o código genético projetado, este é inserido em células vivas que se espera, manifestem as funcionalidades pretendidas ou os fenótipos programados ao crescerem e se reproduzirem. A transformação celular permite criar circuitos biológicos manipuláveis para produzirem as saídas desejadas.
Informações – É possível armazenar enormes quantidades de informações codificadas em uma cadeia de DNA sintético. Em 2012 o cientista George M. Church codificou um dos seus livros com 5,3 Mb de dados em DNA sintético.
Evolução direcionada – Introdução de combinações de genes previamente programados, controlando a evolução de organismos de acordo com interesses pré-estabelecidos, como por exemplo, a produção de fermentos utilizados em algumas indústrias e medicamentos e/ou tratamentos com base em modificações evolutivas em organismos vivos. É mais ampla que a engenharia metabólica tradicional por utilizar combinações genéticas não existentes. Também há pesquisas que permitam acelerar, retardar ou parar a evolução de células ou organismos.
Projeção de proteínas – Existem métodos para a engenharia de proteínas naturais por evolução dirigida, por exemplo, mas no caso da biologia sintética trata-se de projetar novas estruturas, inclusive aminoácidos inexistentes na natureza para melhoria ou novas funcionalidades das proteínas conhecidas ou projetadas para interesses específicos.
Biossensores – Biossensores são organismos, geralmente bactérias sensíveis aos fenômenos e alterações ambientais, por exemplo, a presença de metais pesados, óleos e toxinas químicas no ambiente. Experiências já realizadas no Oak Ridge National Laboratory codificam enzimas responsáveis pela bioluminescência e a associam a um promotor respondente para expressar estes genes, por exemplo, chips de computadores com revestimento bacteriano bioluminescentes e fotossensíveis utilizados para detectar poluentes petrolíferos. Quando o revestimento bacteriano detecta os poluentes, emitem luminescência.
Exploração espacial – A biologia sintética desperta grande expectativa nas pesquisas de exploração, ocupação e migração espacial, sendo possível a produção de recursos aos astronautas a partir de um conjunto restrito de compostos enviados da terra e a implantação de processos de produção com base em recursos locais, viabilizando o desenvolvimento de postos habitados com dependência mínima ou nenhuma da terra de origem.
Enzimas industriais – As enzimas, geralmente proteínas, catalisam reações biológicas que necessitam de muita energia e tempo para acontecerem espontaneamente. A biologia sintética pretende sintetizar enzimas de alto desempenho e aumentar os níveis de produção metabólicas celulares importantes industrialmente na produção desde lácteos sem lactose a detergentes orgânicos, por exemplo. As intervenções na engenharia metabólica pela biologia sintética têm amplas aplicações na indústria farmacêutica e bioquímica.
Materiais biológicos artificiais – A integração da biologia sintética com as ciências dos materiais possibilitará a produção de materiais com propriedades codificáveis geneticamente. A utilização na indústria robótica permite construir, configurar e programar em série estes dispositivos para executarem tarefas atualmente impossíveis com as tecnologias utilizadas. Muitas outras aplicações são possíveis como adesão a substratos específicos, imobilização de proteínas e a elaboração de modelos de nano partículas biológicas.
Como se pode perceber pelas amplas aplicações possíveis para a biologia sintética, não é possível ignorar as pesquisas que são desenvolvidas, mas também não se permite perder o foco em relação às questões éticas, sociais, ambientais e de biossegurança que estão adjacentes às suas possibilidades.
Como serão reguladas as empresas de síntese de DNA, enzimas, proteínas e outros produtos associados com a biologia sintética? Como serão controladas as pesquisas e quais regras de biosseguranças serão aplicadas? Quem e como terá acesso aos produtos desenvolvidos? As empresas poderão patentear organismos e utilizar estas patentes como uma reserva de mercado?
As pesquisas serão segredos comerciais? Ou serão públicas e controladas por conselhos científicos ou outros mecanismos? E as interações da biologia sintética com as nanotecnologias, robótica e ciências dos materiais? Quais os limites éticos da aplicação da biologia sintética? Poderão ser desenvolvidas armas, por exemplo? E a bioengenharia de embriões humanos, será permitida? O que acontecerá com os resíduos biológicos sintéticos das pesquisas bem ou mal sucedidas? Quem serão os beneficiários dos ativos da nova bioeconomia com base na biologia sintética? E os responsáveis pelos passivos ambientais, sociais e econômicos?
Referências:
HOFFMANN, Daniel Sander. Universos Complementares, Astrobiologia, Ficção Científica e o crescimento exponencial da Tecnologia. Porto Alegre: Letra & Vida, 2011.
MAISO, Jordi. Desafios éticos, filosóficos e políticos da biologia sintética. Caderno IHU Ideias nº 201, São Leopoldo: Instituto Humanitas Unisinos, 2014.
Wikipédia – Biologia sintética. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Biologia_sint%C3%A9tica. Acesso em 01 fev. 2017.
Antonio Silvio Hendges, Articulista no EcoDebate, professor de Biologia e Educação Ambiental, assessoria e consultoria em Educação ambiental – http://cenatecbrasil.blogspot.com.br/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/02/2017
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