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Cultivo de hortaliças em várzeas amazônicas: uma técnica tradicional para evitar a água e a umidade, por Cristiaini Kano e Daniel Felipe de Oliveira Gentil

Cultivo de hortaliças em várzeas amazônicas: uma técnica tradicional para evitar a água e a umidade excessiva

Cristiaini Kano1, Daniel Felipe de Oliveira Gentil2

1 Engenheira Agrônoma, pesquisadora da Embrapa Monitoramento por Satélite. Campinas/SP. E-mail: cristiaini.kano@embrapa.br

2 Engenheiro Agrônomo, Professor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus/AM. E-mail: dfgentil@ufam.edu.br

A Amazônia compreende a maior extensão de floresta tropical úmida do planeta, com área de 6.099.788 km², distribuída nos territórios do Brasil (58,8%), Peru (13%), Colômbia (7,6%), Venezuela (6,5%), Bolívia (5,5%), Guiana (3,1%), Suriname (2,5%), Equador (1,6%) e Guiana Francesa (1,4%) (RAISG, 2015). A região do Brasil inserida na Amazônia continental tem superfície original estimada em 3.587.052 km², abrangendo os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, sendo definida como zona de ocorrência da Hiléia (Pandolfo, 1994). Mas, em 1953, a abrangência legal da Amazônia brasileira foi estabelecida pela Lei nº 1.806, quando foram incorporados também os territórios dos estados de Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão (oeste do meridiano 44º) (Brasil, 2016). O bioma amazônico é constituído por distintos ecossistemas, porém dois são mais correntes tanto no meio acadêmico quanto para o público em geral: terra firme e várzea.

Nas áreas de terra firme, os solos comumente são de baixa fertilidade e elevada acidez, predominando os tipos Latossolos e Argissolos (Coltri, 1988; Alfaia & Oliveira, 1997), exigindo intervenções apropriadas de manejo agrícola. O cultivo de hortaliças pode ser realizado praticamente durante o ano todo, embora seja influenciado pelo regime pluvial (verão e inverno amazônicos). Durante o verão amazônico (período de estiagem), entre os meses de maio e outubro, os cultivos precisam ser irrigados com maior frequência. No inverno amazônico (período chuvoso), entre os meses de novembro e abril, é elevada a incidência de problemas fitossanitários, especialmente de doenças. Nessas áreas, os agricultores cultivam as hortaliças a céu aberto e/ou sob cultivo protegido (diretamente no solo, em hidroponia e, em menor expressão, em recipientes contendo substratos).

Nas várzeas predominam solos considerados normalmente férteis, pois são inundados periodicamente pela elevação da cota dos rios de água barrenta, ocorrendo deposição de sedimentos que promovem renovação cíclica de nutrientes e do próprio solo (Sioli & Soares, 2006). Essas áreas possuem um regime hidrográfico característico, com alternâncias entre uma fase aquática e uma fase terrestre ao longo do ano (Junk, 1993). A utilização agrícola do solo destas áreas é determinada basicamente pelo nível das águas (regime fluvial), em que, no período de cheia dos rios, a amplitude de inundação varia entre 10 a 15 m acima da cota do nível, com tempo de inundação anual de 50 até 270 dias, conforme a altura de relevo considerada na planície de inundação (Junk, 1989; Ferreira, 1997).

Nas áreas de várzea, nos períodos da vazante (agosto, setembro e outubro) e da seca (novembro, dezembro e janeiro) dos rios, as hortaliças são cultivadas a céu aberto sobre canteiros feitos diretamente no solo (Figura 1), sendo algumas espécies cultivadas várias vezes nessas épocas. Durante os períodos da enchente (fevereiro, março e abril) e cheia (maio, junho e julho), alguns produtores continuam cultivando hortaliças em canteiros suspensos (Figuras 2 e 3), nas várzeas altas e nas áreas não alagadas.

O cultivo em canteiros suspensos foram considerados por Noda et al. (2007) como estratégia de diversificação e ampliação da capacidade produtiva do sistema de produção de agricultores familiares de várzeas na Amazônia. Pereira (2007) reforça essa conclusão ao afirmar que, nessas estruturas, as plantas ficam livres do excesso de umidade no período das chuvas e o cultivo não precisa ser interrompido durante o período das cheias.

Os canteiros suspensos são estruturas de madeira, tipo caixa, caixote ou tabuleiro, com cerca de 1,0-1,2 m de largura, 20 cm de altura (profundidade) e comprimento variável, mantidas acima do chão, conforme o nível das águas no pico da cheia. Devem possuir furos ou frestas na parte inferior para permitir a drenagem da água das chuvas e de irrigação, sendo preenchidos com solo da várzea e esterco animal ou madeira em decomposição, conhecida regionalmente como paú (Couto, 2005), permitindo o cultivo de hortaliças durante o ano todo, principalmente na época das enchentes, podendo ser somente para o consumo familiar (Lourenço et al., 2013) ou para abastecimento do comércio local (Noda et al., 2007). São construídos próximos às casas para facilitar o manejo. As hortaliças cultivadas são: alface (Lactuca sativa), cebolinha (Allium fistulosum), chicória (Erygium foetidum), coentro (Coriandrum sativum), couve (Brassica oleracea var. acephala), maxixe (Cucumis anguria), pimentão (Capsicum annuum), pimentas diversas (Capsicum spp.), tomate (Solanum lycopersicon), entre outras (Noda et al., 2007).

A técnica tem sido repassada a cada geração, mantendo este tipo de sistema de cultivo, muito difundido na região. No passado, a estrutura era denominada jirau, que significa uma armação de madeira para evitar água e o excesso de umidade (MEC, 1976). Essa terminologia foi ainda adotada por técnicos (EMATER-AM, 1992), mas vem sendo substituída por canteiro suspenso, principalmente no meio técnico-acadêmico.

Os canteiros suspensos são também empregados por agricultores da terra firme (Figura 4) e recomendados por órgão da assistência técnica, quando o terreno onde será implantada a horta for encharcado, com solo muito arenoso ou não for cercado (EMATER-AM, 1992). Recentemente, foram verificados aprimoramentos na técnica, com o emprego de sistema de irrigação e de cobertura com agrofilme para controlar o excesso de umidade no período chuvoso (Noda et al., 2007).

Em evento realizado no ano de 2013, em Manaus, técnicos de Olericultura apontaram que a melhoria desse sistema exige adaptações tanto em termos de sua estrutura quanto de substratos para o leito de cultivo. Portanto, são demandados estudos, que deverão culminar em projetos para definição de materiais diferenciados (resistentes e viáveis economicamente), que possam substituir o uso de madeira na construção das estruturas, em face das restrições ambientais. Por outro lado, os materiais substitutos não deverão gerar resíduos poluidores ao ambiente. Os substratos deverão ser obtidos de matérias primas regionais, devendo ser adequados à produção de hortaliças e não trazer prejuízos em termos de poluição ambiental (Kano et al., 2013).

Os canteiros suspensos das áreas de várzeas amazônicas constituem uma técnica desenvolvida pelos próprios agricultores, que mostra sua adaptação e interação a um ambiente periodicamente inundável, no qual produz hortaliças. Esses conhecimentos têm que ser valorizados e, se necessário, aperfeiçoados, visando o aumento da produção de hortaliças, aumento da renda dos agricultores familiares e diminuição dos custos de produção. Afinal, os diversos ecossistemas amazônicos têm suas características peculiares determinantes no estabelecimento dos agroecossistemas locais e permanência dessas famílias nesses ambientes.

Figura 1. Cultivo de cebolinha em canteiros na área de várzea, no período da vazante, em Iranduba/AM
Figura 1. Cultivo de cebolinha em canteiros na área de várzea, no período da vazante, em Iranduba/AM. Foto: Kano, C. (2011).

 

Figura 2. Vista geral do cultivo de coentro e cebolinha em canteiros suspensos, no período da vazante, em Parintins/AM
Figura 2. Vista geral do cultivo de coentro e cebolinha em canteiros suspensos, no período da vazante, em Parintins/AM. Foto: Kano, C. (2011).

 

Figura 3. Detalhe do canteiro suspenso em área de várzea, na época da vazante, em Parintins/AM.
Figura 3. Detalhe do canteiro suspenso em área de várzea, na época da vazante, em Parintins/AM. Foto: Kano, C. (2011).

 

Figura 4. Canteiro suspenso preparado em área de terra firme, em Manaus/AM.
Figura 4. Canteiro suspenso preparado em área de terra firme, em Manaus/AM. Foto: Kano, C. (2011).

 

Referências Bibliográficas

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BRASIL. Lei nº 1.806, de 6 de Janeiro de 1953. Brasília: Câmara dos Deputados, 2016. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-1806-6-janeiro-1953-367342-publicacaooriginal-1-pl.html. Acessado em 20/11/2016.

COLTRI, M. L. Aspectos gerais da olericultura no Estado do Amazonas, Manaus: EMBRAPA-UEPAE de Manaus, 1988. 16p. (EMBRAPA-UEPAE de Manaus. Documentos, 7).

COUTO, R. (org.) PLANO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: Parintins – AM, 2005 – 2012/Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, Projeto de Apoio aos Pequenos Produtores Rurais do Estado do Amazonas – Manaus: Ibama, Pro Várzea, 2005.

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LOURENÇO, F.S.; NODA, S.N.; LOURENÇO, J.N.P. Ambiente e agricultura: uso da terra pela agricultura familiar e modificações da paisagem no município de Itacoatiara, AM. In: NODA, S.N.; MARTINS, A.L.U. Agricultura familiar no Amazonas: assessoramento participativo. v.2. Manaus: Wega, 2013. p. 92-116.

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/02/2017

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