O quintilema da Agenda 2030 da ONU, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são o ponto central da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Eles foram propostos na Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, em 2012. Após 3 anos de debates e um amplo processo de consultas, em setembro de 2015 foram aprovados os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com 169 metas, que fazem parte da Agenda global para o período 2015-2030.
No preâmbulo do documento, assinado por 193 líderes mundiais, foram definidas cinco prioridades de importância crítica para a humanidade e para o meio ambiente, denominados os cinco P’s: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias.
Como escrevi em outro artigo (Alves, 21/09/2016), a concepção dos cinco P’s é eloquente, pois estabelece cinco prioridades equidistantes, projetadas dentro de um círculo, cujo centro é um pentágono, representando o “desenvolvimento sustentável”. No topo do desenho estão colocadas as Pessoas (erradicação da pobreza), no nível intermediário estão o Planeta (recursos naturais e clima) e a Prosperidade (bem-estar humano) e, na base do círculo, estão a Paz (sociedades pacíficas, justas e inclusivas) e as Parcerias (governança global sólida).
Nota-se que foram colocados mais dois apoios no tripé (econômico, social e ambiental) da sustentabilidade. A nova concepção dos cinco P’s representa uma passagem do tripé para o pentágono da sustentabilidade. Mas assim como o tripé da sustentabilidade caminha para um trilema (Martine e Alves, 2015) o pentágono caminha para um quintilema. A expressão quintilema é utilizada quando se tem uma proposição formada de cinco lemas contraditórios ou que reúnem escolhas difíceis entre cinco opções que, em parte ou na totalidade, são conflitantes ou difíceis de serem conciliadas.
Em relação ao primeiro P, de pessoas, realmente houve uma grande redução da pobreza no mundo entre 1990 e 2014. O que possibilitou este fato foi, principalmente, o superciclo das commodities que possibilitou o aumento da renda dos países pobres e viabilizou políticas de inclusão social. Mas os ganhos na África Subsaariana foram menores do que na Ásia e na América Latina a pobreza já voltou a subir a partir de 2013 e deve se agravar em 2016.
Sobre o P da Prosperidade, o livro de Thomas Piketty, O Capital no século XXI, mostra que existe uma tendência de aumento da desigualdade de renda interna aos países. O relatório sobre a riqueza global, em 2015, do banco Credit Suisse (Global Wealth Report 2015) mostra que 0,7% dos adultos do mundo, que estão no topo da pirâmide de renda, concentram 45,2% da riqueza (patrimônio) mundial. Os 7,4% seguintes abocanhavam 39,4% da riqueza. Assim, apenas 8,1% das pessoas no cume da distribuição dos ativos detinham 84,6% da riqueza global. Segundo a Oxfam, apenas os 8 maiores multibilionários do mundo possuem a mesma riqueza da metade mais pobre da população mundial (cerca de 3,7 bilhões de pessoas).
Sobre o P do Planeta, os estudos mostram que há uma ampla degradação dos ecossistemas, uma perda sem precedentes da biodiversidade e uma grande ameaça representada pelo aquecimento global. Os estudos mostram que as Contribuições Voluntárias Nacionalmente Determinadas (INDCs), aprovadas no Acordo de Paris, não serão suficientes para deter o aumento dos termômetros na faixa de 1,5º C e 2º C. A acidificação e o aumento do nível dos oceanos vai provocar muitos danos para os humanos e não humanos.
Sobre o P das Parcerias, as Conferências Internacionais sobre Financiamento ao Desenvolvimento (FpD) não têm sido capazes de prover os recursos necessários para manter a governança mundial e enfrentar as injustiças estruturais do sistema econômico-financeiro global.
Sobre o P da Paz, os dados mostram um aumento das despesas militares mundiais em 2015 que foram de US$ 1,68 trilhão, um aumento, em termos reais, de cerca de 1% em relação ao ano de 2014, equivalendo a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Enquanto a agenda da ONU fala em paz, os gastos de guerra batem recordes e os conflitos armados se multiplicam em diversos países da África e atinge proporção de tragédia no caso da Ucrânia, do Afeganistão, da Líbia, do Iêmen, do Iraque e da Síria.
Para acompanhar essa agenda foram estabelecidos 17 objetivos, 169 metas e cerca de 230 indicadores. Porém, a construção e o monitoramento desses indicadores é uma tarefa muito complexa e até agora (fevereiro de 2017) não há muita coisa feita nesta importante área da medição estatística dos problemas nacionais e internacionais.
Para não virar um quintilema, a agenda da sustentabilidade da ONU deveria promover uma mudança radical da concepção central da nossa civilização, que considera a acumulação de bens materiais a verdadeira medida da riqueza e da prosperidade dos cidadãos. Como já ensinaram os mestres da economia ecológica é impossível manter um crescimento econômico ilimitado em um planeta finito. Sem o decrescimento demoeconômico, será muito difícil diminuir a pegada ecológica e respeitar as fronteiras planetárias.
A Agenda 2030 da ONU precisa evitar a apologia do crescimento econômico e colocar com prioridade absoluta o fim do ecocídio e a degradação ambiental, pois a humanidade precisa da natureza, mas a natureza não precisa da humanidade.
Referências:
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (português e inglês)
http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v32n3/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf
ALVES, JED. Dilema: crescer sem degradar, # Colabora, RJ, 21/09/2016
http://projetocolabora.com.br/inclusao-social/o-quintilema-da-agenda-2030/
PNUD. Os cinco P´s da Agenda 2030
http://www.undp.org/content/brazil/pt/home/post-2015.html
CORREA, S.; ALVES, J. E. D. As Metas de Desenvolvimento do Milênio: grandes limites e oportunidades estreitas. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 22, n. 1, p. 177-189, 2005. http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol22_n1_2005/vol22_n1_2005_11pontodevista_p177a190.pdf
ALVES, José Eustáquio Diniz. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Rev. bras. estud. popul. [online]. 2015, vol.32, n.3, pp. 587-598.
http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v32n3/0102-3098-rbepop-32-03-0587.pdf
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/02/2017
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