Estamos febris, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] A ascensão do Bolsonaro nas pesquisas não é fruto de um carisma pessoal mas um sintoma de revolta contra as violência nas ruas, contra a omissão do Estado no enfrentamento da criminalidade, canalizado pelos sensacionalistas como se eles fossem a solução para isso. O sensacionalismo não foi inventado pelo Bolsonaro, apresentadores de rádio e TV já faturavam popularidade insuflando sua audiência contra os “vagabundos”, os “bandidos” e todo linguajar com que muitas pessoas se identificam e se sentem reconfortadas, pois alguém “entende” o que elas sentem.
Em que mundo maravilhoso viveríamos, se xingamentos resolvessem os nossos problemas! Tudo estaria solucionado, pois nada é mais prazeiroso do que gritar, esbravejar, xingar o que e quem nos deixa indignados. Quem não gostaria de sair por aí ofendendo seus desafetos e clamando pela execução dos “marginais” que nos agridem com sua violência? Tanto é verdade, que virou moda nas redes sociais.
Infelizmente a realidade é menos divertida e o enfrentamento ao crime requer organização do Estado, recursos, estratégias, inteligência, investimentos a médio e longo prazo e inclusive legislações específicas contra o crime organizado. Basta ver a dificuldade de prosperar da Lava Jato, para vermos o quanto é difícil, na democracia, enfrentar o crime. A ditadura seria uma opção – e muitos já aderiram à tese – se ela não nos tirasse algo que também é um direito fundamental, a liberdade.
Como já ironizou o Millor Fernandes, “democracia é eu mandar em você, ditadura é você mandar em mim”, ou seja, os defensores da ditadura só vão até o ponto da fantasia sobre seus supostos benefícios, pois estariam insatisfeitos nas primeiras decisões ditatoriais que contrariassem as suas vontades.
A popularidade do Bolsonaro, então, é um sintoma febril de uma sociedade violentada que se sente à beira da convulsão social, como aconteceu recentemente no Espírito Santo. Estamos febris em nossa revolta contra uma democracia imatura, ineficiente, onde o Estado está eivado de corrupção e a Polícia Federal e o Ministério Público estão ameaçados de serem “amordaçados” pelos corruptos do próprio Congresso Nacional e do Governo, que ainda tem a prerrogativa de indicar os novos Ministros do STF.
Diante da falta de perspectivas imediatas, uma parcela crescente do povo se deixa arrastar pelo discurso autoritário, de soluções de força como única saída para uma sociedade menos violenta. Não cabe aqui discutir a pessoa do Bolsonaro – o que eu estaria tentado a fazer, por ser psiquiatra – mas sim o que ele representa. Representa uma voz que tem de ser levada a sério, não por suas maluquices, mas pelo sentimento de desespero da população, que sua intenção de voto representa.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é médico psiquiatra, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e ex-presidente do IGS – Instituto Gaúcho da Sustentabilidade
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/02/2017
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