Emma Goldman e a luta pela autodeterminação reprodutiva, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Aquí y ahora declaro la guerra a este sistema y no descansaré hasta que sea
liberado el camino para una libre maternidad y una saludable, alegre y feliz niñez”.
(Emma Goldman, 1916).
[EcoDebate] Emma Goldman (1869-1940) foi uma das principais figuras da história do anarquismo e do feminismo dos Estados Unidos e do mundo. Ela foi uma das primeiras defensoras da liberdade de expressão, da organização sindical, regulação da fecundidade e igualdade e independência das mulheres.
Ela nasceu em Kovno (atual Kaunas), na Lituânia, então parte do Império Russo e emigrou para os Estados Unidos em 1885. Em Nova Iorque ela se tornou uma militante anarquista, escritora e divulgadora de ideias anticapitalistas, em defesa das causas sociais e sindicais, assim como pioneira da luta pela emancipação da mulher. Em 1906, ela fundou o jornal anarquista Mother Earth (Mãe Terra).
Ela teve uma atuação destacada na luta contra os interesses imperialistas por trás da Primeira Guerra Mundial. Foi expulsa dos EUA e voltou à Rússia, onde participou da Revolução Bolchevique. Mas na falta do espírito libertário do anarquismo, abandonou o país e escreveu o livro “Minha desilusão na Rússia”. Ela continuou tendo atuação em vários países e, já na terceira idade, viajou até a Espanha para apoiar a Revolução Anarquista durante a Guerra Civil Espanhola. Morreu em Toronto, no Canadá, em 1940.
Emma Goldman é reconhecida como pioneira na defesa dos direitos reprodutivos e na difusão dos métodos de regulação da fecundidade, ou, como se chamava na época, do controle voluntário da natalidade.
Em abril de 1916, ela escreveu na revista Mother Earth, o texto “Los Aspectos Sociales del Control de Natalidad”, onde critica as proibições aos métodos contraceptivos e defende a autodeterminação reprodutiva como forma de emancipação das mulheres (veja o link abaixo). Ela termina o texto com as seguintes palavras:
“Puede que me arresten, me procesen y me metan en la cárcel, pero nunca me callaré; nunca asentiré o me someteré a la autoridad, nunca haré las paces con un sistema que degrada a la mujer a una mera incubadora y que se ceba con sus inocentes víctimas. Aquí y ahora declaro la guerra a este sistema y no descansaré hasta que sea liberado el camino para una libre maternidad y una saludable, alegre y feliz niñez” (p.144).
Cem anos depois do texto “Los Aspectos Sociales del Control de Natalidad”, os direitos reprodutivos estão novamente ameaçados nos Estados Unidos e no mundo pelas políticas impostas por Donald Trump. O novo governo conservador, populista e isolacionista pretende reduzir o acesso aos métodos contraceptivos e o direito ao aborto.
Mas no espírito da luta de Emma Goldman, mais de 2 milhões de mulheres (e homens) foram as ruas de Washington, Nova Iorque, Los Angeles, etc. protestar contra o novo presidente dos EUA. Além de mais de 20 cidades americanas, ocorreram manifestações na Alemanha, França, Suécia e Espanha e outros vários países. Os organizadores estimam ter conseguido mobilizar mais de 2 milhões de pessoas. Uma das bandeiras fundamentais é sobre os direitos sexuais e reprodutivos.
A Coalisão Internacional para os Direitos Sexuais e Reprodutivos (International Sexual and Reproductive Rights Coalition/ISRRC) lançou um manifesto e um abaixo-assinado contra as restrições aos direitos reprodutivos e contra a chamada Lei da Mordaça. A petição começa com o seguinte parágrafo:
“Na qualidade de organizações da sociedade civil, estamos unidas contra a Lei da Mordaça (Global Gag Rule) imposta pelos Estados Unidos, a qual tem o efeito de minar a saúde, os direitos e a autonomia das mulheres. Chega a 225 milhões o número de mulheres que vivem em países em desenvolvimento que desejam evitar a gravidez, mas não estão usando contracepção moderna. A Lei da Mordaça agrava uma situação que já é de extrema carência, ao enfraquecer a eficácia da assistência financeira norte-americana a esses países, cancelando a parceria com algumas das organizações mais competentes e eficazes que desenvolvem este trabalho. A ameaça do aborto inseguro – uma das principais causas de mortalidade e morbidade materna – também atinge de forma dramática as mulheres nessas regiões”
Diante dos retrocessos na área de direitos humanos no Brasil, nota do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), diz: “Essa concepção fundamentalista e retrógrada de Direitos Humanos joga, por exemplo, para a criminalidade as mulheres que optarem pelo aborto mesmo em caso de estupro, risco de vida e de gravidez de feto anencéfalo. Isso porque sobrepõe o direito desde a fecundação do óvulo pelo espermatozoide à autonomia das mulheres sobre seu próprio corpo“.
A assessora técnica do CFEMEA, Jolúzia Batista, completa: “Além das restrições totais ao aborto, a proposta sustenta um projeto de sociedade conservadora, de impedimento à autonomia das mulheres e de flexibilização da laicidade do Estado brasileiro”.
A autodeterminação reprodutiva – como bem defendeu Emma Goldman há mais de um século – é fundamental para o pleno exercício dos direitos reprodutivos e para a prática do sexo seguro. O livre acesso aos métodos de regulação da fecundidade é essencial para que homens, mulheres e a juventude possam usufruir de uma sexualidade prazerosa e sem medo ou embaraços de qualquer ordem, gozando de uma efetiva autonomia entre sexualidade e procriação.
Referências:
Emma Goldman. Capítulo XI. Los Aspectos Sociales del Control de Natalidad, Mother Earth, Vol. XI, abril 1916, In: La palabra como arma. – 1a ed. – Buenos Aires : Libros de Anarres; La Plata: Terramar, 2010, pp: 137-144
SPW. Apoio Unido contra a Lei da Mordaça, 24 janeiro de 2017
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José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/02/2017
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