Agricultores familiares produzem mais de 70% dos alimentos, diz estudo
IHU
Pesquisadores da UFPB e da USP revisam dados do Censo Agropecuário 2006 e dizem que estimativa do IBGE subestimou papel dos pequenos.
Os camponeses têm pouca terra, mas colocam bem mais que 70% dos alimentos na nossa mesa, defendem os autores do artigo “Quem produz comida para os brasileiros? 10 anos do Censo Agropecuário 2006”
A reportagem é de Inês Castilho, publicada por De Olho nos Ruralistas, 05-02-2017.
O Censo Agropecuário 2006 dizia que os agricultores familiares eram responsáveis pelo cultivo de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. Foi o último censo realizado no país, e uma das principais referências sobre o campo. Dez anos depois, pesquisadores relançam a pergunta: “Quem produz os alimentos que compõem a cesta básica nacional?”
Para Marco Antonio Mitidiero Junior, Humberto Junior Neves Barbosa (ambos da Universidade Federal da Paraíba) e Thiago Hérick de Sá (da Universidade de São Paulo), a participação do campesinato é bem maior do que isso.
Para ver onde se concentram o volume e o valor dessa produção, eles trabalharam os dados do Censo 2006 a partir de outra metodologia. Eles dizem que as que foram usadas pelo IBGE para analisar os dados apurados pelo Censo “visaram esconder e deturpar o papel preponderante da pequena produção”.
Arroz, feijão e mistura
Os dados revelam que alimentos presentes no dia a dia à mesa dos brasileiros, em todo o país, são produzidos nos pequenos estabelecimentos rurais (área de 0 a 200 hectares). Várias espécies de feijão são cultivadas principalmente pelos pequenos: 88,1% do feijão-preto e 88,9% do feijão-fradinho, por exemplo.
O arroz em casca tem grande participação dos grandes – aqueles com propriedades acima de 1.000 hectares -, com 30% do total. Mas ainda assim a superioridade é dos pequenos: 42,3%. Os médios (200 a 1000 ha) produzem 27%.
Mais marcante é a supremacia da pequena produção na horticultura. Para citar os que mais frequentam nossa mesa: 98,2% do alface, 98,4% do repolho, 96% da berinjela, 95% da abobrinha, 86,8% da cenoura, 81,7% do tomate (estaqueado), 96,4% da pimenta, 90,8% da mandioca, 57% do milho, 94,1% da cebola, 73,3% do tomate (rasteiro) e 55,4% da batata inglesa são cultivados nos pequenos estabelecimentos rurais.
Quanto à carne, os pequenos são responsáveis por 88,7% da produção de aves, 84,3% da produção de suínos e 39,0% da de bovinos. “Até na criação bovina, palco das megafazendas e dos famosos fazendeiros pecuaristas que marcam o imaginário social, os pequenos produtores, com área até 200 ha, superam produtivamente as grandes áreas”, ressaltam os pesquisadores.
Menos terra, menos recursos, mais emprego
“Os sujeitos que produzem mais alimentos são os que possuem menos terra (geralmente terras menos favorecidas do ponto de vista da fertilidade, acesso à água, localização geográfica, etc.) e são menos assistidos pelo Estado”, sustentam os autores.
“Aqueles que detêm a maior parte das terras não são os maiores produtores de comida, porém são os que recebem a maior fatia dos recursos para financiamento. Ao contrário, os que possuem a menor porção das terras são os que mais produzem, contudo recebem bem menos financiamentos para produção”.
Os dados do IBGE mostram o peso da concentração agrária do país: pequenos produtores, 90,2% do total das unidades de produção, ocupam 29,9% da área total da agricultura do país. Já os grandes, 0,9% das propriedades rurais, dominam 45% da área. Os médios são 4% dos estabelecimentos, em 25,1% da área.
“Apesar disso, a agricultura familiar é responsável por 74,4% (12,3 milhões de pessoas) da ocupação laboral no campo, dominando a geração de trabalho/emprego”, apontam os pesquisadores.
Financiamento para os grandes
Os pesquisadores informam que os pequenos correspondem a 92,5% (849.754) dos estabelecimentos que receberam financiamento, embora tenham recebido apenas 36,7% do valor disponibilizado.
Os médios correspondem a 3,7% (34.443) dos estabelecimentos que receberam financiamento. Mas receberam 18,9% dos recursos.
Os grandes abocanharam 44,1% dos recursos oferecidos, embora representem apenas 0,9% (8.444) dos estabelecimentos que receberam financiamento.
Cada estabelecimento pequeno que recebeu financiamento teve, em média, R$ 9.252 reais. Essa média aumenta mais de dez vezes no caso dos médios, que receberam R$ 117.138, e mais de cem vezes no caso dos grandes: R$ 1.117.433.
(EcoDebate, 08/02/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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