Abordagem repressiva não resolve problemas de usuários de crack, diz ONG
ABr
Modelos de tratamento a usuários de crack aplicados no Brasil e avaliados pela Open Society Foundations (OSF), fundação internacional que trabalha na área de justiça e direitos humanos, mostraram que a abordagem repressiva contra essas pessoas não é a solução. “Achar que é possível resolver o problema de drogas, sobretudo em uma cena de uso pública, nas ruas, com pessoas muito vulneráveis, pessoas em situação de rua, com polícia não funciona”, disse Pedro Abramovay, diretor para América Latina da OSF.
O relatório “Crack: Reduzir Danos – Lições Brasileiras de Saúde, Segurança e Cidadania”, feito pela entidade, foi apresentado ontem (31/1) em evento na capital paulista e apresenta três ações que tiveram sucesso em mudar a dinâmica das chamadas cracolândias brasileiras. Uma dessas é o Programa de Braços Abertos, da prefeitura de São Paulo, lançado na gestão de Fernando Haddad.
As outras duas são: “Aproximação – A Cena de Drogas da Rua Flavia Farnese”, feito pela Ong Redes da Maré, do Rio de Janeiro; e “Atitude – Atenção Integral aos Usuários de Drogas e seus Familiares”, do governo de Pernambuco.
“O que o relatório mostra são três experiências no Brasil muito diferentes, mas todas elas partindo dessa premissa e partindo da ideia que é possível acolher e tratar esses usuários a partir da inclusão e não a partir da repressão, com resultados muito positivos”, disse.
Abramovay disse que esses são casos positivos no tratamento e redução de danos no uso do crack, em que muitos usuários pararam de consumir ou diminuíram radicalmente o consumo da droga. “ [Eles] deixaram de ser pessoas sem perspectiva de vida para serem pessoas produtivas, que estão trabalhando, que têm um espaço e que estão no caminho de ter uma vida positiva com a sociedade”.
Problema maior
O diretor da OSF disse que o uso do crack não está relacionado somente com a substância, mas abrange um contexto maior. Ele explicou que os três projetos não colocam como condição inicial a abstinência, mas a ideia de que o problema do usuário com a droga não é um problema só com a substância, mas com o entorno, com a exclusão, na relação com a família e com uma série de outros fatores.
“Partindo dessa premissa, você tem que tratar esses fatores antes de pedir para a pessoa simplesmente parar de usar [o crack], porque, se você olha só para a substância e os outros fatores se mantém igual, a pessoa depois vai voltar a usar”, disse Abramovay. Segundo ele, essas três experiências têm essa perspectiva em comum e apresentam mais resultados positivos do que aquelas em que foi utilizada uma repressão policial.
Experiência brasileira
Para o diretor da ONG, é interessante que o Brasil tenha experiências positivas que sejam comparáveis com o que ocorreu em outras cidades, como Vancouver, que são vistas como experiências interessantes a serem replicadas no mundo. “Nenhuma experiência é perfeita, mas o conjunto delas nos traz essas lições se a gente quiser enfrentar o tema com seriedade”.
Após a análise conjunta das pesquisas de cada experiência no tratamento de usuários de crack, a OSF elaborou sete lições para reduzir danos do uso da substância por pessoas em situação de rua. Entre elas estão ouvir os usuários e valorizar vínculos familiares, bem como sua autonomia; garantir oferta de moradia como fator-chave de estabilidade na vida dos usuários; criar medidas para reduzir a vulnerabilidade de pessoas em situação de rua que usam drogas à violência e a homicídios; e engajar as agências de governo de forma multissetorial, inclusive os órgãos de segurança pública, e envolver organizações de base comunitária.
Questionado se as lições poderiam servir de base para construção de uma política nacional de enfrentamento ao crack, ele acredita que sim. “As três [experiências avaliadas] são muito locais e eu acho que o envolvimento local tanto da comunidade como da prefeitura é fundamental, mas o governo federal pode induzir essas políticas, dizer que apoia políticas desse tipo e validar esse tipo de atuação. Fazendo isso, abre espaço para que localmente você tenha alternativas concretas”.
Por Camila Boehm, da Agência Brasil, in EcoDebate, 01/02/2017
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