Desinformação sobre surto de febre amarela coloca macacos em perigo
Embora não transmitam diretamente o vírus, primatas vêm sendo mortos por pessoas que temem contrair febre amarela
Mais de 80 primatas, na sua maioria bugios (do gênero Alouatta), morreram com suspeita de febre amarela nessas últimas semanas no Espírito Santo. Nos últimos dias, as estimativas atualizadas apontam a morte de milhares de outros indivíduos no mesmo estado. A atual epidemia, que atinge as zonas rurais de Minas Gerais e Espírito Santo, não ameaça apenas os humanos, mas populações inteiras de primatas. Além da doença, os macacos também correm o risco de serem eliminados por falta de informação, pois em algumas localidades existe a crença de que sejam transmissores do vírus, o que não ocorre. O último surto de febre amarela em macacos ocorreu entre 2008 e 2009, no Rio Grande do Sul, e causou a morte de mais de dois mil bugios, infectados pelo vírus ou assassinados por pessoas desinformadas sobre o ciclo da febre amarela.
Thais Leiroz Codenotti, pesquisadora e coordenadora do Convidas – Associação para Conservação da Vida Silvestre, que liderou um projeto sobre o tema na época, com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, alerta que o problema tem se repetido neste ano. “Mesmo com os focos de febre amarela sendo em outros estados, já registramos aqui no Rio Grande do Sul casos de bugios sendo agredidos pela população”, alerta a pesquisadora.
“Este tipo de comportamento gera um desequilíbrio ecológico e agrava a situação”, completa. Maltratar, apreender ou perseguir animais silvestres configura crime ambiental (Lei Federal de Crimes contra o Meio Ambiente 9.605/98).
Para a pesquisadora o melhor meio de prevenção da doença em seres humanos é a vacinação. “É importante monitorar os casos, investigar a real causa das mortes e manter a vacina de febre amarela em dia. Sair matando macacos não resolverá o problema”, ressalta.
Sentinelas
Primatas são tão vítimas da doença quanto humanos. O primatólogo Fabiano Melo, pesquisador responsável pelo Programa de Conservação Muriquis de Minas, que recebe apoio da Fundação Grupo Boticário, afirma que “as espécies de macacos nativas do Brasil, por não terem tido um contato histórico evolutivo com o vírus, tendem a ter baixa resistência ao seu contato”.
Melo alerta que “a doença é transmitida apenas pelos mosquitos e que os macacos, mesmo doentes, mal servem de reservatório do vírus, porque acabam morrendo muito rápido”. Além disso, os primatas se comportam como sentinelas, sinalizando a presença do vírus. “Por estarem na mata, estão mais expostos aos mosquitos e acabam sendo afetados antes dos seres humanos. Quando um primata aparece doente, temos indícios de que nós, humanos, também estamos expostos”, explica.
A importância dos macacos não se resume à sua atuação como sinalizadores da doença. “Esses animais são semeadores naturais. Além de espalharem sementes pelo solo quando comem frutas, o esterco que produzem também favorece o nascimento de novas árvores”, afirma Melo.
O pesquisador realiza estudos em áreas protegidas situadas em Minas Gerais, e admite que na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Feliciano Abdala, localizada no município de Caratinga (MG), epicentro da epidemia em Minas Gerais, a doença pode atingir os muriquis-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). Essa RPPN é a unidade de conservação mais importante para a proteção da espécie, que são os primatas mais ameaçados de extinção das Américas. “Aparentemente, a vulnerabilidade varia de espécie para espécie, mas todos os primatas neotropicais são vulneráveis. O vírus pode atingir uma população de muriqui e dizimá-la, como está acontecendo com os bugios”, completa.
Transmissão
A transmissão da febre amarela pode ocorrer de duas formas: silvestre e urbana. O contágio silvestre ocorre de macacos para mosquitos, normalmente das espécies Haemagogus ou Sabethes, que só vivem na floresta. Os mosquitos, então, transmitem o vírus desses macacos infectados para humanos. “Já a febre amarela urbana, muito mais comum que a silvestre, ocorre quando uma pessoa já infectada pelo vírus é picada pelo Aedes aegypti, que retransmite a doença para outras”, explica Codenotti.
Colaboração de Cintia da Rocha, in EcoDebate, 31/01/2017
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