Reforma da Previdência: É Justo Trabalhar até Morrer? artigo de Adrimauro Gemaque
[EcoDebate] Está imagem circulou em todas as redes sociais nos últimos dias. Trata-se da indignação das pessoas sobre a alteração da idade mínima para aposentadoria. Esta alteração está contida na PEC 287/2016 que institui a Reforma da Previdência proposta pelo presidente Michel Temer e que prevê idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres no Brasil. Ela é válida tanto para quem atua na iniciativa privada quanto para servidores públicos. Para os especialistas, não só retira direito como também cria incertezas. Foi assim que aconteceu em 1998 e em 2003 por ocasião das reformas anteriores. Para o simples trabalhador é “trabalhar até morrer”.
Pesquisa realizada pela Fecomércio/RJ em parceria com o Insituto Ipsos em todo o país, divulgada no dia 27 de dezembro, revelou que 42% dos brasileiros não estão acompanhando as notícias sobre a reforma da Previdência, 29% estão acompanhando superficialmente e outros 29% afirmam estar apenas ciente das novas propostas. Estes números refletem bem o desinteresse da população pelo tema.
A Reforma da Previdência de 2003, também passou ao largo da população brasileira de uma forma geral, basicamente ficou restrito ao Movimento Sindical (Centrais e Sindicatos). Naquela ocasião chegaram a reunir numa marcha em Brasília mais de 30 mil pessoas em junho de 2003 contra as reformas. Agora, em 2016, muito pouca movimentação neste sentido. Aliás, quase nenhuma.
Uma das alterações contida na PEC 287/2016, e que tem gerado uma grande polêmica, trata-se do fim da diferença da idade mínima para homens e mulheres aposentarem. Atualmente, para ter direito à aposentadoria a soma da idade e o tempo de contribuição deve alcançar 85 anos para as mulheres e 95 para os homens. Em se aposentando por idade, as mulheres precisam ter, no mínimo, 60 anos e os homens 65 anos. Para os especialistas, igualar a idade mínima no contexto atual do Brasil significa um retrocesso nos direitos das mulheres.
De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais (2015), divulgado pelo IBGE que faz uma análise de vida da população brasileira, as mulheres trabalham cerca de cinco horas a mais por semana que os homens. E o pior, ganham em torno de 30% a menos que os homens, considerando que eles trabalham cerca de seis horas a menos por semana com a ocupação remunerada. Elas ainda, dedicam ainda duas vezes mais tempo que os homens com os afazeres domésticos. Veja o gráfico:
Média de horas semanais trabalhadas com a ocupação principal, média de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 16 anos ou mais de idade por sexo no Brasil – 2004/2014
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004/2014.
Nota: Não houve pesquisa em 2010.
A bem da verdade, o perfil etário da sociedade brasileira vem mudando com aumento da expectativa de vida e redução da fecundidade. Para o Profº. José Eustáquio Diniz Alves (ENCE/IBGE) ”O Brasil está passando por uma grande mudança na estrutura etária. A cada ano cresce o número de pessoas com mais de 60 anos de idade e aumenta a proporção de pessoas idosas sobre a população total. Em 1950 havia 2,6 milhões de idosos, representando 4,9% da população brasileira. No ano 2000 havia 14,2 milhões de idosos (8,1% da população). No ano 2040, o número de pessoas idosas deve chegar ao montante de 54,2 milhões, alcançando 23,6% da população total do Brasil, segundo estimativas da Divisão de População da ONU”.
Ainda segundo o Prof.º José Eustáquio, (…) uma das características responsáveis por este processo é o “crescimento do superávit de mulheres idosas”. Em 1950, o número de homens idosos era de 1,18 milhão e o de mulheres era de 1,45 milhão (havia um superávit de exatos 273 mil mulheres). Em 1980 a quantidade de homens de 60 anos e mais passou para 3,64 milhões e a quantidade de mulheres chegou a 4 milhões. Nesse ano, o superávit feminino ainda era relativamente pequeno e a razão de sexo era de 91 homens para cada 100 mulheres entre a população idosa.
O que agora se constata é o crescimento da população acima de 60 anos ou mais de idade. Dados da PNAD (IBGE) mostram que a proporção de idosos de 60 anos ou mais de idade passou de 9,7%, em 2004, para 13,7%, em 2014, sendo o grupo etário que mais cresceu na população. Veja o gráfico:
Proporção de pessoas de 60 anos ou mais de idade, por Grandes Regiões – 2004/2014.
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004/2014.
Nota: Não houve pesquisa em 2010.
Porém, todos estudos e indicadores mostram que no Brasil existe um histórico de desigualdades e de injustiça em relação à mulher. Como aqui já foi mostrado, a ocupação com as atividades domésticas elevam em muito as horas trabalhadas da mulher na semana em relação aos homens. Neste momento, a PEC 287 sugere um impacto drástico na aposentadoria das mulheres, pois aumenta em 10 anos de trabalho para que elas possam adquirir o direito de aposentar . Esta Reforma da Previdência proposta pelo atual Governo vai mudar a vida das pessoas em relação ao trabalho. Principalmente aquelas com menos de 50 anos.
Os três últimos presidentes FHC, Lula e Dilma fizeram mudanças nas regras das aposentadorias, muito embora menos impactantes. O governo de FHC, por exemplo, através da Emenda Constitucional Nº 20, institui que para se aposentar não seria mais levado em conta o tempo de serviço do trabalhador, mas sim o tempo de contribuição ao INSS. Também ficou estabelecido um período mínimo de contribuição: 35 anos para os homens e 30 anos para as mulheres. Para o servidor público, era preciso um período de permanência de 10 anos e de cinco anos no cargo. No ano de 2003, o presidente Lula promoveu uma nova Reforma da Previdência, porém, o alvo principal foi os servidores públicos. Através da Emenda Constitucional Nº 41, alterou o cálculo dos benefícios. Em vez de receber o salário integral, os servidores voltaram a contribuir para aposentadoria se o salário ficasse acima do teto da previdência que foi estabelecido e ainda ocorreu aumento na alíquota do INSS para 11%. Já com a presidente Dilma, a mudança na regra da aposentadoria ficou conhecida como 85/95, foi sancionada em 2015 e ainda está em vigor. Esta regra, conforme mencionada anteriormente, concede aposentadoria integral aos trabalhadores que, somando o tempo de contribuição e a idade, obtenham resultado igual ou superior a 85 anos (para mulheres) e 95 anos (para homens).
De acordo com NERY (2016), a idade mínima poderá ser elevada com a proposta do governo que permite que o parâmetro da idade de 65 anos seja elevada sem a necessidade de uma nova emenda constitucional, caso a expectativa de sobrevida se eleve em 1 ano inteiro. Neste sentido, o Secretário de Previdência Marcelo Abi-Ramia Caetano afirmou que “é possível que a idade mínima seja elevada para 66 anos na virada da década de 2020 para 2030, e para 67 anos ao longo da década de 2040”.
A Reforma da Previdência que está aí colocada pelo Governo Federal, através da PEC 287, quer que você trabalhe até morrer. A idade mínima proposta de 65 anos para os homens e mulheres em um país em que, segundo o IBGE (2015) tem a expectativa de vida de 75,5 anos, é muito cruel. Este número é obtido através da média da população em um país onde a desigualdade é brutal, a começar pela renda domiciliar per capita mensal em função dos seus extremos. Senão vejamos que no Distrito Federal ela é de R$ 2.254,00 enquanto no Maranhão é de R$ 509,00. Isto significa dizer que, nas regiões mais pobres deste país como o Vale do Jequitinhonha (MG), o Sertão Nordestino e a população ribeirinha da Amazônia esta idade é bem mais baixa que a média.
Adrimauro Gemaque, é analista do IBGE e Articulista expressa seus pontos de vista em caráter pessoal (adrimaurosg@gmail.com)
Referências:
“As mulheres e o envelhecimento populacional no Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves,” in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/01/2016, https://www.ecodebate.com.br/2016/01/20/as-mulheres-e-o-envelhecimento-populacional-no-brasil-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.
NERY, Pedro Fernando. REFORMA DA PREVIDÊNCIA: perguntas e respostas (2016).
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td219
Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (2015). Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95011.pdfery
Pedro Fernando Nery
in EcoDebate, 10/01/2017
[cite]
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Dica: 99% do seu argumento-tese está defendido apenas pelo último parágrafo do texto. Parte do seu texto inicial parece, por sinal, defender o argumento contrário, com uma ênfase no aumento da população com mais de 60 anos e de mulheres idosas que deixa a ideia de idade mínima como bastante coerente e talvez necessária.
Pessoalmente eu não sou contra a idade mínima, mas fiquei curiosa com o final de argumento colocado no último parágrafo, que você não desenvolveu. Quão grandes são essas diferenças, em termos não de renda, mas de expectativa de vida? Qual a proporção dessas pessoas em relação ao restante da população? Poderia ser o caso de se defender a inclusão de um artigo nessa lei, para que algumas populações mais vulneráveis tivessem acesso à aposentadoria mais cedo, particularizando o sistema (já existem aposentadorias especiais para policiais, militares, professores… talvez alguns casos de aposentadorias especiais geográficas)? Quantas pessoas nesses locais se aposentam, e quantas entram em outros benefícios por não terem contribuído para o INSS? Talvez o problema seja apenas na aposentadoria rural, que poderia ser mais especificada e menos rígida, por ex.
Você começou um argumento interessante nas últimas 7 linhas, que mereceriam ser a introdução de um texto, não a conclusão deste. Eu gostaria muito de ler um novo artigo seu, que desenvolvesse esse argumento.
Meu caro Adrimauro,
Penso que podemos fazer algumas observações a seu artigo.
Como você disse, no ano 2040, o número de pessoas idosas no Brasil deve chegar a 54,2 milhões, alcançando 23,6% da população total do país, segundo estimativas da Divisão de População da ONU. Isso, certamente, indica a necessidade de uma revisão no processo da aposentadoria, pois, os restantes 76,4% da população, que sustentariam a aposentadoria desses idosos, estaria dividida em crianças e adolescentes, desempregados, subempregados e uma parcela de empregados. Seria a catástrofe completa manter o atual sistema de aposentadoria.
Também não vejo razão para que a mulher se aposente antes do homem. Eventuais injustiças de salário e de número de horas trabalhadas não podem ser compensadas por aposentadoria mais cedo. Nesse caso, precisaríamos analisar caso a caso: quem deveria se aposentar primeiro, um arquiteto ou um servente de pedreiro?
Finalmente, penso que a aposentadoria com 65 anos de idade deverá ser modificada no futuro. Não vejo razão alguma para que um idoso de 65 anos precise ser aposentado. Os ministros do Supremo Tribunal federal conseguiram, pela chamada PEC da bengala, aumentar a idade em que permanecerão no cargo de 70 para 75 anos.
Certa vez, assisti a uma palestra de um médico do trabalho dizendo que, para os militares, a aposentadoria (chamada de reforma) ocorre ainda mais cedo. Ele ficou imaginando um coronel, que comanda milhares de oficiais, subtenentes, sargentos, cabos e soldados se reformando. Ele vai passar a comandar seu cachorro, porque a mulher já o deve comandar há tempos.
Portanto, devemos analisar a reforma da Previdência com maior objetividade e menos paixão.
Um abraço e continue com seus artigos como esse que, embora polêmicos, suscitam o debate.