O degelo da Antártica e a subida do nível do mar, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A maior parte do gelo da Antártica está sobre o continente e tem um volume de água congelada que, caso derreta completamente, tem o potencial de fazer o nível do mar subir de 60 a 65 metros no longo prazo. Se as emissões de gases de efeito estufa (GEE) continuarem a provocar o aumento do aquecimento global no ritmo atual, o degelo na Antártica pode contribuir para que o nível médio do mar suba 2 metros até 2100 e em mais de 15 metros até 2500.
Estes números são bem superiores àqueles apresentados no relatório do IPCC de 2013 que estimou um aumento máximo de 1 metro do nível do mar até 2100, isto se não houvesse uma mudança do degelo da Antártica. As novas pesquisas apontam um quadro mais dramática do derretimento da calota polar e novos números devem surgir no próximo relatório do IPCC.
De acordo com uma nova modelagem apresentada em um estudo recente publicado na revista Nature, pelos pesquisadores americanos Robert M. DeConto e David Pollard (31/03/216), um colapso dos mantos de gelo da Antártica pode fazer o nível do mar subir até dois metros até 2100 (1 metro só com o degelo da Antártica) e em mais de 15 metros até 2500, caso as emissões de carbono não sejam cortadas. O colapso de porções do manto de gelo antártico, em especial na chamada Antártida Ocidental, poderia elevar o nível do mar em 5 metros. A Antártida Oriental, mais fria e com maior volume de gelo tem potencial para gerar outros 55 metros de subida dos oceanos.
Assim, nos últimos três anos, cresceu a preocupação de que as geleiras ocidentais possam entrar em colapso irreversível, devido à maior quantidade de água quente do mar entrando em forma de cunha sob as plataformas de gelo, degelando-as de baixo para cima. Assim, mesmo sendo pequeno o degelo superficial, o colapso de plataformas inteiras pode provocar um enorme desastre ambiental.
Em setembro de 2016, após o inverno antártico, os satélites revelaram uma enorme fenda no gelo da Plataforma Larsen C no lado leste da península Antártica. As imagens revelaram que a fissura tinha crescido em cerca de 13 milhas ao longo de poucos meses. Isto pode levar ao rompimento da geleira muito maior do que suas vizinhas Larsen A e B, que colapsaram em 1995 e 2002, acelerando a subida do nível do mar.
O segundo semestre de 2016 marcou o recorde de degelo na Antártica, ficando bem abaixo da média de 1979-2008, conforme pode ser visto no gráfico abaixo.
Desta forma, mesmo que o aquecimento global seja limitado à meta de 2º C, estabelecido no Acordo de Paris, o nível dos oceanos vai subir e pode provocar o deslocamento de 20% da população mundial devido à inundação das regiões costeiras especialmente em grandes cidades como Nova Iorque, Boston, Londres, Xangai, Bangkok, Mumbai, Rio de Janeiro, etc., conforme mostra artigo de Damian Carrington (The Guardian) expresso no mapa abaixo.
Um dos países que serão mais afetados pela elevação do nível do mar é Bangladesh que tem uma área de 144 mil km2 e uma população de mais de 150 milhões de habitantes. Como o país conta com a maior parte do seu território próximo do nível do mar e ainda com grandes rios, como Ganges, Bramaputra e Meghna, sua costa é uma imensa selva pantanosa e sujeita a inundações. As terras de aluvião são muito férteis, mas, ao mesmo tempo, muito vulneráveis às mudanças climáticas. Se o nível do mar subir 2 metros a cidade de Khulna será a mais atingida, mas a capital, Daca, também pode sofrer muito, pois está apenas a 4 metros do nível do mar. No total, o aumento do nível do mar pode afetar 80% da população de Bangladesh.
A cidade de Calcutá na Índia deve ser o município mais afetado do mundo e pode ter mais de 15 milhões de pessoas refugiadas até o final do século XXI.
Infelizmente, estes cenários catastróficos estão ficando cada vez mais prováveis. Estudo liderado por Peter U. Clark e publicado na revista Nature Climate Change (08/02/2016), mostra que, mesmo com a mudança climática limitada a 2º C, o nível do mar poderá subir 25 metros ao longo dos próximos 2.000 anos e permanecer neste nível por pelo menos 10.000 anos, a mesma idade do Holoceno. Se a queima de carvão, petróleo e gás não for controlada, o mar poderá subir 50 metros nos próximos dois mil anos, reconfigurando completamente o mapa Mundi. Segundo os autores, de longe, o maior contribuinte para o aumento do nível do mar – cerca de 80% – seria o derretimento da camada de gelo da Antártica.
Outro estudo recente publicado na mesma revista Nature Climate Change, liderado por Johannes Fürst, mostra que alguns grandes lençóis de gelo da Antártida estão perigosamente perto de perder as plataformas de gelo do mar que impedem o seu fluxo para o oceano. As grandes plataformas de gelo flutuantes do mar ao redor da Antártida fornecer contrafortes para as geleiras e camadas de gelo no continente. Mas tudo pode mudar, como aconteceu com a plataforma Larsen B, em 2002, o que aumentaria a velocidade do fluxo no oceano em oito vezes.
Os pesquisadores argumentam que uma nova revolução industrial seria necessária para permitir uma mudança na matriz energética e uma economia de baixo carbono. Mas dada a dimensão do problema as ações terão que ir muito além das soluções tradicionais. Só o decrescimento demoeconômico e uma mudança geral no padrão de produção e consumo podem evitar uma tragédia colossal.
Referências:
Damian Carrington. Sea-level rise ‘could last twice as long as human history’, The Guardian, Monday 8 February 2016
Johannes Jakob Fürst et. al. The safety band of Antarctic ice shelves, Nature Climate Change, 08/02/2016, DOI: 10.1038/NCLIMATE2912
Peter U. Clark et. al. Consequences of twenty-first-century policy for multi-millennial climate and sea-level change, Nature Climate Change, 08/02/2016, DOI: 10.1038/NCLIMATE2923
Robert M. DeConto & David Pollard. Contribution of Antarctica to past and future sea-level rise, Nature, 531, 591–597 (31 March 2016) DOI:10.1038/nature17145
Andrea Thompson. Rift Speeds Up Across Antarctic Ice Shelf, Climate Central, 30/09/2016
Brian Clark Howard. Climate Change Captured in Stunning Antarctic Ice Photos, National Geographic, 03/11/2016
ABIGAIL BEALL. The Antarctic melt revealed: Dramatic Nasa images claim to show staggering loss of ice at the south pole, Daily Mail, 24 November 2016
Alexandre Costa. Cadê o gelo que estava aqui?, parte II, 17 de novembro de 2016
J. C. Comiso et. al. Current State of the Sea Ice Cover, GSFC/NASA, dez 2016
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 16/12/2016
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Desde o último relatório do IPCC foram lançados vários artigos científicos importantes tentando quantificar o degelo, e estimar qual o ritmo em que o aumento do mar pode ser esperado. Em 2013 alguns cientistas já reclamavam que o IPCC tinha sido conservador demais, tendendo para o cenário mais otimista em todas as áreas em que havia incertezas maiores. Agora no final de 2016, nem os cientistas mais conservadores (falando de cientistas. Político a desgraça é outra) falam em níveis de aumento do mar tão modestos quanto os previstos em 2013 pelo IPCC (em 2013, uns 60% achavam que as coisas iam ser lentas, no nível previsto pelo IPCC. Hoje em dia, em pesquisas feitas em fóruns de cientistas como o ASIF, são menos de 5% que acreditam em um aumento de apenas um metro até 2100).
Pior não é o aumento que deve vir para os próximos 2000 anos… pois se fosse isso, o aumento poderia ainda ser lento o suficiente para adaptarmo-nos fácil. O pior é a possibilidade de que o aumento seja realmente exponencial, como os gráficos começam a indicar agora, e que ocorram eventos de Heinrich (com grandes glaciares caindo de uma vez só no oceano, não só aumentando o nível do mar como causando tsunamis) ainda neste século (tem quem ache que seja possível isso começar por volta de 2060).
Gostaria de entender melhor essa matéria. Se a maior parte do manto de gelo esta sobre o continente, como que as águas quentes entram em forma de cunha degelando de baixo para cima?
Alguém pode descrever o que acontecerá com os ventos polares (vindos é claro da Antártida) sobre o Rio G.Sul ?