Pelas barbas do Fidel, artigo de Daniel Clemente
[EcoDebate] Quando a Gilette, empresa fabricante de lâmina de barbear, se apresentou ao mundo na alvorada do século XX, começou a difundir junto com o seu produto um novo conceito de higiene pessoal. Aos homens passou a ser recomendado a retirada da barba sob alegação de anular o foco de bactérias nocivas à saúde, alojadas no rosto com o acúmulo excessivo de pelos. De autoridade estética a depósito de doenças, após séculos como expoente da legitimidade visual masculina, a barba foi condenada ao desuso.
Logo os quartéis aderiram, suprimindo integralmente o uso da barba e impondo penas duríssimas aos fardados subordinados: o rosto liso, sem pelos, tornou-se obrigação de tal importância quanto atirar com precisão no alvo. Outros mantenedores da ordem social também fizeram uso sistemático da lâmina de barbear: a elite financeira e política desnudou suas faces moldando toda a sociedade que os seguem, e a nova tendência ditada por interesse comercial se fez regra reinante na primeira metade do século passado.
Mas a geografia caribenha foi palco da insurreição “da barba”. Os relatos históricos soavam como romance triunfalista, o mundo dos sonhos utópicos perante a realidade, a quebra da ordem e servidão num ato de rebelião impulsionada pelo grito de liberdade, o controle do destino manuseado, era a troca da lâmina de barbear pelo fuzil. Centenas de homens barbudos liderados por Fidel Castro desceram das regiões montanhosas da Ilha de Cuba em direção à capital Havana, assim como a nascente do rio liga suas águas ao mar, foi o desfecho vitorioso da Revolução Cubana.
Aos pés do monumento póstumo a Abraham Lincoln, nos EUA, o jovem líder revolucionário Fidel Castro, aos trinta e dois anos de idade, estrategicamente deposita uma coroa de flores. Era o início da disputa entre Davi e Golias. A adesão à luta revolucionária em Cuba crescia tão velozmente quanto as barbas, a busca apaixonada pela emancipação territorial tornou a morte uma obsessão. Aos gritos de “Pátria ou Morte”, os barbudos caribenhos impulsionaram a corrida armamentista ao ponto de proporcionar a maior crise nuclear da história da humanidade: Setenta e dois mísseis soviéticos foram instalados em Cuba. Logo os EUA reprimiram. Quase eclodiu a terceira guerra mundial.
Por décadas seguintes a barba tornou-se símbolo de rebeldia para diversas gerações, foi a estética do rompimento com a ordem. Jovens universitários em busca de horizontes, líderes sindicais reivindicando direitos e ganhos trabalhistas, intelectuais divergindo e convergindo entre teoria e prática, artistas transformando ideias em apresentações artísticas. Em comum, a barba, o sonho representado no rosto de cada indivíduo que ousava lutar e vencer.
Fidel Castro deixou um legado de histórias e contradições. Neste momento, a nostalgia pode levar a um passado inexistente, onde busca-se perfeição a ser aplicada no presente, combustível para propagar objetivos reacionários. Fidel errou, acertou, perdeu, venceu, foi um lutador com armas e argumentos de seu tempo, e nunca deixou de se reinventar. As barbas adquiriram outros valores, mas os sonhos de outro mundo possível continuam.
Hasta La Victória. Siempre!
Daniel Carlos Clemente
Professor de História
Colégio Adventista de Santos
www.danielcarlosclemente.com
in EcoDebate, 09/12/2016
[cite]
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Prezado Daniel Carlos Clemente (Professor de História), parabenizo-o pelo belo artigo publicado.