Novo desenvolvimentismo, parte 2/3, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] OREIRO (2012) explica que a taxa de crescimento de longo prazo do nível de renda e produção será uma média ponderada entre a taxa de crescimento das exportações e a taxa de crescimento dos gastos do governo.
Dada a distribuição funcional de renda, a taxa de crescimento de longo prazo numa economia em desenvolvimento, que não dispõe de uma moeda aceita como reserva de valor internacional, é determinada pela taxa de crescimento das exportações.
Isso porque se a taxa de crescimento dos gastos do governo for maior do que a taxa de crescimento das exportações, então o produto e a renda doméstica crescerão mais rapidamente do que as exportações.
Se a elasticidade renda das importações for maior, então as importações crescerão mais do que as exportações, gerando um déficit comercial crescente e insustentável no longo prazo.
Dessa forma, um crescimento sustentável do ponto de vista do balanço de pagamentos tem que ser necessariamente impulsionado pelas exportações. Se isso ocorrer, se tem segundo OREIRO (2012), um regime de crescimento chamado “export-led”.
Essa relação de longo prazo entre crescimento econômico e demanda autônoma pode ser afetada por variações na distribuição funcional de renda. Um aumento da participação dos salários na renda induzirá um aumento temporário da taxa de crescimento dos gastos de consumo, uma vez que a propensão a consumir a partir dos salários é maior do que a propensão a consumir a partir dos lucros.
Um aumento da participação dos salários na renda também gera uma apreciação da taxa real de câmbio, a qual resultará numa redução da taxa de crescimento das exportações.
Se o efeito positivo do aumento da participação dos salários na renda sobre o consumo for superior ao efeito negativo desse aumento sobre as exportações, então a economia apresentará um regime de crescimento do tipo “wage-led”, um regime de crescimento no qual o aumento da participação dos salários na renda impulsiona a expansão do nível de renda e de emprego.
Caso contrário, a economia apresentará um regime de crescimento do tipo “profit-led”, um regime de crescimento no qual o aumento da participação dos lucros na renda é o fator que impulsiona o crescimento da renda e da produção.
Segundo OREIRO (2012), um regime de crescimento do tipo “wage-led” é insustentável no longo prazo. Porque um aumento cumulativo da participação dos salários na renda, condição necessária para a ocorrência de um crescimento autônomo dos gastos de consumo, é econômica e politicamente inviável.
Do ponto de vista econômico, um aumento cumulativo da participação dos salários na renda resultará, em algum momento, numa tendência a queda da taxa de lucro. Quando a taxa de lucro cair abaixo do nível mínimo necessário à continuidade da acumulação de capital, então o investimento privado cessará, interrompendo assim o crescimento do nível de renda e de produção.
Do ponto de vista político, haverá reação à queda continuada da taxa de lucro, aumentando a instabilidade política prevalecente na economia. Nessas condições, a continuidade de um regime de crescimento do tipo “wage-led” pode ser interrompida por eventos exógenos originados da esfera política da sociedade.
Um aumento cumulativo da participação dos salários na renda está associado a uma tendência a apreciação da taxa real de câmbio, a qual poderá impactar o grau de especialização produtiva da economia, induzindo assim uma transferência de atividades produtivas para o exterior, levando a um processo de desindustrialização.
Como consequência da desindustrialização, a elasticidade renda das exportações irá se reduzir e a elasticidade renda das importações aumentará, levando assim a uma redução da taxa de crescimento que é compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos.
Dessa forma, a continuidade do regime “wage-led” levará, mais cedo ou mais tarde, ao estrangulamento externo e a uma crise de balanço de pagamentos.
Para o caso de economias em desenvolvimento que não dispõem de moeda conversível, o único regime de crescimento que é sustentável no longo prazo é o “export-led”. Como a existência desse regime é compatível com a estabilidade da distribuição funcional da renda, a adoção desse regime de crescimento não inviabiliza a adoção de uma política salarial na qual o crescimento do salário real esteja atrelado ao crescimento da produtividade do trabalho.
Um regime de política macroeconômica é dito ideal, quando atende a condições fundamentais como a consistência entre as metas operacionais das diversas políticas macroeconômicas e a sustentabilidade do padrão de crescimento econômico no longo prazo.
No caso das economias em desenvolvimento, uma meta operacional extremamente importante para a sustentabilidade do padrão de crescimento no longo prazo é a meta de taxa de câmbio real efetiva.
OREIRO (2012) declara que se o regime de política macroeconômica for inconsistente e o “policy-maker” decidir sacrificar o câmbio em prol da obtenção de outra meta, então a sustentabilidade do crescimento no longo prazo poderá ser ameaçada pelo estrangulamento externo e pela crise de balanço de pagamentos.
Referências:
BARBOSA-FILHO, N. H., Inflation targeting in Brazil: 1999-2006. In: EPSTEIN, G; YELDAN, A. E. (Org.) Beyond inflation targeting. Aldershot: Edward Elgar, 2009.
BRESSER-PEREIRA, L. C., O novo-desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.20, n.3, 2006.
HARROD, R., An essay in Dynamic Theory. The Economic Journal, v. 49, 1939.
HERR, H. e KAZANDZISKA, M., Macroeconomic policy regimes in western industrial countries. London: Routdlege, 2011.
KALDOR, N., The role of effective demand in the short and long-run growth. In: BARRÉRE, A. (Org.) The foundations of keynesian analysis. London: Macmillan Press, 1988.
LEDESMA, M. L., Accumulation, innovation and catching-up: an extended cumulative growth model. Cambridge Journal of Economics, v.26, n.2, 2002.
OREIRO, J. L. et al., A economia brasileira puxada pela demanda agregada. Revista de Economia Política, v. 30, n. 4, 2010.
POLLIN, R. e ZHU, A., Inflation and economic growth: a cross-country non-linear analysis. In: Epstein, G.; Yeldan, A.E. (Org.) Beyond inflation targeting. Aldershot: Edward Elgar, 2009.
OREIRO, José Luis da Costa, Novo-desenvolvimentismo, crescimento econômico e regimes de política macroeconômica, Estud. av. vol.26 no.75 São Paulo, May/Aug. 2012, http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142012000200003
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Nota da Redação: Sugerimos que leiam, também, o artigo anterior desta série:
Novo desenvolvimentismo, parte 1/3
in EcoDebate, 07/12/2016
[cite]
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.