Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 6/6 (Final), artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] BORINELLI (2007) afirma que alguns estudos têm dado importante ajuda para a compreensão das relações entre as instituições políticas e econômicas e a crise ambiental, como é o caso de HAY (1994), DRYZEK (1992), BENTON (1994) e GOLDBLATT (1996).
Para este último, por exemplo, uma avaliação mais sistemática de como a política nas sociedades está relacionada com a degradação ambiental deve incluir a relação entre as políticas democráticas e as implicações das políticas eleitorais e representativas para o processo de degradação ambiental.
Isto diz respeito às questões de controle sobre o território, regulação ou não da propriedade e dos mercados, controle político das externalidades e controle político das diretrizes econômicas, particularmente a gestão do crescimento econômico.
Qualquer semelhança com situações vividas é mera coincidência conceitual.
Agora parece igualmente válida a contribuição elucidadora de Benton quando descreve o papel do determinismo tecnológico atualmente, um dos motores das mudanças culturais e econômicas das sociedades contemporâneas e de seus riscos. Que as vezes ganha o apanágio da denominação de “inovação tecnológica”.
A aparência da ciência e tecnologia como áreas autônomas nessas sociedades se dá porque a concentração de poder econômico e político impedem um debate público ou processo decisório coletivo sobre estas questões.
As medidas para mitigar a degradação ambiental podem existir, mas elas não podem contemplar linhas qualitativamente diferentes de mudanças econômicas e socioculturais.
A “gestão ambiental” branda pode ser vista como uma estratégia global para assegurar e regular a sustentabilidade de longo prazo de um conjunto particular da cultura humana e seus interesses políticos e econômicos dominantes (BENTON, 1994).
BORINELLI (2007) determina que se operam as tensões crescentes em torno das diferenças socioambientais dentro dos países e entre eles, bem como suas repercussões sobre as origens e as propostas de reversão das ameaças da sociedade de risco. Assim, tal leitura também deve ser útil para refletir sobre propostas como a da “sub-política” de Beck.
O desprezo dos efeitos das desigualdades sociais, seja na concepção e mudança das instituições, seja entre os não-experts, seja na relação entre estes e as instituições, tem rendido à proposta da sub-política de Beck críticas de “fé ingênua” e “proposta irrealista”.
Mas não se acredita que esta abordagem seja consequente. É claro que não se imagina que a sociedade vá se alterar depois de uma assembleia de grandes acionistas de empreendimentos da atual autopoiese social.
Em meio a um discurso dual, tende a prevalecer na sub-política a ideia de que com a modernização reflexiva as instituições partiriam do “zero” num percurso linear em direção a uma sociedade reflexiva (LEROY e BLOWERS, 1998).
Como também revela GUIVANT (2001, p. 7) em sua análise dos trabalhos recentes de Beck, as soluções propostas em termos da sub-política “permanecem num plano de alta generalidade e, portanto, mais parecem próximas de uma utopia do que uma viável reinvenção da política.”
De fato, a descrição do determinismo tecnológico de Benton e as avaliações do desempenho dos movimentos sociais sugerem, nas condições assumidas até aqui, que é mais provável que esses atores da sub-política sejam institucionalizados, como muitas vezes parece que já se observa.
BORINELLI (2007) ressalta que o resultado de sua normatização e disciplinamento são incorporados no sistema de processo decisório.
As possibilidades de participação nos processos abertos pela crise de confiança e esvaziamento das instituições nas últimas décadas, têm sido aproveitadas, e não poderia ser diferente, conforme a configuração institucional das assimetrias presentes nas relações sociais da sociedade.
A crise institucional prevista na modernização reflexiva é comprovável. E também é o fato de que esta crise não se dá de forma linear sobre o sistema institucional constituído na modernidade, mas vem se observando uma nova rodada de transformações de grande escopo onde as instituições do mercado e redes sociais são elevadas ao primeiro escalão na definição das premissas do ordenamento sociocultural, como ressaltado por SANTOS (1995).
Se assiste a uma conflituosa naturalização da economia. Só resta acreditar na complexa civilização humana e seus multifacetados e criativos arranjos.
CONCLUSÃO
BORINELLI (2007) assevera finalizando, que as reflexões até aqui apresentados procuraram clarear os percursos da análise institucional presentes nas abordagens da sociologia ambiental norte-americana e na modernização reflexiva.
Estas abordagens identificam a causa da crise ambiental no sistema institucional forjado no ocidente, preconizando a sua transformação como condição necessária para o enfrentamento da degradação ambiental.
Reconhecendo como principais elementos deste sistema institucional a cultura, a ciência e tecnologia, o estado moderno, a economia capitalista e a industrialização, estas abordagens dão ênfase explicativas diferenciadas para a crise ambiental.
Assim, na sociologia ambiental norte-americana, Catton e Dunlap detém-se no sistema cultural e nas relações entre estado e economia enquanto na modernização reflexiva, Beck e sua sociedade de risco enfatizam o papel da ciência e tecnologia, do Estado e da sociedade civil, enquanto na modernização ecológica de Mol, são evidenciados a ciência, a tecnologia e a economia de mercado.
Contudo, todas estas abordagens dão pouca atenção às relações de poder entre os sistemas político e econômico e a desigualdade social decorrente destas relações, com sérias implicações para a interpretação e a transformação das instituições vigentes.
BORINELLI (2007) ressalta que as instituições não só representam as regras do jogo social, mas são definidas e redefinidas socialmente numa tensa correlação de forças sociais contraditórias.
As instituições, portanto, trazem materializadas em seus estatutos e operações tais premissas contraditórias que, no caso da sociedade capitalista, tendem a se autoproduzir dinamicamente e assim replicar as desigualdades inerentes que se acumulam e se expandem.
Por isso se acredita que um outro mundo é possível, mesmo dentro da livre iniciativa. Ocorre enfatizar que nada é contra a livre-iniciativa. Que sem dúvida sempre foi e parece que sempre será o sistema que melhor recepciona a liberdade e a democracia. Mas uma nova autopoiese sistêmica para o complexo e delicado arranjo social, é urgente e indispensável.
Não é preciso esperar catástrofe ecológica ou hecatombe civilizatória para determinar nova autopoiese sistêmica. Mas se a alternativa for esperar, apenas vai ser mais traumático e onerosa a travessia.
A civilização humana determinará nova autopoiese sistêmica, na leitura livre das concepções de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio social. Com relevante participação dos novos mecanismos de mobilização comunitários, solidários e sociológicos.
Uma melhor compreensão da dinâmica institucional nas sociedades modernas e de sua transformação, necessita dar maior importância às imbricações entre as instituições políticas e econômicas, suas interdependências e suas afinidades com a degradação ambiental.
A maior atenção à constituição das relações de poder social remete com a aproximação com as teorias da sociologia tradicional, o que já vem sendo previsto na literatura (BUTTEL, 2000).
Estas afirmações vêm ao encontro de várias sugestões sobre a necessidade de futuras pesquisas na sociologia ambiental que enfatizem a incorporação mais explícita das relações de poder, do poder social e política ambiental global (HANNIGAN, 1997), as contradições das práticas estatais quando se trata da qualidade ambiental (BUTTEL, 2000; HAY, 1994), entre outros.
É preciso catalogar a produção e gestão dos riscos em contextos institucionais de países como o Brasil, onde vigoram a instabilidade do aparato institucional formal, contrastando com a existência de fortes instituições informais excludentes, tal qual o patrimonialismo e o clientelismo e os elevados índices de desigualdade de renda, social, educacional, entre outros.
Estes contextos se tornaram mais complexos, com advento da globalização econômica e da pulverização de uma nova ordem de riscos, como assinala Beck.
É nesse sentido também que a problemática e crise ambientais desafiam instituições da modernidade como o Estado e a política social. Se os marcos dessas instituições são seriamente questionáveis do ponto de vista ambiental, é urgente dedicar mais energia para se repensar que Estado e que política social seriam necessários para se assegurar uma sociedade democrática e sustentável.
BORINELLI (2007) ressalta a importância das instituições, num sentido mais amplo, que estão inscritas no resgate reflexivo social, político, econômico e ambiental da ideia de futuro, no desejo, na esperança e, sobretudo, na necessidade do encaminhamento de uma ordenação temporal-espacial necessária à vida em uma sociedade multicultural e complexa.
Como sempre a história demonstra, é preciso acredita na exuberante civilização humana, mesmo que não se possa impor o “timing” e a forma adequados para as modificações necessárias.
Referências:
ACSELRAD, H. Justiça ambiental: ação coletiva e estratégias argumentativas. In: ACSELRAD, H.; HERCULANO, S.; PÁDUA, J. A. (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004.
BECK, U. Teoria da Modernização Reflexiva. In. GIDDENS, A, BECK, U., LASCH, S. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.
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BUTTEL, F. H. Sociologia ambiental, Qualidade Ambiental, e Qualidade de Vida: Algumas observações Teóricas. In. QUALIDADE de Vida e Riscos Ambientais. Selene C. Herculano, Marcelo Firpo de Souza Porto, Carlos Machado de Freitas (orgs). Niterói: EdUFF, 2000.
DUNLAP, R. E. The evolution of environmental sociology: a brief history and assessment of the American experience. In. REDCLIFT, M. & WOODGATE, G. (orgs.). The International Handbook of Environmental Sociology. UK: Edward Elgar, 1997.
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GUIVANT, J. S. A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. Estudos Sociedade e Agricultura, n. 16, abr. 2001, p. 95-112.
HANNIGAN, J. Environmental Sociology London: Routledge, 1997.
HAY, C. Environmental security and state legitimacy. Capitalism, Nature, Socialism, vol. 5 (1), mar. 1994, p. 83-97.
LASCH, S. Sistemas especialistas ou interpretação situada? Cultura e instituições no capitalismo desorganizado. In. GIDDENS, A, BECK, U., LASCH, S. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.
LIMA, G. F. C. e PORTILHO, F. Sociologia Ambiental: formação, dilemas e perspectivas. Revista Teoria & Sociedade. UFMG. Belo Horizonte, n.7, jun. 2001, p. 241-276.
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BORINELLI, Benilson, Instituições e Crise Ambiental: Contribuições da Sociologia Ambiental, Serviço Social em Revista, Volume 9 – Número 2, Jan/Jun 2007
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Nota da Redação: Sugerimos que leiam, também, os artigos anteriores desta série:
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 1/6
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 2/6
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 3/6
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 4/6
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 5/6
in EcoDebate, 02/12/2016
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