Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 5/6, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] BORINELLI (2007) manifesta que a teoria sociológica ambiental norte-americana deu pouca atenção aos processos de melhoramento ambiental e desenvolveu uma visão reducionista do papel das instituições políticas (BUTTEL, 2000).
Por outro lado, ao tentar remediar estes limites, as teorias derivadas da “modernização reflexiva” avançaram no campo da compreensão teórica e prática para o melhoramento ambiental, deixando à mostra seus maiores limites e fonte de críticas.
A modernização reflexiva costuma contrastar o otimismo da modernização ecológica com o pessimismo e fatalismo da sociedade de risco de Beck. Este pessimismo contrasta não só com outras teorias, mas com as próprias previsões de Beck.
Este pessimismo é atribuído aos impressionantes e ameaçadores riscos da moderna tecnologia, à dominação dos “experts” e à dependência em relação aos sistemas “experts”, ou ultra-especialização reducionista.
Os conflitos a serem enfrentados por uma sub-política na sociedade de risco são mencionados na obra de Beck. O que se pode chamar de brechas de pessimismo quanto às chances de reversão ou controle democrático dos riscos ambientais defendidas por Beck, podem ser exemplificadas em algumas passagens.
Como afirma Beck reiteradamente, a modernização reflexiva não é uma época portadora de promessa, desejo, um paraíso onde os infortúnios diluem-se, mas um diagnóstico. As instituições da sociedade industrial passam ser marcos abertos à decisão, criatividade e ação dos indivíduos, no entanto, com ela surgem novas histerias e reflexos de derrota e enclausuramentos nas velhas disposições (BECK, 1997).
Outro exemplo é de como os conflitos tendem a ser resolvidos nas instituições da sociedade de risco. Trata-se do que Beck entende por uma “irresponsabilidade organizada” do sistema institucional.
… a coalizão das empresas, dos políticos e dos especialistas, que criam os perigos da sociedade contemporânea, constrói um conjunto de discursos de isenção de tal responsabilidade. Assim fazendo, transformam os “perigos” que eles próprios criaram em perigos de “riscos” do tipo, por assim dizer, que fumantes e jogadores assumem (LASCH, 1997, p. 239).
A base da crítica direta ou indireta feita por vários autores à negligência da teoria da modernização reflexiva em tratar das relações entre o político e o econômico (GOLDBLATT, 1996; LASCH, 1997; HANNIGAN, 1997; LEROY e BROWERS, 1998; BUTTEL, 2000; GUIVANT, 2001).
As relações entre o político e o econômico podem ser vistas como diretamente relacionadas às desigualdades políticas, sociais e econômicas e seus efeitos sobre a forma de conceber e transformar as instituições em diversos níveis.
BORINELLI (2007) expõe que a ausência da análise aprofundada da desigualdade social, política e econômica num momento em que a lógica das instituições econômicas penetram como se fosse água ou um gás nos mais recônditos espaços da existência humana e do mundo natural, parece uma provocação, principalmente para os habitantes das regiões do planeta mais expostas aos efeitos da degradação ambiental.
Não há dúvida de que os problemas ambientais representam problemas reais.
Isto pode ser revelado no caráter “antieconômico” que estes problemas podem assumir, inviabilizando os fluxos de produção, distribuição e consumo (DALY, 1997), em seu potencial para desencadear conflitos políticos de grandes proporções, ou mesmo fugindo ao controle dos mecanismos sociais e das intervenções científico-administrativas e de seus ideólogos, em desastres com consequências globais irreversíveis.
O socialismo que ocorreu na civilização humana, também incrementava a necessidade de crescimento contínuo, incompatível com o caráter finito dos recursos naturais. Ainda acrescido da falta de liberdade, efeméride crucial para evitar a degradação ambiental.
No entanto, civilização humana determinará nova autopoiese sistêmica, na acepção livre destes conceitos, de Ulrich Beck aqui expostos e de controversa compreensão.
Que confronte e contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio, pois este “sistema” vai acabar impondo uma nova metamorfose efetiva.
A abordagem sociológica e antropológica alicerça movimentos da sociedade que propugnam alterações ideológicas como apanágios para a solução de problemas ambientais. Conforme se observa acima, o cerne central do problema não é abordado.
E acaba não se viabilizando encaminhamento de soluções, pois tanto vertentes socialistas como da livre iniciativa rezam pela cartilha de crescimento permanente como forma de incrementar círculos econômicos virtuosos. E isto é incompatível com a natureza.
Giddens, e Beck, embora considerem a vigência do capitalismo e até a sua superioridade social de suas instituições, não fazem uma demonstração sistemática das conexões entre a política e a evolução da degradação ambiental (GOLDBLATT, 1996).
Contudo, não se pode subestimar o poderoso poder de inércia deste sistema institucional, seus condicionamentos estruturais, sua capacidade de diferenciação e de autorregeneração e seus mecanismos seletivos, aspectos pouco abordados e aprofundados nas teorias aqui apresentadas, conforme BORINELLI (2007).
Não se pode subestimar a capacidade de autorreprodução do sistema institucional hegemônico, ou, pelo menos, tem ascendência na definição e redefinição das possíveis regras normativas. Por isso se fala em nova autopoiese sistêmica.
Parece não ser absurdo pensar que o difícil relacionamento entre a sociologia clássica e a sociologia ambiental tenha como causas não só problemas teórico-epistemológicos e acadêmicos-institucionais.
Mas também preocupações em não macular politicamente a capacidade de mobilização das alternativas com a crítica radical das contradições sociais, reascendendo a recorrente suspeita do efeito “melancia” (verde por fora e vermelho por dentro).
BORINELLI (2007) diz que neste caso, também a tensão entre os interesses sociais atravessa e manifesta-se na elaboração teórica analítica e normativa da degradação ambiental.
O eufórico triunfalismo da modernização ecológica de Mol é um bom exemplo disso. O seu otimismo na modernização ecológica é proporcional à aversão às alternativas “que levem para além da ordem mundial global moderna”.
Como parte da premissa de uma abordagem consensual, participativa e colaborativa para a solução do problema ambiental, o conflito político é uma não-questão para a modernização ecológica (LEROY e BLOWERS, 1998). Não se pretende ter a hegemonia da razão, mas humildemente contribuir para a formulação de alternativas e concepções.
Referências:
ACSELRAD, H., Justiça ambiental: ação coletiva e estratégias argumentativas. In: ACSELRAD, H.; HERCULANO, S.; PÁDUA, J. A. (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004.
BECK, U., Teoria da Modernização Reflexiva. In. GIDDENS, A, BECK, U., LASCH, S. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.
BECK, U., Risk Society: Towards a new modernity. Londres: Sage Publications, 1992.
BUTTEL, F. H., Sociologia ambiental, Qualidade Ambiental, e Qualidade de Vida: Algumas observações Teóricas. In. QUALIDADE de Vida e Riscos Ambientais. Selene C. Herculano, Marcelo Firpo de Souza Porto, Carlos Machado de Freitas (orgs). Niterói: EdUFF, 2000.
DUNLAP, R. E., The evolution of environmental sociology: a brief history and assessment of the American experience. In. REDCLIFT, M. & WOODGATE, G. (orgs.). The International Handbook of Environmental Sociology. UK: Edward Elgar, 1997.
DALY, H. (org.) Medio ambiente y desarrollo sostenible. Trotta Ed., Madrid, 1997.
DRYZEK, J., Ecology e Discursive Democracy: beyond liberal capitalism and the administrative state. Capitalism, Nature Socialism, v. 3/2, n.10, 1992, p. 18-42
GIDDENS, A., As Consequências da Modernidade. São Paulo: Ed Unesp, 1991.
GOLDBLATT, D., Social Theory and the Environment. London: Polity Press, 1996.
GUIVANT, J. S., A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. Estudos Sociedade e Agricultura, n. 16, abr. 2001, p. 95-112.
HANNIGAN, J., Environmental Sociology London: Routledge, 1997.
HAY, C. Environmental security and state legitimacy. Capitalism, Nature, Socialism, vol. 5 (1), mar. 1994, p. 83-97.
LASCH, S., Sistemas especialistas ou interpretação situada? Cultura e instituições no capitalismo desorganizado. In. GIDDENS, A, BECK, U., LASCH, S. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.
LIMA, G. F. C. e PORTILHO, F., Sociologia Ambiental: formação, dilemas e perspectivas. Revista Teoria & Sociedade. UFMG. Belo Horizonte, n.7, jun. 2001, p. 241-276.
MARTÍNEZ ALIER, J., Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. Blumenau, SC: Ed. FURB, 1998.
MOL, A. P. J., Ecological Modernization industrial transformations and environmental reform. In. REDCLIFT, M. & WOODGATE, G. (orgs.). The International Handbook of Environmental Sociology. Edward Elgar: UK, 1997.
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TOMMASINO, H. e FOLADORI, G.,, Certezas sobre la crisis ambiental. Ambiente & Sociedade, ano 4, n. 8, 1º sem. 2001, p. 49-68.
BORINELLI, Benilson, Instituições e Crise Ambiental: Contribuições da Sociologia Ambiental, Serviço Social em Revista, Volume 9 – Número 2, Jan/Jun 2007
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Nota da Redação: Sugerimos que leiam, também, os artigos anteriores desta série:
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 1/6
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 2/6
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 3/6
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 4/6
in EcoDebate, 01/12/2016
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