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Artigo

Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 4/6, artigo de Roberto Naime

 

artigo

 

[EcoDebate] BORINELLI (2007) afirma que é neste cenário que a sociedade de risco toma forma. A sociologia tradicional, tanto na sua versão marxista como na funcionalista, segundo Beck, está comprometida em seus fundamentos com o consenso em torno da modernidade simples.

A racionalidade teleológica da mudança social não considera as consequências não desejadas tais como riscos, perigos, individualização e globalização, “o que não é tido em conta passa a acumular-se favorecendo uma ruptura estrutural que separa a modernização industrial da segunda modernidade” (BECK, 1997, p.237).

O uso intensivo da ciência e tecnologia, animado pela industrialização capitalista e a racionalização, dará origem a riscos que fogem da capacidade de predição e controle destas, com implicações graves e generalizadas em termos econômicos, sociais e geográficos.

Estes riscos seriam de alta gravidade para a saúde humana e para o meio ambiente, desconhecidos os seus efeitos a longo prazo e possivelmente irreversíveis quando e se descobertos.
Tais riscos dizem respeito, de acordo com Beck, a riscos ecológicos, químicos, nucleares, genéticos e, mais recentemente incorporados, econômicos. Eles são “produzidos industrialmente, externalizados economicamente, individualizados juridicamente, legitimados cientificamente e minimizados politicamente” (GUIVANT, 2001, p. 95).

O reconhecimento público dos resultados inesperados da modernidade é um dos principais precipitadores da sociedade de risco. Se o “reflexo” indica o processo que leva ao questionamento das instituições da modernidade industrial pela percepção dos riscos criados e incontrolados, desencadeando a modernização reflexiva, a “reflexão” indica um processo mais centrado no ator, conforme BORINELLI (2007).

A reflexão na modernização reflexiva compreende “a ‘libertação’ dos atores em relação às classes sociais e outras categorias sócio-estruturais, a consequente construção de novas identidades e papéis, e a formação de novos movimentos sociais em torno de novas identidades e preocupações sobre os riscos” (BUTTEL, 2000, p.35).

Na sociedade industrial as instituições e estruturas seriam reproduzidas pelos atores, ao passo que na sociedade de risco essas estruturas perdem seus pressupostos e passariam a ser transformadas pelos atores, se movendo e dando origem ao que Beck chama de “sub-política”.

A sub-política, as práticas da política cotidiana de atores caracterizados pela individualização dos interesses e conflitos, passaria a coexistir com as instituições políticas convencionais que tendem a se enfraquecer cada vez mais a medida que suas coordenadas de esquerda ou direita perdem utilidade.

Beck descreve as instituições da modernidade, em especial as políticas, como obsoletas, “vazios institucionais”, mas que duram mais que sua utilidade:
“qualquer um que exclua o conceito de uma ‘morte institucional’ se esquece de que estamos lidando com isso em toda parte, nesta época de mudança social radical: instituições zumbis que têm estado clinicamente mortas durante um longo tempo, mas não são capazes de morrer”. (BECK, 1997, p. 54)

Não tem como deixar de registrar que quaisquer semelhanças, são meras coincidências, ou efetividades da descrição arguta e consequente das teorias.

É em resposta à emergência deste vazio político das instituições que ocorre o renascimento não institucional da política ou a reinvenção do político. Grupos autônomos, livres de vinculações com os interesses econômicos e militares, passam a questionar em espaços públicos e avaliações de riscos são apresentadas.

Nas condições da sociedade reflexiva, a maior abertura para a participação dos atores sociais na reforma e funcionamento destas instituições conduziria a uma “tecnologia autônoma”, alcançada graças a um “processo decisório aberto e democrático acerca de suas aplicações e usos”.

Uma política criativa, que projeta e cria novos conteúdos, formas e coalizões dentro e fora do sistema político convencional.

Isto aponta para a criação de governos e instituições abertas, transparentes, que informem o público e alertem as indústrias, não visando banir os riscos, mas incentivando a decisão democrática sobre os riscos que as sociedades desejam enfrentar (GUIVANT, 2001, p.103).

Algumas afirmações gerais podem ser levantadas sobre as semelhanças e as diferenças entre as abordagens esboçadas, especificamente sobre o papel das instituições da modernidade na crise ambiental.

Todas atribuem às instituições da modernidade, a origem, manutenção e agravamento da crise ambiental contemporânea, com duas consequências compartilhadas por quase todas as abordagens.

A reversão de tal crise implica necessariamente na transformação destas instituições e a transformação desejada não poderá surgir exclusivamente das forças internas deste aparato institucional.

Portanto, atores sociais, cidadãos e novos movimentos sociais exerceriam um papel fundamental no desencadeamento da transformação deste aparato.

Em comum o fato de dirigirem suas críticas às instituições da modernidade, as abordagens divergem quanto à denominação e à proeminência das instituições responsáveis pela degradação ambiental.

Outra diferença a se assinalar é justamente a que diz respeito à resposta à questão se as instituições econômicas e políticas fundadas no crescimento são a origem ou a solução para os problemas ambientais.

Responder esta questão é tratar também das possíveis transformações necessárias para o encaminhamento da crise ambiental.

Conforme se depreende, ao contrário das demais abordagens, a modernização ecológica assume uma posição mais flexível e otimista, o crescimento econômico que causa a crise ecológica, sujeito a uma reforma ecológica poderia representar uma solução viável, mesmo que restrita, aos processos de degradação ambiental.

Tudo indica que a instauração de um novo paradigma ecológico ou da individualização reflexiva e do poder de oposição não-institucional da sub-política exigiria uma radical transformação do sistema institucional, podendo tornar-se profundamente subversivas dos sistemas abstratos centrais (GIDDENS,1991).

Chame-se este processo pela denominação que se queira atribuir. Ocorrendo, reforça a crença no processo civilizatório humano.

Referências:

ACSELRAD, H. Justiça ambiental: ação coletiva e estratégias argumentativas. In: ACSELRAD, H.; HERCULANO, S.; PÁDUA, J. A. (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004.

BECK, U. Teoria da Modernização Reflexiva. In. GIDDENS, A, BECK, U., LASCH, S. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.

BECK, U., Risk Society: Towards a new modernity. Londres: Sage Publications, 1992.

BUTTEL, F. H. Sociologia ambiental, Qualidade Ambiental, e Qualidade de Vida: Algumas observações Teóricas. In. QUALIDADE de Vida e Riscos Ambientais. Selene C. Herculano, Marcelo Firpo de Souza Porto, Carlos Machado de Freitas (orgs). Niterói: EdUFF, 2000.

DUNLAP, R. E. The evolution of environmental sociology: a brief history and assessment of the American experience. In. REDCLIFT, M. & WOODGATE, G. (orgs.). The International Handbook of Environmental Sociology. UK: Edward Elgar, 1997.

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GIDDENS, A . As Consequências da Modernidade. São Paulo: Ed Unesp, 1991.

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GUIVANT, J. S. A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. Estudos Sociedade e Agricultura, n. 16, abr. 2001, p. 95-112.

HANNIGAN, J. Environmental Sociology London: Routledge, 1997.

HAY, C. Environmental security and state legitimacy. Capitalism, Nature, Socialism, vol. 5 (1), mar. 1994, p. 83-97.

LASCH, S. Sistemas especialistas ou interpretação situada? Cultura e instituições no capitalismo desorganizado. In. GIDDENS, A, BECK, U., LASCH, S. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.

LIMA, G. F. C. e PORTILHO, F. Sociologia Ambiental: formação, dilemas e perspectivas. Revista Teoria & Sociedade. UFMG. Belo Horizonte, n.7, jun. 2001, p. 241-276.

MARTÍNEZ ALIER, J. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. Blumenau, SC: Ed. FURB, 1998.

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O’DONNELL, G. Uma outra institucionalização. São Paulo, Lua Nova, n 37, 1996, p. 5-32.

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TOMMASINO, H. e FOLADORI, G. Certezas sobre la crisis ambiental. Ambiente & Sociedade, ano 4, n. 8, 1º sem. 2001, p. 49-68.

BORINELLI, Benilson, Instituições e Crise Ambiental: Contribuições da Sociologia Ambiental, Serviço Social em Revista, Volume 9 – Número 2, Jan/Jun 2007

 

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

Nota da Redação: Sugerimos que leiam, também, os artigos anteriores desta série:

Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 1/6

Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 2/6

Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 3/6

 

in EcoDebate, 30/11/2016

[cite]

 

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