Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 3/6, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] BORINELLI (2007) destaca que a modernização reflexiva em suas duas vertentes, sociedade de risco e a modernização ecológica, apesar de certas divergências quanto a aplicação do conceito de modernização reflexiva, concorda em, pelo menos, duas premissas.
Escolhas humanas e institucionais não estão determinadas estruturalmente, mas sim sistemicamente.
A modernização progressiva das sociedades pode solucionar os problemas ambientais (BUTTEL, 2000). A adesão às promessas da modernização reflexiva na reversão da crise ambiental, nas instituições da modernidade simples, tanto na modernização ecológica quanto na sociedade de risco.
A modernização reflexiva refere-se a um novo momento histórico marcado pelo desvanecimento da modernidade industrial, originado e conduzido pelos “efeitos colaterais latentes” desenvolvidos e acumulados durante o processo de modernização autônoma das sociedades industriais ocidentais.
Este novo momento inauguraria a possibilidade de uma autodestruição criadora das instituições da sociedade industrial (BECK, 1997).
A modernização ecológica, inspirada nas mudanças e repostas à crise ambiental no Norte da Europa, sobretudo na Alemanha e Holanda, é a mais otimista das versões da modernização reflexiva quanto às possibilidades favoráveis de uma reforma ecológica das instituições da modernidade.
A proposta geral desta corrente pode ser resumida na seguinte afirmação do sociólogo holandês Arthur P. J. Mol, um de seus mais expressivos representantes.
“sob condições de um capitalismo regulado pelo Estado e pela sociedade, tornado dominante desde a II Guerra Mundial, particularmente nos países da OCDE, as empresas capitalistas contemporâneas, têm provado até agora sua capacidade de familiarizarem-se com os constrangimentos em uma certa medida, sem ficarem privadas das condições favoráveis à produção, a novos mercados ou à lucros crescentes. Em adição, a proteção e a reforma ambientais se comprovaram como um mercado lucrativo para a expansão da eco-indústria. Consequentemente, há razões para acreditar-se que, em termos econômicos, a incorporação da natureza como terceira força de produção, somada ao capital e ao trabalho, no processo econômico capitalista tem se tornado uma proposição crescentemente exequível” (apud BUTTEL, 2000, p. 36).
De acordo com os seus principais autores a modernização ecológica é um conceito que descreve e prega a reforma ecológica articulando novos papéis para as instituições da tecnologia moderna, da economia de mercado e da intervenção estatal (MOL, 1997).
A ciência e a tecnologia são as instituições centrais da reforma ecológica, são as principais instituições de uma economia ecologizada.
Enquanto uma das principais causadoras da crise ambiental, a ciência e a tecnologia têm suas trajetórias alteradas, sendo redirecionadas para o desenvolvimento de processos produtivos e produtos ambientalmente mais sadios e que proporcionem a desmaterialização da produção, ou a desconexão entre fluxos materiais e fluxos econômicos.
A modernização ecológica enfatiza o aumento da importância da dinâmica da economia e do mercado na reforma ecológica e a função de inovadores, empreendedores e outros agentes econômicos como condutores sociais da reestruturação ecológica, em adição ao Estado e aos novos movimentos sociais.
Uma última característica preconizada pela modernização ecológica diz respeito aos movimentos sociais. Com a conversão para a reestruturação ambiental do Estado, da ciência e tecnologia e do mercado, os movimentos sociais deveriam abandonar seu papel de crítico externo ao desenvolvimento social e participar como críticos independentes do desenvolvimento almejado pela modernização ecológica.
Sua maior contribuição estaria na habilidade e poder para gerar idéias alternativas e inovadoras, mobilizar consumidores e organizar o apoio ou a desaprovação à iniciativas públicas e privadas, cooperando com os atores comprometidos com a reforma ambiental (MOL, 1997).
Mol acena com otimismo para as possibilidades da modernização ecológica em países que reunissem as características institucionais descritas. Segundo ele, este modelo é inadequado para países “em desenvolvimento”, uma vez que estes não possuem estas características institucionais. Mas, o fato delas serem amplamente adotadas em países da OCDE não produziria efeitos negativos sobre países em desenvolvimento, mas seriam neutras ou produziriam benefícios para reestruturação ecológica nestes países (MOL, 2000).
Partindo das premissas da modernidade reflexiva, muitas vezes confundindo-se com ela, a teoria da sociedade de risco foi lançada e desenvolvida sobretudo pelo sociólogo alemão Ulrich Beck a partir de meados da década de 1980.
Na chamada modernidade simples triunfaram processos institucionais que vêm impondo determinadas formas de vida universalizadas e princípios sistêmicos de organização, evidenciados em condições de vida e o desenvolvimento das mesmas.
Que se organizam socialmente em classes, a decomposição da ordem tradicional acontece por processo revolucionário ou duradouro e paulatino.
A sociedade moderna é precária porque negativa, revolucionária, e crítica, não tem sentido em si, só o impulso de se auto-transcender; opera por “subsistemas autônomos binariamente codificados”.
Finalmente, estes subsistemas estão dominados por sua própria “legalidade”, o que implica dizer que a lei evolutiva da modernidade simples é poliforma, mas o processo de racionalização é pensado linear e unidimensionalmente no sentido da intensificação do desdobramento do sistema específico da racionalidade teleológica, “o qual supõe mais “inteligentes” e “ecológicas” tecnologias e sistemas técnicos, novos mercados, “experts” e patentes” (BECK,1997, p.39).
Da interpretação livre desta complexa abordagem se simplificam alguns conceitos.
A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade.
A elevação de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda.
Mas este consumismo precisa ser substituído pela idéia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos.
Por isso se sabe que leis e normas e regimes políticos, não vão resolver os problemas, embora sejam relevantes.
O socialismo que ocorreu também incrementava crescimento contínuo, incompatível com o caráter finito dos recursos naturais.
A civilização humana determinará nova autopoiese sistêmica, na acepção livre destes conceitos, de Ulrich Beck aqui expostos e de difícil e polêmica compreensão.
Que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio, pois este “sistema” vai acabar impondo uma nova metamorfose efetiva.
A abordagem sociológica e antropológica alicerça movimentos da sociedade que propugnam alterações ideológicas como apanágios para a solução de problemas ambientais.
E acaba não ocorrendo encaminhamento de soluções, pois tanto vertentes socialistas como da livre iniciativa rezam pela cartilha de crescimento permanente como forma de incrementar círculos econômicos virtuosos. E isto é incompatível com a natureza.
No entanto, as mudanças podem começar logo, juntando as lutas singulares, os esforços diários, os processos de auto-organização e as reformas para retardar a crise, com uma visão centrada numa mudança de civilização e uma nova sociedade em harmonia com a natureza.
Não é preciso esperar catástrofe ecológica ou hecatombe civilizatória para determinar nova autopoiese sistêmica.
A modernização reflexiva, no sentido de um “reflexo”, indica um período em que os riscos e azares produzidos nas sociedades industriais a chamada “modernidade simples”, conduzem ao questionamento das instituições centrais da sociedade.
Tanto a ciência, como a democracia parlamentar, a economia de mercado e o sistema legal.
BORINELLI (2007) argui que desta forma, a radicalização da modernização industrial conduziria a uma autoneutralização e autotransformação dos fundamentos e coordenadas deste sistema e seus efeitos colaterais convertem-se em motor da história social.
As instituições da modernidade, assentadas em responsabilidades, objetivos e interesses sólidos e estáveis como a crença de prever tudo e o desejo de controlar o incontrolável, são incapazes de responder as demandas tradicionais e as novas modalidades de questões e conflitos de riscos.
E enfrentam uma crise de confiança diante da auto-ameaça que passam a representar, conforme explicitam estas correntes de pensamento.
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Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Nota da Redação: Sugerimos que leiam, também, os artigos anteriores desta série:
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 1/6
Crise civilizatória e sociologia ambiental, Parte 2/6
in EcoDebate, 24/11/2016
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