Produção de partículas em nuvens na Amazônia acontece em altas altitudes
Estudo veiculado na revista “Nature” revela que a origem dos aerossóis atmosféricos que alimentam as nuvens da região amazônica em condições livres de poluição está a cerca de 15 mil metros de altitude
Há mais de 25 anos cientistas que estudam a população de partículas e núcleos de condensação de nuvens na Amazônia procuravam os mecanismos de produção dessas partículas. Sabia-se que parte delas vinha da própria floresta, pelas emissões biogênicas, mas os números não fechavam. Faltavam partículas.
Um estudo divulgado na revista Nature solucionou esse mistério que intrigava os pesquisadores. Foi, enfim, descoberta a origem dos aerossóis atmosféricos que alimentam as nuvens da região amazônica em condições livres de poluição, e repõem aqueles que foram retirados pela chuva. E a resposta foi encontrada a cerca de 15 mil metros (m) de altitude.
O professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física (IF) da USP e coautor do artigo, explica que a floresta, em seu metabolismo, naturalmente emite os VOCs (gases conhecidos como compostos orgânicos voláteis, da sigla em inglês), entre eles terpenos e isoprenos. O que a equipe descobriu foi que as nuvens transportam pela forte convecção (movimento vertical de massas de ar) esses gases da superfície para a alta atmosfera, podendo chegar a 15 mil m de altitude. Nessa altitude, a temperatura é em torno de 55°C negativos, o que faz com que gases semivoláteis se condensem e formem novas partículas nanométricas – aerossóis –, entre 1 e 5 nanômetros (nm).
Os aerossóis são fundamentais para a formação das nuvens e para o controle do balanço de radiação solar que atinge a superfície do planeta. Esta radiação fornece ingrediente essencial para a fotossíntese e mantém a temperatura do ecossistema. Elas também são as responsáveis pela formação das gotas de nuvens, atuando como núcleos de condensação. Na Amazônia, as partículas biogênicas primárias emitidas eram insuficientes para nuclear tantas gotículas de nuvens, conforme o estudo. Sem essas gotículas, não há nuvens e não há chuva.
GoAmazon
Essa descoberta foi feita no escopo do experimento Green Ocean Amazon Experiment (GoAmazon), desenhado para estudar o efeito da poluição de Manaus nas propriedades da atmosfera amazônica. Contudo, inesperadamente, os cientistas chegaram a esse novo mecanismo de formação de partículas e aos processos convectivos com nuvens que transportam essas partículas de cima para baixo. Por esses mesmos processos, os VOCs são transportados da superfície da floresta até a alta atmosfera.
A chuva limpa a atmosfera removendo os aerossóis. O mistério era como a atmosfera restabelecia a concentração de aerossóis rapidamente. Este estudo mostra que as nuvens, através de suas correntes descendentes, trazem uma grande concentração de nanopartículas que foram encontradas em alta concentração em altos níveis; essas nanopartículas se combinam com VOCs e crescem rapidamente ao tamanho de núcleos de condensação para auxiliar na formação das nuvens que serão formadas com correntes ascendentes.
Artaxo explica que há muito tempo seu grupo vem tentando medir no solo a formação de novas partículas de aerossóis na Amazônia e o resultado era sempre zero. “As novas partículas nanométricas simplesmente não apareciam. As medições eram sempre feitas em solo ou com aviões voando até no máximo 3 mil m de altura. Mas a resposta, na verdade, estava ainda muito mais no alto da atmosfera amazônica”, disse o pesquisador.
As medidas foram feitas por dois aviões que participaram do experimento GoAmazon2014/15, um deles americano, o Gulfstream-1, pertencente ao Pacific Northwest National Laboratory (PNNL), dos Estados Unidos, cujos resultados figuram no paper. Contudo, um segundo avião, o High Altitude and Long Range Research Aircraft (HALO), confirmou essas medidas por meio de voos a altitudes de até 15 km.
O professor Henrique Barbosa, do IF, é um outro coautor brasileiro do trabalho. Ele explica que o papel da convecção na Amazônia é essencial no transporte vertical de gases, aerossóis e vapor de água. “Convecção é o motor principal da dinâmica das nuvens na Amazônia”, explica Barbosa.
Medidas em solo
Esse resultado descrito no artigo também foi confirmado com medidas de aerossóis em solo realizadas no laboratório Torre Alta de Observação da Amazônia (ATTO, na sigla em inglês), laboratório operado pelo Inpa como parte do experimento LBA. Os dados coletados por essa torre, que possui 320 m de altura e está situada na Reserva Biológica de Uatumã (região central da Amazônia), mostraram que as correntes convectivas descendentes transportam essas nanopartículas até a superfície.
“Essas observações são surpreendentes”, segundo Luiz Augusto Machado, do Inpe, um dos coordenadores do experimento e coautor do estudo, porque quando se ultrapassa a chamada camada limite planetária – altitudes superiores a 2.500 metros – ocorre uma inversão de temperatura que costuma inibir o transporte vertical de partículas. “O transporte através das nuvens convectivas quebra essa barreira e permite ao mecanismo funcionar em regiões tropicais”, acrescenta.
Os VOCs oriundos das plantas fazem parte de um mecanismo fundamental para a produção de aerossóis em áreas continentais. “O conjunto dos VOCs emitidos pela floresta e as nuvens fazem uma dinâmica muito peculiar e produzem enormes quantidades de partículas em altas altitudes, onde acreditava-se que elas não existiriam. São mecanismos biológicos da floresta atuando junto com as nuvens para manter o ecossistema amazônico em funcionamento.” Esses gases são jogados para a alta atmosfera, onde a velocidade do vento é muito grande, e são redistribuídos pelo planeta de forma muito eficiente. “Estamos atualmente realizando trabalhos de modelagem para precisar as regiões afetadas pelas emissões de aerossóis e gases da Amazônia e transportadas pela circulação atmosférica, além do seu papel na formação de nuvens”, salienta Barbosa.
Como tais mecanismos eram até agora desconhecidos, essa produção de aerossóis não está contemplada em nenhum modelo climático. “É um conhecimento que terá de ser incluído, pois ajudará a tornar as simulações de chuva na Amazônia mais precisas”, conclui Machado.
A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e outras fontes. O trabalho foi liderado pelo dr. Jian Wang, do Brookhaven National Laboratory, e teve participação da Universidade de Harvard, Instituto Max Planck, Inpa, UEA, USP e Inpe. O artigo Amazon boundary layer aerosol concentration sustained by vertical transport during rainfall foi publicado na revista Nature em 24 de outubro e pode ser acessado através do link: http://dx.doi.org/10.1038/nature19819 .
Do Jornal/Agência USP, in EcoDebate, 26/10/2016
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