A interface biofísica da Economia Brasileira, artigo de Junior Ruiz Garcia
[EcoDebate] O Governo e os analistas apresentam uma única solução para a crise brasileira, a retomada do crescimento do econômico. Contudo, segundo o Banco Mundial, o Brasil é a 9ª maior economia do mundo, um PIB (Produto Interno Bruto) superior a R$ 5 trilhões. Superamos países como Canadá, Coreia do Sul, Austrália, Rússia, Espanha e México. Apesar disso, a sociedade brasileira não tem acesso universal a bens e serviços básicos de qualidade, como educação e saúde, saneamento básico, moradia e transporte público, além de um meio ambiente saudável. Nem mesmo erradicamos o analfabetismo ou a pobreza que assola milhões de famílias, embora o país seja visto como o celeiro do mundo na produção de alimentos.
A solução para a crise brasileira está apoiada no pressuposto de que apenas o crescimento é suficiente para o desenvolvimento, entendido como bem-estar econômico obtido a partir do consumo de bens e serviços. Mas para termos crescimento, a produção deve ser maior do que aquela verificada no ano anterior, porque o crescimento é do fluxo de produção. Para realizar a produção, é preciso recursos naturais, e o resultado é o produto econômico, mas também poluição. Não existe produção sem degradação ambiental. Desse modo, para gerar bem-estar, primeiro geramos mal-estar, degradação ambiental. Essa seria a interface biofísica da economia. Mas qual o tamanho da interface biofísica da economia brasileira?
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP em inglês), Global Material flows and Resource Productivity, apresenta parte da interface biofísica da economia global e brasileira para 2010. O fluxo global de materiais era de 70 bilhões de toneladas, distribuído em minerais não-metálicos, metais, combustíveis fósseis e biomassa.
No Brasil, esse fluxo alcançou 2,7 bilhões de toneladas. Em 2010, a área desmatada na Amazônia alcançou 7 mil km² (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e as emissões de gases de efeito estufa (GEE) 1,5 bilhão de toneladas (Estimativas Anuais de Emissões de GEE). Estudos realizados pelo Professor Daniel Caixeta de Andrade, Universidade Federal de Uberlândia, indicam que o consumo material em 1970 era 6,4 toneladas por brasileiro, em 2008 15,4 toneladas, aumento de 138%. A intensidade material da economia brasileira era 3,24 kg/US$ em 1970, em 2008 3,45 kg/US$.
A tecnologia pode auxiliar na intensidade material e na degradação ambiental, embora a realidade mostre outro cenário. Contudo, os ganhos de eficiência têm um limite, ou podemos produzir sem recursos naturais e sem gerar poluição?
Assim, o crescimento econômico aumenta o requerimento material e a poluição, afetando negativamente a qualidade de vida das pessoas. Talvez o mal-estar gerado seja maior que o bem-estar econômico. Além disso, após uma década de aumento no consumo de bens e serviços econômicos (2003-2013), talvez a sociedade brasileira esteja saturada. No Brasil, mais de 98% das residências têm fogão, televisão e geladeira; no período foram vendidos 527 milhões de celulares; entre 2008 e 2014 foram vendidos mais de 90 milhões de televisores; a frota de veículos automotores alcançou 82 milhões de unidades em 2014. Agora o crescimento na produção desses bens é mais difícil, porque o que buscamos é o crescimento do fluxo de produção (PIB) e não do estoque de bens econômicos.
Por que gerar mal-estar para obter mais crescimento na produção desses bens enquanto o déficit habitacional brasileiro alcança 6 milhões; 18% dos brasileiros não são atendidos com abastecimento de água tratada; 42% não têm acesso à coleta de esgoto (60% não é tratado); mais de 10 milhões de brasileiros são analfabetos? O investimento no aumento da provisão desses bens e serviços não proporcionaria uma real melhoria na qualidade de vida dos brasileiros? A produção desses bens e serviços não geraria empregos e renda? Mas por que não fazemos isso? Talvez seja, porque ignoramos a interface biofísica da economia e, com isso, ignoramos os crescentes custos ambientais e sociais do crescimento econômico.
Junior Ruiz Garcia, professor do Departamento de Economia da UFPR e doutor em Desenvolvimento Econômico Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: jrgarcia@ufpr.br
in EcoDebate, 24/10/2016
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Concordo plenamente. Essa é a grande questão. E o maior problema brasileiro são as oligarquias.
Ok, vamos imaginar um cenário em que 100% das crianças do Brasil estejam na escola (e que essas escolas tenham educação decente), em que 100% das pessoas doentes tenham acesso a médicos e remédios, em que 100% das residências tenham saneamento básico, e em que todas as pessoas tenham um local para morar (não 100% tenham casa, pois afinal, uma casa abriga mais de uma pessoa), e em todos esses locais haja saneamento básico (sendo utopia, com tratamento total da água de forma a permitir reciclagem da mesma)…
Né por nada não, mas nesse cenário, o Brasil teria crescido a economia consideravelmente. Movimenta-se a economia para se ter crianças na escola, se ter médicos no hospital, e tudo o mais.
Como se pode ter um cenário de economia estagnada com qualidade de vida? O prof. José Eustáquio demonstrou maravilhosamente com um dos seus artigos sobre o Japão. Um país onde a população está diminuindo e em que já se estava em um nível razoável de vida, pode decrescer elegantemente.
Só que a população do Brasil ainda vai crescer por inércia por um tempo. Ser a nona economia do mundo não quer dizer PATAVINAS, pois somos também o quinto país mais populoso do mundo. Somos uma grande economia porque quanto + gente + economia, mas isso não quer dizer que somos o nono país mais rico do mundo. Per capita, a renda brasileira não é grandes coisas, isso sem nem se colocar na equação a inequalidade de renda.
Precisamos de crescimento da economia ainda, sim, embora isso não seja uma carta branca para o mercado. Precisamos ser capazes de mudar nossa economia de algo baseado em combustíveis fósseis para algo baseado em energia renovável (nada de fracking, termoelétricas, pré-sal e outras idiotices do século passado). Precisamos educar nossas crianças, colocar saneamento básico em nossas casas, tratar nosso esgoto decentemente, tratar nossos doentes decentemente. Tudo isso demanda dinheiro também. Precisamos tentar crescer a economia de forma mais igualitária e menos concentrada… uma das ferramentas disso é o Bolsa-Família, que distribui… dinheiro. Precisamos lembrar que o dinheiro pode ter notas e moedas, mas é só uma metáfora para os serviços que a sociedade troca.
Concordo que não precisamos de mais i-phones, televisões e roupas descartáveis. Consumismo é uma forma besta de se transformar em escravo dando aos outros a chave de algemas que se colocou nas próprias mãos. Mas não precisarmos de mais consumismo não é o mesmo que não precisarmos melhorar a nossa economia.
Prezada Mariana, reproduzo o último parágrafo, porque parece que você não entendeu a mensagem do texto: “Por que gerar mal-estar para obter mais crescimento na produção desses bens enquanto o déficit habitacional brasileiro alcança 6 milhões; 18% dos brasileiros não são atendidos com abastecimento de água tratada; 42% não têm acesso à coleta de esgoto (60% não é tratado); mais de 10 milhões de brasileiros são analfabetos? O investimento no aumento da provisão desses bens e serviços não proporcionaria uma real melhoria na qualidade de vida dos brasileiros? A produção desses bens e serviços não geraria empregos e renda? Mas por que não fazemos isso? Talvez seja, porque ignoramos a interface biofísica da economia e, com isso, ignoramos os crescentes custos ambientais e sociais do crescimento econômico“.
Em resumo, produzir bens e serviços básicos também gera crescimento, a diferença que o benefício desse crescimento é muito maior para a sociedade.
junior,
parabens pelo artigo. curto e grosso. é isso. revista interessante.
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Ah, ok. Realmente, se a ideia era essa, eu não tinha captado. O texto parecia ser só mais um dos que falam de utopias.
Olá Joseph Weiss, muito obrigado!