Singularidade tecnológica ou estagnação secular? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Otimista é um pessimista mal informado!”
[EcoDebate] Uma pergunta que esteve na moda no século XVIII e que mobilizou o debate entre os iluministas da época (e sempre volta à tona) é: O mundo caminha para o aperfeiçoamento da civilização ou para o retrocesso da barbárie?
Nos últimos 250 anos, o otimismo da evolução humana venceu o pessimismo (embora não se possa falar o mesmo sobre o meio ambiente). O progresso humano foi espetacular. Em nenhum momento da história houve tanto crescimento das forças produtivas, tanta de bens e serviços e tantos avanços sociodemográficos. A despeito das desigualdades, os níveis educacionais e de renda aumentaram em todos os países e a esperança de vida ao nascer da população mundial que estava em torno de 25 anos no último quartel do século XVIII, ultrapassou os 70 anos nos anos 2000.
Do ponto de vista dos animais racionais, os otimistas têm razão, pois, desde o início da Revolução Industrial e Energética, o passado recente da humanidade tem sido um sucesso. Nunca os seres humanos tiveram tanta riqueza e tanta influência sobre a dinâmica da vida e sobre os recursos do Planeta quanto atualmente.
Porém, há muitas dúvidas e questionamentos sobre como será o amanhã. Há visões e perspectivas sombrias e brilhantes para o século XXI. Os pessimistas consideram que a economia caminha para a estagnação secular, para o aumento das desigualdades sociais e para uma grande crise ecológica e climática. Já os otimistas consideram que estamos no meio de uma quarta Revolução Industrial e de uma ruptura histórica em que a humanidade iniciará um estágio de colossal avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo, superando tudo que já foi feito no passado. Vejamos rapidamente as duas visões.
O gráfico acima mostra que houve uma grande redução da produtividade entre os países do G-7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá), que são também países ricos e mais desenvolvidos tecnologicamente e com alta intensidade de capital físico e capital humano. O estudo dos economistas Martin Neil Baily and Nicholas Montalbano (The Brookings Institution, setembro de 2016) mostra que a produtividade é o fator mais importante do aumento do nível de vida no longo prazo. Porém, eles dizem que existe uma enorme frustração com as tendências atuais da economia.
Logo depois da Segunda Guerra a produtividade do trabalho nos países do G-7 ficou em torno de 3% ao ano até o início da década de 1970 (foram os chamados 30 anos gloriosos). Mas logo depois do choque do petróleo houve uma queda da produtividade que foi parcialmente compensando na década de 1990, especialmente nos Estados Unidos e Canadá, em decorrência do avanço dos computadores pessoais e da Internet. Mas a partir de 2004, mesmo com todos os avanços tecnológicos, a produtividade voltou a cair e nunca esteve em nível tão baixo.
O economista neoclássico americano, grande entendido em crescimento econômico e ganhador do prêmio Nobel de economia, Robert Solow, disse: “You can see the computer age everywhere except in the productivity statistics.” (Você pode ver a presença do computador em todos os lugares, exceto nas estatísticas de produtividade).
A melhor explicação para a situação atual de baixa produtividade das economias avançadas vem do professor Robert J. Gordon, da Universidade Northwestern, no famoso livro “The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War”. Gordon não discorda do papel histórico desempenhado pela tecnologia no passado. Ele recapitula os vínculos entre períodos de rápida expansão econômica e as inovações das três Revoluções Industriais (RI) precedentes e mostra que a segunda RI teria sido a mais importante em termos de acelerar o crescimento econômico, garantindo 100 anos (1870-1970) de acelerado avanço na produtividade.
Mas ele argumenta que este evento excepcional que ocorreu no passado é único no tempo e não vai se repetir. A soma do aumento do custo da extração dos combustíveis fósseis e a perda dos ganhos de produtividade pode funcionar como freio ao crescimento econômico. Considerando a economia dos Estados Unidos da América (EUA), Gordon argumenta que existem seis “ventos contrários” (headwinds) que estão desacelerando o crescimento econômico: 1) aumento das desigualdades sociais, 2) educação deteriorada; 3) degradação ambiental; 4) maior competição provocada pela globalização; 5) envelhecimento populacional; e 6) o peso dos déficits e do endividamento privado e público.
O autor sugere que estes “ventos contrários” não estão atingindo apenas os EUA, mas todas as economias avançadas, o que deve provocar taxas de crescimento econômico abaixo de 1% nas próximas décadas. Para as sociedades emergentes, os “ventos contrários” também existem, mas sopraram com menos intensidade durante o superciclo das commodities. É difícil imaginar que os países em desenvolvimento possam manter altas taxas de crescimento econômico sem contar com uma dinâmica parecida nos países desenvolvidos. Assim, Robert Gordon é um dos representantes do pensamento pessimista que enxerga um futuro de baixo crescimento da economia e do padrão de vida humano e aponta para a tendência da estagnação secular.
Mas existem as pessoas que acreditam em um futuro brilhante e defendem a ideia da Singularidade Tecnológica, que seria um evento no qual a humanidade alcançaria um estágio de fenomenal avanço tecnológico que inclui biotecnologia, inteligência artificial, nanotecnologia, robótica, etc. A ideia é que tecnologias de várias áreas evoluem tão aceleradamente que vão mudar a realidade e reconfigurar completamente a arquitetura do modo de vida da população mundial. O termo “singularidade” foi emprestado da física e é um termo que exprime aquilo que está além da nossa capacidade de cognição e previsibilidade.
O cientista e empresário Ray Kurzweil, escreveu, em 2006, o livro The Singularity is Near (A Singularidade Está Próxima) e virou palavra-chave entre os futurologistas que acreditam em um progresso científico ilimitado. Uma das destacadas pessoas a falar do impacto exponencial da tecnologia foi o engenheiro Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, que formulou a conhecida Lei de Moore, mostrando que a capacidade de processamento dos chips dobra a cada 18 meses. Ou seja, é uma progressão geométrica que se aplicada a outras tecnologias têm o poder de multiplicar a produtividade da economia. Eles argumentam que a humanidade terminará o atual século muito diferente de como começou.
A Singularidade Tecnológica aponta alguns possíveis caminhos para a explosão tecnológica: Biotecnologia e pessoas pós-humanas – com a engenharia genética a doenças serão curadas e a capacidade do cérebro será elevada ao extremo além de nos ligar a computadores para unir a nossa criatividade à capacidade de processamento deles. O avanço será tão impressionante que será o fim da humanidade e o começo de uma nova Era Transumana (Trans-humana). O Transumanismo vai usar as novas tecnologias disponíveis para aumentar consideravelmente as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas das pessoas (mas sobre o transumanismo falaremos em outro artigo).
Os avanços das telecomunicações e da capacidade de transmitir informações aumentará os ganhos de inteligência e no futuro, haverá meios de comunicação mais eficazes que a escrita e a fala. Com a nanotecnologia e a robótica aumenta a possibilidade de se criar máquinas capazes de se fundir a sistemas orgânicos e estender as nossas capacidades ou realizar bens e serviços e acelerar o desenvolvimento. Outra possibilidade da nanotecnologia é construir objetos átomo por átomo, chegando ao ponto de montar um cérebro humano artificial ou até mesmo uma pessoa por inteiro (transumana).
Ainda para a Singularidade Tecnológica o avanço dos computadores e da Inteligência Artificial possibilitaria que as máquinas evoluíssem na mesma velocidade que os processadores evoluem hoje. A princípio, a capacidade deles dobraria a cada 18 meses. Mas como serão mais rápidos, passarão a dobrar a cada nove meses, daí 4,5 meses e, umas gerações depois, chegará a singularidade absoluta.
O livro The Second Machine Age: Work, Progress, and Prosperity in a Time of Brilliant Technologies (2016) de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee se encaixa nesta linha da Singularidade e é fundamentalmente otimista em relação ao progresso tecnológico, social e econômico do mundo. Eles acreditam no poder da tecnologia e consideram que as políticas públicas e a iniciativa privada devem preparar as pessoas para a nova Era econômica de progresso que mudará radicalmente a paisagem do mundo. No reino da Singularidade não haveria estagnação, rendimentos decrescentes e escassez. Singularidade também não combina com guerras e destruição como ocorre na Síria, uma das mais antigas civilizações do mundo.
Evidentemente este debate está aberto. Ninguém é capaz de prever com certeza o futuro. Não sabemos se o mundo vai ficar preso à estagnação secular e à baixa produtividade (como os últimos dados apontam) ou se estamos apenas iniciando um grande Era de progresso e avanço sem precedentes na história humana. Pretendo voltar mais vezes a estes assuntos. Mas por enquanto, vale a pena ver o debate entre Robert Gordon e Erik Brynjolfsson em uma palestra TED (ver link abaixo), ocorrida em 2013. Este debate é um bom exemplo sobre as alternativas que a humanidade tem pela frente.
Referências:
Martin Neil Baily and Nicholas Montalbano. Why is us productivity growth so slow? Possible explanations and policy responses, The Brookings Institution, Hutchins Center Working Paper #22 September 2016
Robert Gordon and Erik Brynjolfsson debate the future of work at TED 2013
https://www.youtube.com/watch?v=ofWK5WglgiI
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 19/10/2016
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