12 de outubro foi o verdadeiro Dia da Independência do Brasil, artigo de Nilo Sergio S. Gomes
[EcoDebate] Por uma ironia da História, o feriado de 12 de outubro deveria, além de celebrar a Padroeira do Brasil, N. S. de Aparecida e o Dia da Criança, ser também o Dia da Independência do Brasil.
Fato pouco conhecido, mas foi em 12 de outubro de 1822 que o Brasil se tornou independente de Portugal. Milhares de pessoas saíram às ruas e, a hoje Praça da República, foi ocupada pelo povo. Ali ficava o Palacete do Campo de Santa Anna, onde de uma das janelas laterais, Pedro I ouviu e foi ouvido pelo povo e autoridades nacionais e estrangeiras.
Era o dia natalício do então príncipe regente, porém mais do que isto era o dia convocado pelo Senado da Câmara do Rio de Janeiro para aclamar Pedro I imperador e proclamar a Independência do Brasil de Portugal, com a convocação da Assembleia Constituinte para elaborar as leis do novo país.
Foi um dia de festas populares na cidade, um sábado em que choveu muito. Nas festas e cotejos pareceram bandeiras com os novos símbolos nacionais. À noite, no teatro, com a presença de Pedro I e família, foi ouvido o novo hino nacional, letra de Evaristo da Veiga e música de Marco Portugal: o conhecido “Brava Gente Brasileira / Longe vá temor servir: / Ou ficar a Pátria livre / Ou morrer pelo Brasil”.
A notícia da Independência
Essas informações saíram publicadas na edição do dia 16 de outubro de 1822, do jornal Correio do Rio de Janeiro, cujo editor chamou-se João Soares Lisboa. De convicções republicanas, o jornal dele foi um dos mais ativos e representativos do intenso, tenso e denso processo que resultou em nossa independência. Naquele tempo, a impressão de um jornal de quatro páginas levava quase uma semana.
Se procurarmos nos arquivos da Biblioteca Nacional os jornais dos dias seguintes a 7 de setembro de 1822, não encontraremos nenhuma notícia do ato político. Vamos localizar, sim, muitos artigos e manifestos de diferentes ideários políticos, sobretudo monarquistas e republicanos. Entre os monarquistas, haviam os absolutistas e os constitucionalistas.
A partir do que ficou conhecido como Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, o Brasil viveu um processo político em que não faltaram perseguições, prisões, atos arbitrários e ofensas de todo o tipo. Os jornais foram destacados agentes protagonistas de todo o processo que resultou na Independência, até porque só a partir de setembro de 1821 é que a liberdade de imprensa passou a valer, de fato, no Brasil.
Os monarquistas saíram vitoriosos, embora cedendo para uma monarquia constitucional um tanto pálida, tanto assim que a 13 de novembro de 1823 Pedro I, com as tropas militares, dissolveu a Assembleia Nacional Constituinte e mandou fechar jornais e prender diversos jornalistas, entre eles o redator do Correio do Rio de Janeiro, João Soares Lisboa. Outro redator também perseguido foi Joaquim Gonçalves Ledo, que escrevia o Revérbero Constitucional Fluminense e conseguiu fugir para Buenos Aires.
A invenção do 7 de Setembro
A historiadora Cecília Helena de Salles Oliveira, no livro A Independência e a construção do Império – 1750-1824 (1995), escreveu que “o 7 de Setembro foi uma construção posterior à própria data e que, à época, não mereceu atenção especial dos protagonistas do processo histórico” (p. 104).
Em artigo publicado na edição de 7 de setembro de 2010, no jornal Estado de S. Paulo, a historiadora Isabel Lustosa observa que a primeira a se intrigar com o silêncio sobre o 7 de Setembro nos periódicos da época foi a historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que publicou seu trabalho em 1995. Em suas pesquisas, a historiadora chegou a diversas conclusões, uma delas, nas palavras de Lustosa, foi que:
“A Inglaterra, que representou junto à Corte do Rio de Janeiro seus próprios interesses e os da Coroa portuguesa, pressionara o imperador. Dom Pedro foi convencido a aceitar que, no tratado pelo qual Portugal reconhecia a nossa Independência, ao contrário de todos os documentos do ano de 1822 que a davam como uma conquista dos brasileiros, constasse que esta nos fora concedida por dom João VI. Este era também reconhecido como imperador do Brasil que abdicava de seus direitos ao trono em favor do filho e ao qual ainda tivemos de pagar vultosa indenização”.
No artigo publicado em 2010, Isabel Lustosa, com base nas pesquisas da historiadora do Instituto Histórico, escreveu que “a opção pelo 7 de setembro casava bem com a ideia de que a Independência fora obra exclusiva de dom Pedro e essa data foi estrategicamente escolhida para a assinatura do tratado de 1825. Foi a partir de então que começaram a surgir referências mais entusiásticas ao 7 de setembro no Diário Fluminense, que fazia as vezes de órgão oficial do governo, e, em 1826, esse dia foi incluído entre as datas festivas do Império”.
Uma conclusão bastante intrigante, porém, também bastante plausível, é que a escolha do 7 de Setembro, como data da Independência, excluiu o povo do ato em que ele foi um dos protagonistas principais. Ou seja, não é de hoje que o povo é e se vê excluído de sua própria História. Até quando?
Referências Bibliográficas:
LUSTOSA, Isabel. A invenção do 7 de Setembro. Jornal Estado de S. Paulo. São Paulo: Editora Estado de S. Paulo, edição de 7 de setembro de 2010.
GOMES, Nilo Sergio S. Imprensa surgente e insurgente na Independência. Memórias do Correio do Rio de Janeiro e de seu redator, “hum tal Lisboa”. Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ. Disponível in: www.pos.eco.ufrj.br/site/download.php?arquivo=upload/tese_ngomes_2013.pdf
OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A Independência e a construção do Império – 1750-1824. (Discutindo a história do Brasil) São Paulo: Atual, 1995.
Jornal consultado:
Correio do Rio de Janeiro, edições de 1822, Seção de Periódicos, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível in: www.bn.br
* Nilo Sergio S. Gomes é jornalista, pesquisador, doutor em Comunicação, professor da ECO/UFRJ e editor do portal Porteira do Mato.
in EcoDebate, 18/10/2016
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