O novo ensino médio já nasce velho, artigo de Isaac Roitman
A Medida Provisória 746 que institui a modificações no Ensino Médio foi recentemente enviada ao Congresso Nacional alterando Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1966. Talvez o maior mérito dessa iniciativa foi colocar a educação na pauta midiática. Várias questões da MP devem ser debatidas. O ensino da arte e a educação física será facultativa no ensino médio e continuará a ser obrigatória na educação infantil e fundamental. O currículo obrigatório será composto por itinerários formativos específicos nas seguintes áreas: 1. Linguagens; 2. Matemática; 3. Ciências da natureza; 4. Ciências humanas e 5. Formação técnica e profissional. Parte do Currículo poderá ser construído pelo estudante. Será implementado o tempo integral com a carga horária anual de 1400 horas. Fica também instituído o fomento, com repasse de recursos do Ministério da Educação para os Estados e para o Distrito Federal. Será facultada a participação no ensino de profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino superior para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação. A sociedade não pode se omitir na discussão desses assuntos.
A primeira indagação é entender quais as razões do ensino médio ser o foco da reforma educacional. Provavelmente pelos altos índices de reprovação e evasão e pelos resultados negativos nas avaliações feitas por meio do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A educação brasileira não dará um grande salto com pequenas transformações embora propostas com boas intenções. Todo o sistema educacional precisa ser novamente construído. Em primeiro lugar, precisamos entender que uma coisa é falar em tempo integral, outra em educação integral. Impor um tempo maior de permanência na escola sem novas motivações e atrativos será aumentar a tortura dos estudantes brasileiros. A educação integral implica dar uma formação virtuosa para o relacionamento entre os seres humanos, mais solidária, ética e justa, assim como um relacionamento consciente do ser humano com a natureza. É preparar o futuro adulto para exercer um protagonismo na sociedade e ter um trabalho que lhe proporcione uma vida digna. A velha pedagogia de aula expositiva deve ser sepultada. Como pregava Paulo Freire, o protagonismo motivado deve ser um elemento fundamental para a construção de um novo sistema de aprendizagem. A utilização inteligente dos recursos dos progressos das tecnologias de informação e comunicação devem ser priorizadas, assim como a educação à distância. A formação de novos professores deve ser revista. O “novo Professor” não será um mero depositário de conhecimento. Ele terá a capacidade de avaliar os potenciais e os problemas de cada estudante. Ele deve ser competente em identificar e mediar conflitos e ser um estimulador para o exercício do pensar e de estimular a crítica argumentada. Ele deve ser valorizado e estar na faixa salarial superior da carreira de servidor público. Devemos caminhar no sentido da gradual abolição das disciplinas. O enfoque deverá ser interdisciplinar e a aprendizagem ser feita por estudos temáticos e de resolução de problemas. A estética, as artes e a educação física deverão estar presentes no cotidiano escolar. O diálogo com a sociedade, que aproximara a escola do mundo real, deverá ser permanente. A infraestrutura e a arquitetura da escola deverá ser orientada para que ela seja um “espaço encantado” com a missão de formar seres humanos que possam construir um mundo realmente civilizado, sem injustiça social.
É importante a análise e o acompanhamento do que ocorre em países que têm alcançado um patamar virtuoso na educação. Um deles é a Finlândia, onde a grade horária é mais flexível para que o estudante entre em contato com conceitos de economia, história, geografia e línguas estrangeiras de modo transversal com a ajuda de temas do cotidiano. Essa nova lógica do aprendizado invade também o ensino superior desse país. Por exemplo, um curso de Administração tem disciplinas tradicionais no primeiro ano, nos dois anos e meio seguintes, os alunos deixam de ter professores, passam a ter tutores, formam empresas reais e aprendem enquanto desenvolvem o negócio. Nesse novo ambiente de aprendizagem colaborativa, diversos professores trabalham simultaneamente com um mesmo grupo de alunos. A metodologia baseada na resolução de problemas está ganhando protagonismo no ensino finlandês, em detrimento da aula tradicional. Mesmo no ensino fundamental finlandês, o ensino está cada vez mais focado no desenvolvimento de habilidades e não apenas na assimilação do conteúdo tradicional. Na educação infantil da Finlândia, as escolas estão focadas totalmente nos jogos e nas brincadeiras e na aprendizagem alegre e divertida através do contato com a natureza, músicas, dança, esportes e outras atividades lúdicas.
Um outro exemplo que deve servir de inspiração para uma revolução educacional brasileira é a Escola da Ponte (Portugal) implantada pelo educador José Pacheco, que atualmente ajuda a implantar projetos semelhantes no Brasil. Nessa escola, onde não há aulas expositivas, séries e exames, cada estudante é reconhecido como único, integrante de uma cultura, origem e estrutura familiar singular. Ela visa a formação de pessoas autônomas, responsáveis, solidárias, cultas e democraticamente comprometidas na construção de um destino coletivo e de um projeto de sociedade que potencialize a afirmação das mais nobres e elevadas qualidades de cada ser humano.
É chegada a hora de romper com o tradicional iluminismo educacional que insiste na transmissão de conteúdos e na formação social individualista e em um coletivo que obedece aos comportamentos construídos por uma mídia perversa a serviço do mercado. É pertinente lembrar o pensamento de John Dewey, com quem Anísio Teixeira conviveu: “A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida”.
Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro (n.Futuros/CEAM/UnB), presidente do Comitê Editorial da Revista Darcy/UnB e membro tiular de Academia Brasileira de Ciências. Ex-decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, ex-diretor de Avaliação da CAPES, ex-coordenador do Grupo de Trabalho de Educação, da SBPC, ex-sub-secretário de Políticas para Crianças do GDF. Autor, em parceria com Mozart Neves Ramos, do livro A urgência da Educação.
Artigo socializado pela UnB e reproduzido in EcoDebate, 05/10/2016
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