Professor da USP compara poluição gerada por carros a ‘cigarros ambientais’
Para Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, associar a questão da sustentabilidade à saúde pública pode fazer com que se dê mais atenção aos problemas de mobilidade
Por Diego C. Smirne, da Rádio USP
Hoje, dia 22 de setembro, se comemora o Dia Mundial Sem Carro. A data foi instituída na França, em 1997, e desde então teve adesão de diversas outras cidades da Europa e do mundo. Na cidade de São Paulo, ela foi adotada a partir de 2003, e até 2006 era promovida principalmente por grupos de cicloativistas em parceria com a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, ganhando a partir de 2007 o apoio do Movimento Nossa São Paulo, e progressivamente cresceu com a participação da população e de órgãos públicos pelo País.
O objetivo da iniciativa é fazer com que as pessoas reflitam sobre sua dependência e uso excessivo dos automóveis, além da necessidade de
adotar um modelo de mobilidade mais sustentável. De acordo com o último levantamento do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP), feito em julho, a cidade de São Paulo possui cerca de 8,3 milhões de veículos, entre carros, motocicletas, caminhões, ônibus e demais meios de transporte automotivo.
Os problemas acarretados por esse acúmulo vão desde, obviamente, o trânsito travado até o agravamento da poluição na cidade, e todos eles têm efeitos na saúde pública, como destaca o professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina (FM) da USP. Em outubro de 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um relatório indicando que a poluição atmosférica, causada em grande parte pela queima de combustíveis fósseis, causa a morte de mais de 7 milhões de pessoas por ano em todo o planeta, “um número maior que o de mortes por malária ou diarreia”, diz Saldiva.
Segundo o professor, cerca de 4 mil a 5 mil pessoas por ano morrem na cidade de São Paulo em decorrência da poluição; na região metropolitana, o número de mortes chega a quase 8 mil. “É um número muito grande de pessoas morrendo ‘antes do combinado’. Elas morrem das mesmas coisas que as pessoas que fumam: câncer de pulmão, bronquite crônica, pneumonia, infarto agudo do miocárdio etc. É como se fumássemos cerca de três cigarros por dia devido à poluição”, afirma. Numa cidade com milhões de habitantes como São Paulo, Saldiva afirma que há um número considerável de indivíduos que serão vulneráveis a estes três “cigarros ambientais” a ponto de desenvolverem complicações fatais, como gestantes, bebês e idosos, entre outros grupos.
Ele ressalta ainda outras complicações à saúde causadas pelo modelo atual de transporte, dentre elas a obesidade, que “está linearmente ligada à alta taxa de mobilidade passiva, um sedentarismo compulsório”, a formação de ilhas de calor urbanas decorrentes da poluição, as quais ao provocar chuvas podem gerar enchentes que carregam doenças infecciosas, além das mortes no trânsito. “Há também questões mais sutis: o tempo que uma pessoa passa no trânsito em vez de fazer coisas como passar o tempo com amigos e familiares, estudar, fazer exercícios, ou mesmo dormir, é tempo de vida perdido, e isso gera problemas que vão desde saúde mental a doenças cardiovasculares”, explica.
Todas esses danos à saúde, porém, são indiretos. Esse obstáculo para relacionar o modelo de mobilidade baseado nos automóveis aos males causados à saúde, embora haja evidências científicas sólidas dessa relação entre a comunidade médica, dificulta uma mudança de paradigma nesse sentido, segundo Saldiva. Além disso, ele destaca a paixão pelos automóveis presente em nossa cultura, a simbologia em torno dos carros. “É preciso que se faça uma reeducação semelhante à que aconteceu com o cigarro. Os níveis de tabagismo caíram drasticamente, pois se desconstruiu a imagem da sedução, do poder, da aventura em torno do cigarro. O carro ainda representa isso tudo, além de sua utilidade prática, e isso dificulta uma luta por outros meios de transporte”, diz o professor.
Outro complicador é o conceito de sustentabilidade, que, na visão de Saldiva, é muito abstrato para a população, e isso faria com que não se dê ao assunto o mesmo valor e atenção que se dá à saúde. “A saúde ambiental ainda está muito presa ao combate a transmissores de doenças, ao saneamento básico, questões antigas que ainda não resolvemos; e agora ainda entra essa nova preocupação com a mobilidade… Não chegamos a esse nível cultural e de conscientização ainda”, lamenta.
Uma solução apontada pelo professor é a associação da ideia da saúde individual aos modelos de sustentabilidade. “As pessoas são naturalmente egoístas, então você tem que apresentar a elas motivos concretos que as levem a defender ações que beneficiem o abstrato. Os cidadãos podem ser educados a apoiar políticas que levem a um novo modelo de transporte benéfico ao meio ambiente, desde que enxerguem benefícios à própria saúde e bem-estar.”
Para destacar o Dia Mundial Sem Carro, a Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) da USP enviou uma nota aos docentes, alunos e funcionários da Universidade anunciando a comemoração da Semana da Mobilidade Sustentável, com o objetivo de incentivar o esforço da comunidade uspiana para trocar o carro por outros meios de transportes coletivos e adotar, quando possível, a caminhada, a pedalada e a carona solidária.
Ouça a entrevista do professor Paulo Saldiva ao repórter Diego Smirne para a Rádio USP
in EcoDebate, 22/09/2016
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