Estudo indica que camu-camu e cupuaçu podem ajudar no controle da obesidade e da diabete
Pesquisa com frutas amazônicas busca formas inovadoras capazes de reduzir as alterações metabólicas associadas à diabete tipo 2 e à obesidade
Uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde em 2015 revelou que o índice de brasileiros acima do peso permanece em crescimento no País, com mais da metade da população nesta categoria (52,5%). No mesmo ano, a Sociedade Brasileira de Diabetes estimou que 12 milhões de brasileiros sofram com os efeitos do diabetes mellitus tipo 2, que começa silenciosamente e é resultado de, entre diversos fatores, hábitos como o sedentarismo e a má alimentação.
Em tese de doutorado defendida na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, a nutricionista Helena Rudge de Moraes Barros buscou estudar formas inovadoras capazes de reduzir as alterações metabólicas associadas tanto à diabete tipo 2 quanto à obesidade.
Ao investigar como compostos bioativos de alimentos podem possuir efeitos benéficos à saúde, Helena optou por duas frutas nativas da região amazônica com potencial agroeconômico ainda inexplorado e que contêm grande número de compostos fitoquímicos que poderiam atuar sobre o metabolismo corporal: o camu-camu e o cupuaçu.
A pesquisa utilizou a suplementação com o extrato de compostos fenólicos — estruturas químicas presentes em pequenas quantidades em alimentos de origem vegetal, que podem exercer efeitos preventivos em distúrbios fisiológicos no ser humano — como base dos experimentos.
“Como eu trabalhei com duas frutas e elas têm composições diferentes, para cada uma eu tive um resultado distinto”, conta Helena. “Com o camu-camu, tivemos um efeito em relação à perda de peso e à obesidade. Com o cupuaçu, tivemos mais resultados em relação à glicose sanguínea”, sumariza ela.
Apoio canadense
Parte de um estudo maior dentro do grupo de estudos Compostos Bioativos de Alimentos da FCF, o trabalho foi orientado pela professora Maria Inês Genovese Rodriguez, do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental.
“Quando eu estava terminando o mestrado, a professora Maria Inês me fez um convite para trabalhar com polifenóis, especificamente com frutas nativas do Brasil, em um projeto grande envolvendo pesquisadores do Canadá”, relembra ela.
Polifenóis são substâncias naturais encontradas em plantas, tais como flavonoides, taninos, lignanas, derivados do ácido cafeico, dentre outras. Muitas são classificadas como antioxidantes naturais e possuem propriedades terapêuticas. No Canadá, pesquisadores utilizaram, entre diversas frutas locais, as chamadas berries, enquanto no Brasil, cientistas optaram por uma seleção de frutas regionais.
Formada em Nutrição, com mestrado em Nutrição e Saúde na área de Qualidade de Alimentos, Helena viajou à Espanha para dar prosseguindo ao doutorado, utilizando equipamentos que a própria estrutura da FCF não possuía. “O apoio foi essencial”, afirma ela, ao contar que no Canadá pesquisadores do grupo viajaram com o objetivo de expandir conhecimentos e análises em relação à biologia molecular e que, no Brasil, a estrutura do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP também foi cooptada.
Efeito anti-inflamatório e saciedade
“Durante 12 semanas demos para os camundongos uma dieta de 40% de gordura saturada e 40% de sacarose e, ao longo do tempo, íamos medindo a glicemia”, pontua a nutricionista. Os extratos ricos em compostos fenólicos da polpa comercial desses frutos foram extraídos em fase sólida, caracterizados por cromatografia líquida de alta eficiência e avaliados quanto à inibição da atividade de enzimas digestivas in vitro.
Os extratos foram então testados em duas diferentes concentrações em camundongos e a resistência insulínica foi induzida por uma dieta com alto teor de lipídios e sacarose. “No fim do experimento, avaliávamos o perfil glicêmico e o perfil lipídico, entre outros indicadores”, enumera ela.
Dentre suas principais conclusões, o estudo comprovou que a suplementação com o extrato de compostos fenólicos do camu-camu reduziu o ganho de peso corporal e diminuiu a intolerância à glicose e à insulina, independente da dose administrada. Ambos os resultados foram associados a um possível efeito de saciedade, com consequente redução da ingestão da dieta, e com um efeito anti-inflamatório.
Já a suplementação com o extrato de cupuaçu, na maior dose testada, melhorou a homeostase da glicose e principalmente dos lipídios, protegendo o tecido hepático dos danos causados pela dieta com alto teor de lipídios e sacarose. Estes efeitos foram associados à inibição de enzimas digestivas, com consequente menor absorção de lipídios provenientes da dieta, reduzindo assim a resistência à insulina no fígado e a hiperglicemia.
Para a pesquisadora, as diferenças na composição de compostos fenólicos encontradas entre os extratos das duas frutas foram responsáveis pelos diferentes resultados nos protocolos in vivo e a identificação dos metabólitos microbianos possibilita o conhecimento dos compostos possivelmente implicados nos efeitos benéficos.
“É um grãozinho de areia no conhecimento sobre polifenóis, mas estamos caminhando devagar”, acredita ela. Relembrando que as variáveis de estudo são muito diversas, é necessário persistência para se chegar a resultados e efeitos comprovados. “Por conta da variedade em cada fruta, não existem compostos isolados, nas frutas são vários… É preciso saber se há sinergismo entre um composto e outro, o que realmente é absorvido e o que não é”, revela.
Para Helena, novos estudos devem contribuir para um melhor entendimento dos mecanismos, bem como quais metabólitos estão de fato associados aos efeitos benéficos que os compostos presentes nessas duas frutas apresentaram no estudo.
A tese pode ser acessada na íntegra neste link.
Por Denis Pacheco, do Jornal da USP, in EcoDebate, 08/09/2016
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