Contaminação da biodiversidade por transgênicos, Parte 3/6, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] NODARI et. al. (2010) registram que no Brasil, a estratégia voltada à conservação “on farm” vem sendo implementada aos poucos por meio de uma ampla rede de ações dirigidas à manutenção de recursos genéticos na propriedade rural, particularmente aqueles de interesse agrícola, a chamada agrobiodiversidade.
Essas ações contam com uma efetiva participação de movimentos e organizações sociais, onde a ênfase é dirigida para o resgate, conservação de variedades crioulas ou locais e implantação de sistemas agroflorestais em pequenas propriedades rurais.
Dentre as poucas iniciativas governamentais, na época, existia uma implementada pelos Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário que foi conduzida em parceria com os movimentos sociais e denominada de Centros Irradiadores do Manejo da Agrobiodiversidade (CIMAs).
Trata-se de projeto de caráter comunitário que visa o resgate e a conservação de variedades crioulas ou locais, a implantação de sistemas agroflorestais, o uso de plantas medicinais e fitoterápicos e o manejo alternativo de raças animais, domesticadas ou não.
A diversidade genética e a riqueza de espécies existente no país são ainda pouco conhecidas, pouco manejadas e pouco utilizadas, comparativamente ao potencial que apresentam.
Por outro lado, existem tanto demandas como oportunidades de novas opções para a agricultura familiar, tal qual novas opções para a alimentação, enfrentamento da vulnerabilidade determinada pela estreita base alimentar e também novas opções para o setor empresarial, em particular da pequena agroindústria.
Dentre as várias iniciativas relacionadas à agrobiodiversidade, a CDB aprovou em março de 2006, durante a VIII Conferência das Partes, a Decisão VIII/23. Trata-se da Biodiversidade, Alimentação e Nutrição, cujos propósitos desta iniciativa estão voltados à ampliação do número de espécies utilizadas atualmente em nossa alimentação, mitigação dos problemas decorrentes da simplificação da dieta e fortalecimento da conservação e do manejo sustentável da agrobiodiversidade.
São incorporadas ações de transversalidade em programas e estratégias de subsistência, de alimentação e nutrição, nacionais e internacionais. A racionalidade desta iniciativa se baseia no fato de que a hipótese atualmente mais aceita é que a dieta diversificada é sinônimo de saúde.
Evidências científicas indicam que o uso da diversidade de plantas na dieta reduz os riscos de doenças e de mortalidade (KANT et al., 2000 e KALUZA et al., 2007).
Os consumidores, a cada dia, demandam por alimentos sadios e inócuos para a saúde, livres de agrotóxicos ou outras componentes não usuais na dieta humana. Assim, a relevância da agrobiodiversidade mantida e produzida de forma agroecológica tem dupla relevância para os consumidores.
De um lado a dieta diversificada de alimentos sadios e de outro lado, o balanço nutricional de variedades crioulas, que é melhor do que as variedades modernas (DAVIS et al., 2004 e DAVIS, 2009).
As inovações diminuíram no século passado em razão de políticas públicas e avanços científicos e tecnológicos que priorizaram sementes desenvolvidas pelas indústrias com a adoção de um sistema agrícola que um lado modifica drasticamente o meio ambiente, causando externalidades negativas à saúde humana e dos ecossistemas.
E reduzem a capacidade, autonomia e a função dos agricultores dentro do sistema. Ele deixa de ser um agricultor no sentido etimológico da palavra, para ser um produtor de matérias primas mediante uso de insumos, onde as matérias primas a produzir e os insumos a usar, não mais são decididos por ele, e sim por um agente externo que na maioria das vezes é o mesmo.
Estas externalidades negativas criadas pela Revolução Verde, aliado ao ritmo desenfreado da expansão da fronteira agrícola, a disseminação de espécies exóticas invasoras e a poluição, entre outros, geraram um nível de preocupação na comunidade científica, nos setores da sociedade ligados ao meio ambiente, bem como em muitos tomadores de decisão.
No atual contexto, em que um número crescente de espécies está ameaçado de extinção, os esforços de conservação são cada vez mais urgentes e necessários.
Esta decisão foi provocada pelo manifesto da Conferência das Partes da CDB, que tinha como objetivos aumentar a conscientização sobre a importância da conservação da biodiversidade para o bem-estar e promover a compreensão do seu valor econômico, aumentando o conhecimento público das ameaças à biodiversidade e dos meios necessários para conservá-la e incentivar as organizações a agirem em prol da conservação da biodiversidade.
Além disso, ameaças presentes e futuras podem restringir ainda mais o uso destas espécies de importância alimentar. A introdução e cultivo em larga escala de variedades transgênicas, o aumento sem precedentes do uso de agrotóxicos e a presença crescente de espécies exóticas invasoras se constitui numa ameaça real.
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Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
in EcoDebate, 24/08/2016
Nota da Redação: Leiam, também, os artigos anteriores desta série
Contaminação da biodiversidade por transgênicos, Parte 1/6
Contaminação da biodiversidade por transgênicos, Parte 2/6
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Sabe-se que muitas doenças ,incluindo alguns canceres, vem do uso dos venenos na agricultura. O uso destes produtos é apenas mais um negócio não ético. E sem qualquer preocupação com as futuras gerações e muito menos com o meio ambiente e suas criaturas. Os mais gananciosos se esquecem que sem meio ambiente não há negócios.
Sempre digo isto, sem novo arranjo de equilíbrio, se fica sem civilização e sem negócios…
Abs Maria…
RNaime
(Constituição Federativa do Brasil-artigo 225) “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
Fora Monsanto, Bayer, CropScience, Basf, Daw, DuPont, Syngenta. Todas influenciam as três esferas dos governos. Elas controlam nossa comida, desmatam nossas florestas, envenenam nossas terras, poluem nossas águas e escravizam agricultores. Agora querem nos tirar o direito de saber e escolher nosso alimento, violando o Decreto 4.680/2003 que obriga os fabricantes de alimentos a rotulagem dos alimentos transgênicos. E o confortante é, que esta dando certo, muitas industria está cumprindo a lei.
Sempre discuti muito com os respeitáveis operadores do direito, até que ponto adianta o registro em leis…
Abs Maria Inez…
RNaime