Rios da Orla Norte da cidade de Porto Seguro: um caso para estudos e cuidados, artigo de Elissandro dos Santos Santana
Rios da Orla Norte da cidade de Porto Seguro: um caso para estudos e cuidados
Elissandro dos Santos Santana1
Imagem retirada do documento: Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Porto Seguro. Rede hidrográfica do município de Porto Seguro. Fonte: adaptado de Ribeiro et al. (2010)
[EcoDebate] No artigo “A situação ambiental dos rios da Orla Norte de Porto Seguro-Bahia” publicado no Portal Desacato e, também, submetido para análise na Revista Sustinere, da UERJ, com o título “DÉFICITS AMBIENTAIS HÍDRICOS NA ORLA NORTE DE PORTO SEGURO-BAHIA”, ainda em análise, eu fiz discussões acerca do problema ambiental no tocante à situação dos recursos hídricos do município de Porto Seguro, em especial, dos rios e riachos do perímetro da Orla Norte.
No trabalho em questão, chamei a atenção para o fato de que a situação hídrica no âmbito da poluição e da degradação na Orla Norte da cidade é crítica e, por isso, demanda estudos científicos amplos em campos diversos, partindo-se de questões como poluição, desmatamento de matas ciliares, visibilidade da água, Psicologia ambiental (levando-se em consideração que já existem estudos científicos que comprovam os efeitos benéficos que a natureza propicia ao/no ser humano quando este entra em contato direto com áreas naturais preservadas e conservadas), qualidade da água a partir da análise dos elementos macro-micro-biológicos, vetores de poluição da água e outros elementos.
Os déficits ambientais verificados nos rios Jardim, dos Mangues, Mundaí, São Francisco e da Vila resultam de relações político-sociais insustentáveis e a reflexão que será apresentada ao longo deste trabalho servirá de ponto de partida para outros olhares e atuação pública no que tange às mitigações ambientais necessárias para a recuperação, conservação e preservação do capital natural hídrico.
Diante do fato de que o principal problema desencadeador de déficits ambientais nos rios do perímetro analisado está na relação da sociedade com os rios e que o turismo, até certo ponto, também contribui para que a situação se agrave, esse trabalho desponta mais como uma reflexão do que, propriamente, como uma análise científica em torno da situação ambiental hídrica na Orla Norte. Isso se dá devido ao fato de que não foi possível fazer uma análise científica da água, haja vista que a pesquisa fora desenvolvida sem apoio financeiro, portanto, inviabilizando-se exames de qualidade da água para verificar os níveis de contaminação, por exemplo, mas, diante do fato de que a poluição se dá de forma visível, foi possível fazer uma reflexão de cunho empírico, a partir do mapeamento da presença de resíduos sólidos encontrados às margens de quase todos os rios visitados durante períodos específicos ao longo dos anos de 2014 e 2015.
O Rio Buranhém desponta como o Rio que está no limite entre o perímetro da Orla Norte e da Orla Sul, portanto, um divisor. Na Orla Norte, localizam-se os seguintes rios: Rio da Vila, Rio São Francisco, Rio Mundaí, Rio dos Mangues e Rio Jardim, todos, em algum estado de déficit ambiental.
Segundo Brasil (2014):
Porto Seguro faz parte do sistema de abastecimento de água e coleta de esgoto da “costa”, que compreende a sede de Porto Seguro, as sedes dos distritos de Arraial d’Ajuda e Trancoso, a reserva de Coroa Vermelha e os municípios de Santa Cruz Cabrália e Belmonte. Esse sistema tem 21 mil ligações de esgoto e 27 mil de água. A Embasa aponta um índice de cobertura de 89,6% no sistema de abastecimento de água e de 87% no sistema de esgotamento sanitário na cidade de Porto Seguro (Rafael A. B. de Almeida, com.pess., 2014) A sede do município é abastecida pelo sistema de água do rio dos Mangues, que produz diariamente 9.703 m3. A estação de tratamento de água (ETA) está localizada junto ao rio dos Mangues, na orla norte de Porto Seguro. A estação de tratamento de esgoto (ETE) da sede municipal está localizada no bairro Vila Vitória e existem captações de água a jusante, o que indica a qualidade do tratamento, segundo a Embasa. O sistema conta com cerca de 40 estações elevatórias e, após o tratamento, o emissário é o rio Buranhém.
A situação do lixo é bastante complicada, tendo em vista que a cidade apresenta uma população urbana de grande porte e uma população flutuante nas temporadas que incrementa significativamente o volume de resíduos sólidos produzidos. A prefeitura realiza coleta domiciliar nas áreas urbanas, porém não consegue fornecer descarte adequado aos resíduos e joga estes num lixão localizado às margens da BR-367.
Nos últimos artigos em torno das insustentabilidades e caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, Santana (2016) discorre acerca dos principais déficits socioambientais originados a partir das relações predatórias paradoxais da indústria do turismo com o capital natural que propicia o desenvolvimento das atividades turísticas na região, pontuando o seguinte no que concerne aos recursos hídricos da cidade:
Há pontos estratégicos para o turismo na cidade. Começando pelo centro, há a Passarela do Álcool, onde, diariamente, são armadas barracas para vendas de alimentos, bebidas e artesanatos locais, com a circulação de milhares de pessoas. Esse ponto turístico também é o local para a realização das festas mais importantes da cidade, com bandas e circulação de trios elétricos. O problema é que essa parte está localizada às margens do Rio Buranhém, que desagua no mar, e, após as festividades, são visíveis os impactos ambientais com a presença de resíduos sólidos como garrafas plásticas, de vidro e de metal no leito do rio. Na Orla Norte há grandes empreendimentos como barracas e hotéis com festas na praia, em que é possível verificar o acúmulo de resíduos sólidos e líquidos. Além desses problemas, vários rios e riachos desse perímetro estão contaminados com o despejo de esgotos e outros resíduos. Para piorar a situação, novos empreendimentos e condomínios são construídos nessa parte da orla a cada ano. Do centro de Porto Seguro para o Arraial d’Ajuda (outro ponto muito importante para o turismo) há a travessia de balsa pelo Rio Buranhém e tais embarcações são abastecidas às margens do próprio rio, o que demanda cuidado e política sólida de fiscalização ambiental, pois há o risco de contaminação da água com o vazamento de óleo. Do outro lado, há engarrafamentos na Estrada do Arraial até o Centro do Distrito e isso provoca, além dos ruídos que perturbam aves e outros animais da fauna local, poluição com o lançamento de CO2. Saindo do Arraial, há o turismo ainda mais luxuoso no Distrito de Trancoso e, nesse espaço, a natureza passa por um acelerado processo de desgaste, em que grandes hotéis são construídos e o distrito, por conta do sucesso econômico advindo do turismo, atrai um contingente de pessoas de outras partes do município e de outras cidades da região, ocasionando o crescimento urbano e populacional desordenado com o surgimento de bairros sem condições sanitário-ambientais.
Na oportunidade, serão apresentados alguns dos problemas que afetam os rios do perímetro da Orla Norte, compreendido entre o Rio da Vila e o Rio dos Mangues, partindo-se do pressuposto de que esses cursos de água são atrativos naturais que embelezam a cidade, fazem parte da biodiversidade natural-ambiental, e que, portanto, poderiam ser utilizados, de forma sustentável, para atrair ainda mais turistas para a região e possibilitar o desenvolvimento socioambiental.
No tangente à situação ambiental dos rios da Orla Norte, pode-se encontrar intersecção entre poluição, desgaste ambiental e turismo, mas, nesse caso específico, o principal elemento desencadeador do problema reside na relação cultural dos habitantes que vivem no município e no comportamento de algumas empresas que atuam na cidade.
Dentre os cursos de água no perímetro da Orla Norte, talvez, o que esteja em situação mais degradante seja o Rio da Vila. Acerca desse rio, há relatos e matérias em jornais da cidade, como o Jornal do Sol, que trazem à tona denúncias no tocante a crimes ambientais contra o rio, como o que ocorreu no ano de 2015.
Conforme pontuou o Jornal do Sol, em matéria publicada em 26 de março de 2015, “Esgoto da Embasa vaza para o Rio da Vila”, o histórico Rio da Vila, importante fonte de água limpa em Porto Seguro, continua sua crônica de uma morte anunciada. Mais uma vez, ele foi agredido com o vazamento, dia 23/03/15, por uma grande quantidade de esgoto da Embasa. De acordo o secretário municipal de Meio Ambiente da cidade, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente tomou todas as medidas cabíveis, incluindo a aplicação de multa de R$ 300 mil a Embasa e o encaminhamento de processo para o Ministério Público.
Ainda conforme o referido periódico, na mesma matéria, pontuou-se que a Embasa disse em nota que o vazamento havia ocorrido devido à falta de energia elétrica e que para o secretário municipal do Meio Ambiente, o argumento não justificava esse tipo de falha. Conforme o secretário, “A Embasa cobra caro pelo serviço e 80% da conta de água são relativos à taxa de esgoto. A empresa precisa rever seus conceitos de operação em todas as subestações, que devem possuir geradores e bombas reservas”.
Abaixo, aparece uma foto do Rio da Vila, publicada na matéria do referido jornal:
Assim como a matéria do Jornal do Sol em 2015, há outras matérias em outros periódicos, do mesmo ano, de anos anteriores e até de 2016, acerca da situação ambiental de rios da região, como o Buranhém, por exemplo, que não está no perímetro aqui analisado, mas que é o principal rio que passa pela cidade e que vem sofrendo, ao longo de anos, um grave processo de poluição e degradação ambiental em geral.
Além da situação ambiental do Rio da Vila, para a elaboração de projeto de pesquisa, por conta de uma seleção de mestrado que participaria, ao longo de 2014 e 2015, in loco, verifiquei nos Rios São Francisco, Mundaí e dos Mangues a presença de resíduos sólidos e líquidos poluidores. Pese a este fato, a questão do mau cheiro que, em alguns dias, durante a pesquisa de campo, pode-se sentir. O mau cheiro, talvez, se dê devido ao lançamento de esgotos domésticos e de outros tipos, por conta da urbanização descontrolada e desordenada da cidade ao longo de parte do percurso dos rios, o que não foi possível corroborar o fato, haja vista que não ocorreu a análise de qualidade da água, mas a questão da degradação é bastante visível nos referidos espaços.
Em todos os rios citados, pode-se verificar a presença, dentro e na margem, de garrafas pets, litros de vidro, latas de cerveja, cadeiras plásticas, sacolas plásticas, pedaços de móveis de madeira e de metal, sapatos, suportes plásticos de TVs antigas, roupas, dentre outros resíduos sólidos, situação que traduz a relação insustentável da sociedade porto-segurense com os recursos hídricos da cidade.
Para pensar essa relação insustentável da sociedade com o capital hídrico, é possível entrelaçar esse problema com o que pontua Queiroz (2006), quando este afirma que no entendimento dos antropólogos, o ambiente em que vivemos é duplo, a um só tempo natural e cultural, sem que talvez se possa afirmar em qual desses domínios as nossas raízes são mais profundas.
Silva e Fernandes (2005), no artigo “Turismo, desenvolvimento local e pobreza no município de Porto Seguro – BA” ao apresentarem uma crítica ao processo de ocupação de Porto Seguro, de forma desordenada, a partir do turismo de massa, tocam na questão dos rios quando pontuam o seguinte: além da destruição dos ecossistemas, o processo de ocupação alterou grande parte das paisagens mais próximas a Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, comprometendo irreversivelmente a sua beleza e atratividade. O crescimento populacional exponencial e a pressão demográfica sazonal dos turistas vêm gerando graves problemas de saneamento, ocasionando inúmeros depósitos irregulares de lixo e a poluição dos lençóis freáticos, cursos de água, e consequentemente, das praias mais frequentadas pelos banhistas.
Algumas considerações finais
Constata-se que a situação dos rios no perímetro da Orla Norte de Porto Seguro não é nada regular e que a sociedade e a gestão pública municipal fecham os olhos para a situação. A sociedade tem sua parcela de culpa pelo depósito de resíduos e pela retirada da cobertura vegetal às margens dos cursos de água para a construção de condomínios e casas, em geral, e a gestão pública municipal, pela situação de inércia, descaso e inoperância, pois diante da degradação ambiental nos espaços aqui apresentados, deveria desenvolver planos de recuperação dos cursos de água no referido perímetro da orla do município, mas pouco ou nada fora feito. Além disso, faltam políticas públicas eficientes de educação ambiental na cidade para a sociedade, pois de nada adiantará recuperar os rios, se não houver mudança na arquitetura mental societária porto-segurense na relação com o capital natural hídrico.
A degradação desses rios não é recente, pois é resultante de um processo histórico. A inércia da gestão pública em torno de projetos de mitigação ambiental que possam solucionar o problema não é somente da gestão pública atual, mas de vários gestores municipais ao longo de anos.
Enfim, essa história de descaso municipal em torno dos rios do Perímetro da Orla Norte e em outras partes do município somente mudará quando a cidade tomar consciência dos prejuízos ambientais a partir da possível morte dos rios. Diante dessa consciência, surgirão novos atores cônscios socioambientais e, dessa forma, haverá a cobrança de uma visão socioambiental sustentável das gestões públicas locais, que levem em conta um projeto de governo de respeito à biodiversidade ambiental e desenvolvam políticas de justiça socioambiental.
Referências bibliográficas
BRASIL. Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Porto Seguro. Porto Seguro, 2014.
Esgoto da Embasa vaza para o Rio da Vila. Disponível em: http://www.jornaldosol.com.br/index.php/meio-ambiente/313-esgoto-da-embasa-vaza-para-o-rio-da-vila. Acesso em 10 de julho de 2016.
QUEIROZ, Renato da Silva. Caminhos que andam: os rios e a cultura brasileira. In REBOUÇAS, Aldo da Cunha. BRAGA, Benedito e TUNDISI. José Galizia. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.
SANTANA, Elissandro dos Santos. Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro-Bahia. Paripiranga: Revista Letrando ISSN 2317-0735, 2016. b.
SILVA, Marcelo Santana. FERNANDES, Fábio Matos. Turismo, desenvolvimento local e pobreza no município de Porto Seguro – BA. Revista Espaço Acadêmico, N. 51. Agosto/2005, Mensal, ISSN 1519-6186.
1 Colunista de sustentabilidade e meio ambiente, tradutor e colaborador do Portal e Revista Desacato; Membro do Conselho Editorial da Revista Letrando; Especialista em Sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais.
E-mail: lissandrosantana@hotmail.com
in EcoDebate, 19/08/2016
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Artigo muito esclarecedor, mas o autor comete uma falha comum a outros que tratam do assunto. Esquece que os rios são frutos das suas bacias hidrográficas e não só de seus entornos. Uma frase do artigo identifica isso, quando culpa o depósito de resíduos e a “retirada da cobertura vegetal às margens dos cursos de água”. A Lei 9.433, a chamada Lei das Águas, deixa claro a responsabilidade da “bacia hidrográfica’, mas ainda não absorvemos bem isso. Continuo insistindo nesse ponto, pois enquanto insistirmos em desconhecer a bacia, os cursos d’água não terão salvação.
Prezado Osvaldo, este artigo foi só um recorte, ou seja, uma das possibilidades de abordagem. O que o Senhor chama de falha, chamo de recorte. Ninguém consegue dizer tudo, mas, enfim, uma de minhas outras análises que já está construção, inclusive, menciona essa questão em linhas mais amplas, atingindo a dimensão de bacia. Sem mais, deixo um abraço e a colaboração.
Prezado Osvaldo, a pesquisa se deu em torno do entorno do perímetro da Orla Norte, no encontro com a praia, sempre partindo da premissa da necessidade de recorte de objeto e de campo que a pesquisa exige, quando esta é feita apenas por apenas um pesquisador. Pesquisar a dimensão de bacia exige tempo, já que estou sozinho no trabalho de campo nesse âmbito. Em outro momento, farei recorte nas nascentes e, depois, tomando em consideração a dimensão de bacia. Enfim, talvez o que o senhor rotule como falha seja uma questão pragmática de pesquisa, devido ao recorte de pesquisa. Todos os resultados de pesquisa culminarão em um livro e estou fazendo por partes, mas assim que tudo estiver concluído, teremos uma dimensão mais complexa, em rede. No mais, mais uma vez, deixo um grande abraço.
Caro Elissandro, há meses acompanho teus trabalhos em Porto Seguro e sei das dificuldades de pesquisar sozinho e sem apoio financeiro. Ademais, compreendo o que o Senhor menciona acerca desse trabalho ser apenas um recorte, pois venho acompanhando o seu trabalho e também falo a partir de minha própria empiria com os limites da metodologia e dos caminhos de pesquisa. Aos poucos, com certeza, atingirá a dimensão de bacia. Por fim, o senhor realiza um excelente trabalho!
Acabei de ler teu e-mail e entendi esta questão do recorte, por isso, teci os comentários acima. Nem precisava ter explicado, pois eu tenho conhecimento disso e já acompanho teus trabalhos há algum tempo, mas continue entrando em contato e enviando os artigos publicados, pois cresceremos juntos. Na verdade, quando entrar em contato, nem precisa copiar todo o texto e me enviar, basta pontuar que saiu artigo, pois virei direto à Ecodebate, espaço no qual sai parte de seus trabalhos. Nesse momento, estou aqui preparando aulas e vendo a possibilidade de discutir esse seu trabalho. Por fim, foi um prazer manter um contato aberto com o Senhor e espero conhecê-lo assim que voltar a porto Seguro.