EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

As monoculturas da mente, Parte 2/3, artigo de Roberto Naime

 

Dr. Vandana Shiva. Foto: http://vandanashiva.com

 

[EcoDebate] Prosseguindo a digressão de Vandana Shiva, física, escritora e ativista ambiental, foi indagada sobre eventos políticos internos da Índia, assim se referindo “o governo da Índia não abraçou a globalização de maneira voluntária. Em 1991, o Banco Mundial disse basicamente “Vocês tem de se ajustar estruturalmente”. Durante esse período, tínhamos um movimento muito intenso começado em 1988, quando os Estados Unidos mudaram suas leis de comércio e os representantes comerciais ganharam mais poder. Além disso, novas áreas foram trazidas para o Ato de Comércio dos EUA (“US Trade Act”). Foram adicionadas duas cláusulas. Uma é chamada Special 301. A outra, Super 301. Essas cláusulas basicamente permitiram que o representante comercial dos EUA criasse uma ação comercial unilateral contra qualquer país que não respeitasse as leis dos EUA. Supõe-se que os indianos deveriam respeitar as leis da Índia. Mas de repente fomos obrigados a respeitar as leis dos EUA”.

Ela continua “durante a resistência contra essas cláusulas 301, Carla Hills, a representante comercial dos EUA, visitou-nos em 1991 ou 1992. Ela anunciou que os EUA iriam abrir a economia indiana para as empresas norte-americanas por meio de ação judicial. Isso, é claro, alarmou todo o país. As pessoas não podiam aceitar que um representante comercial de outro país pudesse decidir que a economia de nosso país não era para ele próprio, mas para as empresas dos EUA. Os agricultores usaram essa questão para derrubar a fábrica da Cargill em 1992. Quando iniciaram a ação, eles disseram “Vocês falaram que iriam derrubar nossa economia judicialmente. Nós vamos derrubar suas multinacionais judicialmente”.

O entrevistador Barsamian, então afirma que “você foi fundamental ao trazer a cultura do nim para a atenção das pessoas” e ela complementa “o nim dá em qualquer quintal da Índia. Cresce também em todos os ecossistemas do país. Foi tradicionalmente chamado de árvore do milagre, assim como pela ciência moderna. Seus galhos são utilizados como escovas de dentes. Suas folhas muito tenras podem ser comidas. É purificadora do sangue, um fungicida absolutamente extraordinário. Nós a usamos para curar doenças da pele. Quando você faz uma massagem com óleo de nim, os mosquitos não conseguem mordê-lo. Foi uma cura para a malária. Além disso, quando você tem nins plantados, os mosquitos não ficam por perto. É um tratamento não violento para o controle de pragas. Ele não mata as pragas, apenas as dopa por algum tempo para que não se reproduzam tão rápido. Utilizamos essa árvore por séculos. Iniciei uma campanha na Índia chamada “chega de Bhopals”, plante um Nim. A ideia veio do desastre de Bhopal, provocado pela fábrica de pesticidas da Union Carbide, que matou 3.000 pessoas. Como estava envolvida com a agricultura ecológica por bastante tempo, pensei que o nim devesse ser uma boa alternativa aos pesticidas químicos. Uma década depois fizemos essa campanha, espalhando o nim entre os agricultores, muito mais do que a prática convencional, pois seu uso tradicional foi esquecido por causa da atitude de querer fazer tudo rápido e de maneira fácil para resolver um problema. Por que temos de perder nosso tempo fazendo extrações, extraindo óleo? Temos aqui um “spray”. É só borrifar. Por causa desse atalho, eu a chamo de tecnologia negligente e preguiçosa, os agricultores haviam parado de usar o nim em grandes áreas. Estávamos comprando máquinas extratoras de óleo de nim. Em 1994 encontrei em um periódico sobre biotecnologia uma reivindicação de invenção do uso do nim como pesticida e fungicida. Então entramos com um processo. Iniciamos uma campanha e coletamos assinaturas. Fomos para a Corte Europeia e até mesmo para o “United States Patent Office”, órgão responsável por patentes nos EUA. Eles disseram que não podíamos realmente contestar uma reivindicação porque não estava sendo estabelecido um prejuízo comercial. Se tivéssemos um prejuízo público, um prejuízo ao interesse público, não seria o suficiente. Mas o recurso europeu foi aceito. Fizemos essa contestação em conjunto com a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica e o Partido Verde na Europa. Vencemos esse caso. Foi uma vitória muito importante. Usaram os dados relacionados ao nosso uso do nim, inclusive de cientistas que trabalharam com essa árvore nos últimos 40 anos. Fomos capazes de estabelecer que as reivindicações de W. R. Grace, que possuía essa patente, no Departamento de Agricultura dos EUA, eram falsas. Eles não haviam feito nada de novo. Estavam apenas pegando um conhecimento já existente e o colocando em forma de uma aplicação de patente muito complicada”.

Sobre fazer uma conexão entre a criação da pobreza, o monopólio e as patentes, ela argui “basicamente, uma patente é um direito de impedir quem quer que seja de produzir, vender e distribuir o que foi patenteado. Muito claramente, esse direito de excluir estabelece um monopólio no mercado. Caso a patente de Grace sobre o uso do nim como pesticida não fosse contestada, ele emergiria como o único fornecedor de nim como pesticida nos mercados mundiais. Eles ainda estão nos Estados Unidos. É claro, agora eles foram comprados por outra empresa. Mas hoje, na Índia, como não temos regimes similares de patentes, cada agricultor pode produzir seus pesticidas. Qualquer empresa, por menor que seja, pode produzir pesticidas. E esse pluralismo econômico é bom. No entanto, uma patente fornece um direito legal de acabar com o que as outras pessoas estão produzindo, vendendo, comprando. As patentes de sementes, que agora são muito comuns na América do Norte, permitem que uma empresa utilize detetives que vão à casa do agricultor ou ao campo onde ele trabalha e achem não apenas as sementes, mas até mesmo sinais de que as sementes poderiam ser provenientes de polinização.

Prosseguindo e finalizando diz ela “o que isso tem a ver com o nim, o tamarindo e a pimenta, que foram patenteados e estão sob controle corporativo? Isso significa que mais cedo ou mais tarde eles podem invocar esse direito legal para excluir os outros do mercado ou para impedi-los de produzir suas próprias coisas. Já existem muitos julgamentos sobre questões de patentes em que as corporações dizem “Não importa se você está produzindo suas próprias sementes, mesmo que sejam para seu próprio consumo e não as esteja vendendo comercialmente. O que você está fazendo está prejudicando o mercado comercial da companhia, que poderia estar vendendo-as para você caso você mesmo não as estivesse produzindo. Portanto, eles interpretam mesmo uma atividade de subsistência como uma atividade comercial”.

Referência: http://ideiaweb.org/?p=1131

 

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

Nota da Redação – Leiam, ainda, o artigo anterior desta série:

As monoculturas da mente, Parte 1/3

 

in EcoDebate, 10/08/2016

[cite]

 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate

Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate

Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.