Prosperidade e decrescimento demoeconômico no Japão, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“I only went out for a walk, and finally concluded to stay out till sundown,
for going out, I found, was really going in”
John Muir
[EcoDebate] A presença humana no Japão aconteceu há 35 mil anos, quando os povos do leste da Ásia chegaram ao arquipélago japonês. A população cresceu e a cultura se desenvolveu com grande influência da China e da filosofia de Confúcio. A religião xintoísta se expandiu a partir da influência do taoísmo. O budismo (original da Índia) chegou ao Japão no ano de 552 trazido por sacerdotes da China e da Coreia. Os portugueses chegaram a ter influência no Japão no século XVI e conseguiram converter muitos japoneses ao catolicismo. Neste período o Japão, com cerca de 26 milhões de habitantes, era uma sociedade feudal relativamente bem desenvolvida com tecnologia pré-industrial. No início do século XVII, O Xogum Tokugawa unificou o país e expulsou os portugueses, fechando o país aos estrangeiros por cerca de 250 anos.
Mas em 1854, os navios da Marinha dos Estados Unidos, liderados por Matthew C. Perry, forçaram a abertura do país ao comércio internacional, enfraquecendo o xogunato Tokugawa. Em 1968, houve a chamada restauração Meiji, quando o poder foi centralizado nas mãos do imperador Mutsuhito. Reconhecendo que o Japão estava atrasado em relação aos países ocidentais a revolução Meiji iniciou um processo acelerado de desenvolvimento econômico e fortalecimento do poderio japonês para fazer frente às ameaças externas. O Japão surpreendeu o mundo ao vencer a Rússia na guerra de 1904-1905. Mas em seguida optou pelo empoderamento militar e conquistou a Coreia, Taiwan e a ilha de Sacalina. Nos anos 1930 invadiu a Manchúria, na China, cometendo uma série de barbaridades e se aliou ao Eixo fascista/nazista na Segunda Guerra Mundial. Em 7 de dezembro de 1941, o Japão atacou a base naval de Pearl Harbor e declarou guerra aos Estados Unidos. Somente depois dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, o Japão concordou com a rendição incondicional de suas forças em 15 de agosto de 1945. A derrota na Segunda Guerra obrigou o Japão a seguir um caminho de paz e a ocupação americana proibiu a formação de um exército ofensivo e o uso de armas nucleares.
Portanto, o Japão não tinha outra alternativa senão buscar uma solução de paz e de desenvolvimento de tecnologia civil para sair da situação de destruição e de pobreza deixada pela herança militarista. Os grandes conglomerados japoneses – que participaram da aventura do imperialismo de guerra e de colonização – passaram a atuar para a conquista mercados para a crescente indústria de bens e serviços. O setor produtivo do Japão aperfeiçoou suas vantagens comparativas e buscou todas as oportunidades possíveis para vender seus produtos e garantir divisas para comprar alimentos e matérias-primas para as quais o país era carente.
De 1945 até 1990 o Japão foi o país que apresentou as maiores taxas de crescimento per capita do mundo e soube investir em educação, saúde e infraestrutura, transformando-se na segunda economia mais poderosa do Planeta, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 1980, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos (em poder de paridade de compra) era de 2,8 trilhões de dólares, o do Japão era de 1 trilhão de dólares, da Alemanha de 866 bilhões e o PIB da China era somente de 303 bilhões de dólares. O Japão passou a ser o primeiro país não ocidental (ou de cultura ocidental) a chegar no topo da liderança da comunidade internacional de nações. Na década de 1980, os produtos “made in Japan” conquistavam o mundo e o modo de produção e a cultura japonesa passaram a ter grande influência global. O Japão passou a ter as menores taxas de mortalidade infantil, a maior esperança de vida e excelentes níveis de escolaridade.
O Japão tornou-se uma nação rica e próspera. O crescimento do PIB do Japão foi espetacular entre 1945 e 1990. Mas tudo mudou depois de 1990 e o país iniciou um processo de decrescimento na participação mundial, processo que continua até hoje e deve prosseguir no restante do século. O PIB japonês representava quase 9% do PIB mundial em 1991, chegou a 4,3% em 2015 e deve ficar abaixo de 4% em 2020. Contudo, o decrescimento tem ocorrido sem que o Japão tenha perdido a prosperidade e o alto padrão de vida de sua população.
Mas a despeito da perda de posição relativa na economia internacional, a renda per capita do Japão continua crescendo e inclusive melhora em relação à renda per capita brasileira. Em 1980, a renda per capita do Japão (em ppp) era de US$ 8,5 mil e a do Brasil US$ 4,8 mil (1,8 vezes maior). Em 2015, a renda per capita do Japão passou para US$ 38,7 mil e a do Brasil US$ 15 mil (2,6 vezes maior). O menor crescimento econômico do Japão não inviabilizou a melhoria do poder de compra da população. Em relação ao Brasil, a renda per capita japonesa está aumentando e os níveis de violência e problemas sociais são infinitamente menores.
O baixo crescimento econômico do Japão não gerou redução da renda per capita porque houve decrescimento demográfico no país. A população em idade de trabalhar (15 a 64 anos) começou a diminuir quando atingiu o pico de 87 milhões de habitantes em 1994. A população total atingiu o pico de 127,4 milhões em 2009, começando a diminuir a partir de então. Para 2100, a população de 15-64 anos deve cair para 43 milhões de pessoas e a população total deve cair para 83 milhões de habitantes.
O decrescimento demoeconômico já tem um impacto positivo sobre o meio ambiente, com redução da poluição e a diminuição das áreas ecúmenas. A pegada ecológica do Japão cresceu até meados dos anos de 1990 e começou a cair em seguida, enquanto a biocapacidade começou a subir a partir de 2009. Sem dúvida, o Japão tem um déficit ecológico muito grande, mas que deve diminuir nos próximos anos.
Com o decrescimento demoeconômico as emissões de carbono começaram a diminuir. O pico das emissões aconteceu em 2007, sendo que as emissões de 2014 estão abaixo das emissões de 2007 e de 1996. Se o Japão cumprir as Contribuições Voluntárias Nacionalmente Determinadas (INDCs) prometidas na COP-21 haverá uma redução ainda maior das emissões de CO2. O Japão é um dos países com maior cobertura florestal.
O Japão foi um dos países que mais cresceram depois da Segunda Guerra Mundial e se transformou em uma nação com alto nível de prosperidade e com excelente padrão de vida para sua população. O país do “sol nascente” está em processo de decrescimento demográfico e de estagnação econômica, com alto nível de endividamento. Mas ao contrário de aumentar os conflitos sociais, o Japão parece estar conseguindo decrescer mantendo um certo padrão de prosperidade e melhorando as condições ambientais. Enquanto existem analistas que pregam o aumento da natalidade e das imigrações para manter o crescimento econômico indefinido, o Japão dá um bom exemplo para o mundo de como ter um “declínio próspero” (na expressão de H. T. Odum), evitando a ideologia do poderio nacional e imperialista, podendo, ao contrário, curtir paisagens como essa abaixo.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 13/07/2016
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