Consumo consciente, Parte 4/4 (Final), artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] A lógica hegemônica é a do “desuso acelerado” e da “obsolescência programada”, na qual os produtos são feitos para não durar, o que permite que as empresas inovem ou “maquiem” e lancem continuamente novos artigos.
A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade. Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda.
O consumismo precisa ser substituído pela ideia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos. A lógica econômica varreu todo ideal de permanência, é a regra do efêmero que governa a produção e o consumo de objetos.
Os produtos são estudados para que não tenham durabilidade. Ocorre valorização do descartável que, segundo BAUMANT (2008), “tende a ser preconcebida, prescrita e instilada nas práticas dos consumidores mediante a apoteose das novas ofertas (de hoje) e a difamação das antigas (de ontem)”.
A sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade. Tudo que é “velho” passa a ser “defasado”, cujo destino é o descarte. Isto vale não só para bens e produtos, mas também para as relações afetivas.
Todo esse lixo é resultante de um sistema dinâmico por natureza que cria novas maneiras de acumulação; ou seja, o sistema está sempre se modificando para sustentar e ampliar suas relações (SABADINI, 2013).
Ao se olhar a história, podemos observar uma evolução na qual a mercadoria, ou seja, o valor do produto evoluiu em favor do movimento sistêmico. Com a forma dinheiro, um representante mais desenvolvido do valor e do fetiche, uma substantivação do valor se desenvolvem significativamente, passando a um nível mais elevado de abstração; na representação contraditória e profunda da natureza do sistema de consumismo. O dinheiro expressa o signo das relações sociais, políticas e econômicas entre os indivíduos.
É um dos instrumentos de dominação, de exploração, de reificação das relações humanas identificadas ao caráter inanimado e quantitativo das mercadorias. (SABADINI, 2013, p. 588).
Como consequência, ao lado da sociedade de consumidores floresce uma rentável indústria de remoção e tratamento do lixo. Porém, não é possível antever se a indústria da reciclagem, um nicho emergente de negócio, dará conta de lidar com esta “estética do descartável”, pois, por mais ativa que seja, há sempre o fenômeno da aceleração dos padrões de descartabilidade.
A solução vai muito mais além do que o reuso ou reciclagem de resíduos, mas passa primordialmente por uma revisão existencial (ética) sobre o modo com que a sociedade de consumo adquire e descarta tão rapidamente as coisas.
Se a reciclagem está aumentando, o mesmo se dá com o lixo. Neste contexto de efemeridade e descartabilidade, o consumo consciente assume ares de utopia ou de medida paliativa.
ALENCASTRO et. al. (2014) assinala que é factível que as pessoas possam se fortalecer politicamente e atuar de forma mais efetiva sobre os padrões de produção e consumo, mas a dúvida é se realmente desejam, ou podem, fazer isto.
Seguindo PÁDUA (1992, p. 59), “vive-se hoje num dilema histórico: o crescimento da consciência do planeta e, ao mesmo tempo, a vontade de consumir”. É uma situação ambígua e complexa, pois, ao lado de uma explosão do consumismo, da vontade do mercado, coexiste uma explosão da vontade de preservar o planeta.
É uma contradição que pode ser vista até em encontros de ambientalistas, nos quais os telefones celulares e notebooks de última geração, bem como as grifes da moda, ocupam o mesmo espaço dos discursos mais radicais em defesa do meio ambiente.
Sendo assim, como é possível reformular o atual modelo de consumo, cujo padrão ideal está baseado nos valores norte-americanos propagados e sacralizados pela mídia e adequá-lo a padrões mais aderentes à sustentabilidade planetária?
É uma questão complexa, um desafio para a reflexão daqueles envolvidos com a problemática socioambiental. Para muitos, um problema sem solução, já que o mundo estaria completamente “hipnotizado” por este estilo de vida.
Para outros tantos um desafio a ser superado com ousadia e criatividade. É o caso dos “Adbusters”, ativistas canadenses que protestam contra a invasão das corporações na vida das pessoas num momento em que tudo virou mídia e publicidade.
O “dia de não comprar nada”, um boicote coletivo ao mercado, é uma iniciativa deste grupo. Iniciado no Canadá em 1992, o “dia de não comprar nada” já é comemorado em 38 países.
O compartilhamento dos manifestantes nos quatro cantos do mundo é o protesto contra a produção e o consumo exagerado de mercadorias e a destruição humana e ambiental provocada pelas sociedades de consumo. É um dia em que, para desespero do mercado, a roda do consumo gira de forma mais lenta.
A civilização humana vai acabar determinando nova autopoiese sistêmica, na acepção livre das concepções de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio.
Os movimentos sociais apresentam a distorção sistêmica de articular mudanças ideológicas como se fossem soluções para questões ambientais. Mas uma nova autopoise sistêmica para o arranjo social, é urgente e precisa ser desenvolvida pela civilização humana.
Esta mudança deve começar logo, juntando as lutas singulares, os esforços diários, os processos de auto-organização e as reformas para retardar a crise, com uma visão centrada numa mudança de civilização e uma nova sociedade em harmonia com a natureza.
Não é preciso esperar catástrofe ecológica ou hecatombe civilizatória para determinar nova autopoiese sistêmica. Nada foi mais deletério em causar a maior catástrofe ambiental do planeta do que a falta de liberdade e imprensa livre dos ditos regimes socialistas.
Referências:
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p.114.
ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BERTÉ, Rodrigo. Gestão Socioambiental no Brasil: uma análise ecocêntrica. Editora Intersaberes, 2013: Curitiba – PR
DE ARAÚJO, Geraldino Carneiro et al. Sustentabilidade empresarial: Conceito e indicadores. Anais do 3 Congresso virtual brasileiro de administração. 2006. 3 Ver http://adbusters.org/home/
DE OLIVEIRA CLARO, Priscila Borin; CLARO, Danny Pimentel; AMÂNCIO, Robson. Entendendo o conceito de sustentabilidade nas organizações. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, v. 43, n. 4, 2008.
DUPAS, Gilberto. Ética e poder na sociedade da informação: de como a autonomia das novas tecnologias obriga a rever o mito do progresso. 2.ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
GORZ, André. Metamorfoses do trabalho: crítica da razão econômica. São Paulo: Annablume, 2003.
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.
LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973. p. 24 e 27.
MONTIBELLER FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. Florianópolis: Ed. UFSC, 2004.
PÁDUA, José Augusto de. Valores pós-materialistas e movimentos sociais: o ecologismo como movimento histórico. In: UNGER, Nancy Mangabeira (Org.). Fundamentos filosóficos do pensamento ecológico. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
ALENCASTRO, Mario Sergio Cunha. EBERSPACHER, Aline Mara Gumz. KRAETZ, Guisela Kraetz. BERTÉ, Rodrigo. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E CONSUMO CONSCIENTE: ALGUMAS REFLEXÕES Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ed. Especial, vol. 7, n. 3, p. 738 – 752, jul – dez 2014
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
** Artigos anteriores desta série:
in EcoDebate, 13/07/2016
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Nada foi mais deletério em causar a maior catástrofe ambiental do planeta do que a falta de liberdade e imprensa livre dos regimes políticos extremistas, tanto de esquerda como de direita.