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Zika, a epidemia da desigualdade

aedes aegypti
Infográfico EBC

Por Tatiana Almeida, UNFPA Brasil

Considerando as áreas geográficas de maior incidência de infecção pelo vírus zika e as caraterísticas da população mais afetada – mulheres, jovens e população negra – é possível concluir que a epidemia de zika não é apenas um problema de saúde pública, mas também o resultado das desigualdades sociais que ainda persistem.

Além das vulnerabilidades relacionadas com o acesso a água tratada e saneamento básico, é urgente resolver as desigualdades no acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva. Esta foi a mensagem da Diretora Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margareth Chang, proferida na 69ª Assembléia Mundial da Saúde realizada em Maio, em Genebra. “O zika revela a consequência extrema da ausência de um acesso universal aos serviços de planejamento sexual e familiar”, afirmou.

Em Março, o Diretor Executivo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Babatunde Osotimehin, tinha instado os governos a fornecer informações e a garantir o acesso ao planejamento reprodutivo das mulheres, entendendo que só assim elas podem tomar decisões informadas sobre sua saúde reprodutiva e se proteger da infecção, uma vez que está confirmado o risco de contágio por via sexual.

Nossa, que zica!”

O termo “zica”, que na gíria popular é sinônimo de coisa esquisita ou desconhecida, entrou definitivamente no vocabulário do povo brasileiro, no ano 2015, pelas piores razões. Segundo o Ministério da Saúde, existem 1.616 casos confirmados de microcefalia, e outras alterações do sistema nervoso, sugestivos de infecção congênita de um total de 8,039 casos suspeitos em todo o país desde outubro de 2015. Bahia e Pernambuco são os Estados mais afetados no Brasil com, respectivamente, 263 e 366 casos confirmados de microcefalia.

É Marta Leiro quem faz a pergunta: “Você teve zika?”. Eunice não hesita na resposta: “Eu tive zika, tive tudo a que o pobre tem direito de ter!”. Ambas integram o Coletivo de Mulheres do Calafate (CMC), uma organização comunitária feminista localizada no bairro San Martin, em Salvador (Bahia). Entidade parceira do UNFPA, o CMC tem como objetivo acabar com a violência de gênero no intuito de promover sua saúde e direitos humanos.

Febre, erupções cutâneas, conjutivite, dores nos músculos e articulações, dor de cabeça e mal-estar são, de acordo com a OMS, os sintomas mais comuns do vírus zika. Não se sabe ao certo o período de incubação do vírus, certo é que os sintomas permanecem por 2 a 7 dias.

Greicy Alves, de 30 anos, não planejou a segunda gravidez e quando aos três meses de gestação recebeu o diagnóstico de infecção por zika estava longe de saber que havia risco de microcefalia. No dia em que Gabriel nasceu, o zika era já uma emergência global de saúde pública, sendo o Brasil um dos 60 países afetados (39 nas Américas), e estava confirmada a associação da infecção por zika com os casos de microcefalia ou outras alterações do sistema nervoso.

Aí foi que eu vim saber desse vírus zika o que ele causava. Foi uns cinco dias depois que eu vim vendo o tamanhinho da cabeça, a diferença com os outros bebê e a ficha foi caindo”, recorda.

No Calafate, Greicy foi a primeira mãe de uma criança com microcefalia. Mulher e mãe solteira, com poucos recursos ou apoio, ela sofreu com o preconceito e isolou-se em casa. “O preconceito rola por demais, todo o mundo olha, cutuca o outro. Antes eu ficava muito irritada com isso mas eu não ligo mais. ‘Oh ele tem aquela doença, é?’”, desabafa.

Para Azânia Correia, do Coletivo de Mulheres do Calafate, o vírus zika representou mais um desafio para a comunidade: “Uma comunidade periférica de Salvador, ela já é violentada diariamente pelos seus direitos interrompidos então o zika constituiu mais um problema de saúde pública. A gente percebeu a fragilidade a que as mulheres estavam sendo expostas”. No caso de Greicy, recorda, foi preciso acolher e apoiá-la porque “além de ser mãe ela é mulher, tem a vida dela, tem outro filho então ela não estava sendo lembrada. E ela não é mãe do menino com microcefalia, ela é Greicy, ela tem nome”.

Um quarteirão mais adiante vive Cláudia Santos de Jesus, grávida de 7 meses, cuja gravidez foi desejada e planejada. “Se eu soubesse {que havia o vírus zika } eu teria evitado, segurado mais um pouco para engravidar. Porque eu deixei de me prevenir, engravidei porque eu quis. Hoje já estou aliviada porque graças a Deus os exames comprovam que o meu bebê está bem, que está perfeito, e eu só estou aguardando a hora”, conta.

A sorte ditou que nem Cláudia nem o marido fossem infectados pelo vírus zika, ainda assim durante cinco meses a gestante viveu preocupada: “chegava na recepção [do posto de saúde] e nunca conseguia agendar uma consulta, não tinha agenda da médica, não tinha dia. Só com cinco meses que eu fui à médica e ela me perguntou porque eu demorei tanto para procurar um posto de saúde. (…) Ela até me falou que eles sabiam na recepção que a prioridade era para as grávidas só que não sei se por má vontade ou por falta de consciência (…) eu nunca conseguia uma vaga”.

Nas idas ao posto de saúde a epidemia do vírus zika e suas consequências estão bem presentes: “às vezes a gente está no posto de saúde chega o pessoal cobre a cabecinha (do bebê) para ninguém ver ou ficar fazendo pergunta. Tem pessoas que fazem muita pergunta indireta e aí a pessoa se sente constrangida. Quando a pessoa não se cala, começa o desaforo”, relata Cláudia.

Durante as sessões de terapia do filho, Greicy conheceu outras mães de crianças com microcefalia. As histórias em comum levaram à criação de “Mamães de Anjos”, um grupo de entreajuda de mulheres e mães que lutam pelos seus direitos e os de suas crianças. “O meu sonho é ver o Gabriel andando, falando, correndo e eu estar reclamando com ele como eu faço com o meu Flávio Henrique”, conta Greicy emocionada.

Como teria sido a vida de Greicy e a de tantas outras mulheres brasileiras se tivessem tido acesso a educação, a serviços de saúde e recebido aconselhamento sobre seus direitos reprodutivos?”, é a pergunta de Jaime Nadal, Representante do UNFPA Brasil, que acrescenta “este é o momento para aprendermos com o passado e garantirmos estes direitos no futuro para que cada gravidez seja desejada, cada parto seguro e o potencial de cada jovem realizado”.

O UNFPA Brasil prepara-se para lançar oficialmente a iniciativa “Atuando em contextos de Zika: direitos reprodutivos de grupos em situação de vulnerabilidade”, cujo objetivo é mobilizar comunidades e ampliar o acesso à informações sobre o zika e seus efeitos na saúde das mulheres com um enfoque em direitos, igualdade de gênero e planejamento voluntário da vida reprodutiva.

A iniciativa prioriza a população mais vulnerável – mulheres em idade reprodutiva, especialmente adolescentes e jovens afrodescendentes de 15 a 29 anos das localidades com maior vulnerabilidade socioambiental e/ou com maior incidência de microcefalia e malformações sugestivas de infecções congênitas por zika de Pernambuco e da Bahia, Estados com maior número de casos confirmados de microcefalia. Inclui ações de campo a serem realizadas em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e 11 organizações da sociedade civil, com recursos do Fundo de Emergência Global do UNFPA e do Governo do Japão.

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O UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, é a agência de desenvolvimento internacional da ONU que trata de questões populacionais. Está presente em mais de 150 países e territórios, sendo responsável por contribuir com os países para garantir o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva, incluindo o exercício do direito à maternidade segura. O UNFPA também trabalha para que os direitos das juventudes sejam efetivados e para que todas as pessoas jovens possam atingir seu pleno potencial. Além disso, apoia  os países na produção e utilização de dados populacionais que subsidiem a tomada de decisão no campo das políticas públicas. O UNFPA atua no Brasil desde 1973.

Como parte da a iniciativa “Atuando em contextos de Zika: direitos reprodutivos de grupos em situação de vulnerabilidade”, o UNFPA irá preparar e compartilhar regularmente estórias de vida das mulheres e famílias afetadas nas comunidades de Pernambuco e Bahia onde o projeto será realizado.

Saiba mais em: www.unfpa.org.br

 

in EcoDebate, 05/07/2016

 

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