As quatro grandes fases da modernidade capitalista, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
As quatro grandes fases da modernidade capitalista, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Assim como no século XIX a modernização dissolveu a esclerosada sociedade agrária estamental e, ao depurá-la, extraiu a imagem estrutural da sociedade industrial, hoje a modernização dissolve os contornos da sociedade industrial e, na continuidade da modernidade, surge uma outra configuração social” (Ulrich Beck)
[EcoDebate] Não é fácil definir o que é modernidade, pois este fenômeno é impreciso no seu começo, mutante no seu conteúdo e incerto nos seus desdobramentos. De modo geral podemos dizer que a modernidade começa com o fim do período medieval, com as grandes navegações e a globalização daí decorrente, o fortalecimento do Estado-nação, além da superação da forma de organização social e do pensamento tradicional.
Segundo Giddens: “Como uma primeira aproximação, digamos simplesmente o seguinte: modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”.
Segundo Alan Touraine: “Modernidade, na sua forma mais ambiciosa, foi a afirmação de que o homem é o que ele faz, e que, portanto, deve existir uma correspondência cada vez mais estreita entre a produção, tornada mais eficaz pela ciência, a tecnologia ou a administração, a organização da sociedade, regulada pela lei e a vida pessoal, animada pelo interesse, mas também pela vontade de se libertar de todas as opressões”. Ele continua: “Modernidade como relação, carregada de tensões, entre Razão e Sujeito, racionalização e objetivação, espírito da Renascença e espírito da reforma, ciência e liberdade”
O fato é que a modernidade é um processo em movimento, nem sempre para a frente, que acontece em vários âmbitos: social, geográfico, econômico, político, ideológico, cultural e pedagógico. Como revolução econômica, a modernidade marca a superação da economia agrária e rural, para iniciar a construção de uma economia de intercâmbio baseada na mercadoria, no dinheiro, na capitalização, no investimento, na produtividade e na organização urbana-industrial.
Como revolução política, a Modernidade gira em torno do Estado Moderno, centralizado, controlado pelo poder soberano (absoluto ou democrático), organizado segundo critérios racionais de eficiência e voltado para o progresso econômico e social. O sistema de controle passa pelo fortalecimento de uma burocracia que busca o consenso e o controle da sociedade via uma série de instituições. A Modernidade promove a formação de uma nova classe hegemônica, a burguesia, que nasce nas cidades e promove o processo econômico capitalista, assim como delineia, no geral, uma concepção de mundo laica e racionalista.
O sistema capitalista coloca em primeiro lugar o cálculo econômico eficiente e tem como meta a geração de riqueza (bens e serviços) via exploração do trabalho, o avanço tecnológico e energético e a dominação e a exploração da natureza. Para Marx, o motor da modernidade é a luta de classes, levada ao extremo entre burguesia e proletariado. Para Durkheim e Weber, o motor da modernidade é a divisão social do trabalho, a racionalidade e o industrialismo. Para os clássicos da sociologia, as Revoluções Industriais eram a chave do progresso e da modernização.
Para efeitos didáticos, vamos separar a modernidade em quatro fases: baixa modernidade (1776/1789-1889); média modernidade (1889-1989); alta modernidade (1989-2009) e pós-modernidade ou modernidade em crise (2009 – +). Estas fases correspondem à 1ª Revolução Industrial; 2ª Revolução Industrial; 3ª Revolução Industrial; 4ª Revolução Industrial ou Estagnação Secular.
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Baixa Modernidade e 1ª Revolução Industrial (1776/1789-1889)
Vamos considerar o começo da modernidade e da 1ª Revolução Industrial e Energética como o período 1776-1789. O ano de 1776 foi marcante devido à conjugação de três acontecimentos históricos: a Independência dos Estados Unidos; O lançamento do livro “A riqueza das nações” de Adam Smith e a entrada em funcionamento da máquina a vapor aperfeiçoada por James Watt que deu início à utilização dos combustíveis fósseis em larga escala. O ano de 1789 foi marcado pela Revolução Francesa que teve grande impacto nos séculos seguintes.
A 1ª Revolução Industrial e Energética se caracterizou pelos seguintes elementos: energia a vapor, indústria do ferro, revolução têxtil, bens de consumo corrente, navegação e ferrovia a vapor, telégrafo com fio, início do saneamento básico, etc. Abaixo as principais características desse período, do capitalismo concorrencial:
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Predominância setor primário
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Baixa intervenção estatal
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Exportação de mercadorias
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Predominância capital industrial
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Manufatura e indústria
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Moeda fiduciária
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Ausência da organização “científica” do trabalho
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Colonização da África, ALC e Ásia
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Autoritarismo e Absolutismo
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Predominância britânica 1815-1914
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Altas taxas de mortalidade e natalidade
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Exclusão da cidadania feminina
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Ausência de políticas públicas
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Superação do pré-moderno
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Média Modernidade e 2ª Revolução Industrial (1889-1945)
O ano de 1889 está sendo tomado como uma data de referência de várias coisas que aconteceram na época, como o desenvolvimento do motor a combustão e do automóvel a partir das invenções de Karl Benz, James Atkinson Edward Butler, Gottlieb Daimler, Rudolf Diesel. Em 1889, Félix Millet desenvolveu o primeiro veículo impulsionado por um motor rotativo na história do transporte. Foi também em 1889 que é aberta a Torre Eiffel, nos 100 anos da Revolução Francesa, feita a primeira Constituição da Era Meiji e a República no Brasil. Mas o mais importante foi o desenvolvimento da 2ª Revolução Industrial e Energética que se inicia.
Capitalismo monopolista – 1ª fase da 2ª Revolução Industrial (1889-1945)
Avanço da energia elétrica, petróleo, motor a combustão interna, aço, telefone, telégrafo sem fio, rádio, automóveis, linha de montagem, tratores, avião, bens de consumo duráveis, geladeira, máquina de escrever, fotografia, cinema, ampliação do saneamento básico, etc. Abaixo as principais características desse período:
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Fortalecimento do setor secundário
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Média intervenção estatal
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Exportação de mercadoria e capital
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Formação do capital financeiro
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Grande indústria
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Taylorismo e Fordismo
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Colonização
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Autoritarismo, fascismo e nazismo.
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Disputa inter-imperialista
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Queda da mortalidade
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Conquista do voto feminino
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Início das políticas públicas
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Modernidade sólida
Capitalismo monopolista – 2ª fase da 2ª Revolução Industrial (1945-1989)
Avanço da energia nuclear, sociedade de consumo de massas, avião à jato, helicóptero, antibióticos, ver. Microeletrônica, satélites, televisão, telecomunicações, computadores (mainframes), defensivos e fertilizantes, “revolução verde”, conquista espacial etc. Abaixo as principais características desse período:
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Predominância do setor secundário
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Alta intervenção estatal (keynesianismo) e estatismo
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Internacionalização da produção e do capital
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Ampliação do capital financeiro
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Conglomerado integrado/holding
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Crise do taylorismo- fordismo e administração científica de empresas
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Descolonização dos países da África e Ásia
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Democracias e ditaduras
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Conflito Leste X Oeste (Guerra Fria)
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Queda das taxas de fecundidade nos países em desenvolvimento e renda média
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Revolução sexual e luta contra as discriminações de gênero
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Crescimento das lutas pelos direitos da diversidade e de identidade
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Estado de Bem-estar social (Welfare State)
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Sociedade do consumo de massa
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Hegemonia Americana
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Modernidade reflexiva
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Alta Modernidade e 3ª Revolução Industrial (1989-2009)
Nos anos 1970 e 1980 o modelo fordista, taylorista e até keynesiano entraram em crise. Há o aumento do preço do petróleo a partir de 1973, um agravamento da crise ambiental e uma crise do sistema de Bretton Woods. A produção padronizada fordista passou a ser superada pela produção flexível e o surgimento do computador pessoal deu início a novas possibilidades de produção e de inserção do indivíduo na sociedade da informação. O ano de 1989 foi marcado pela queda do Muro de Berlim, que foi seguido pelo fim da URSS, em 1991, assim como o fim da Guerra Fria que prevaleceu no período anterior.
Esta fase foi marcada pela globalização neoliberal, pela Sociedade em Rede e pela Revolução científica e tecnológica, caracterizada por: Telemática, Computador Pessoal, Internet, TV digital, fibra ótica, novos materiais, engenharia genética, genoma, clonagem, química fina, automação, telefone celular, leitura ótica, avanço espacial, trabalho intelectual coletivo, sociedade do conhecimento, etc. Abaixo as principais características desse período:
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Predominância do setor terciário
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Neoliberalismo
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Transnacionalização da produção e do capital
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Financeirização da economia
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Capitais cruzados – Economia em rede
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Produção flexível, reengenharia, downsizing, reestruturação produtiva etc.
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Formação dos blocos econômicos
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Predominância das democracias formais (crise de representatividade)
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Crise da hegemonia americana e emergência da China
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Baixas taxas de mortalidade e natalidade e fosso demográfico entre ricos e pobres
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Empoderamento das mulheres e equidade de gênero
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Privatização do Welfare State
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Modernidade líquida
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Pós-Modernidade: 4ª Revolução Industrial ou Estagnação Secular (2009 – +)
Atualmente, existe uma convicção generalizada de que a modernidade está em crise. Depois da quebra do banco Lehman Brothers em 2008 e da crise econômica financeira de 2009, a economia internacional está enfrentando grandes dificuldades e o baixo crescimento ocorre em função de alto endividamento e da baixa produtividade. O período 1989 a 2009 foi marcado por um crescimento econômico maior do que na década de 1980 e houve redução da pobreza e a emergência dos dois países mais populosos do mundo: China e Índia. Mas a pobreza voltou a crescer na América Latina a partir de 2014 e a África já não avança como nos anos anteriores. A desigualdade de renda aumenta e relatório da Oxfam, apresentado no Fórum Econômico de Davos, em janeiro de 2016, mostrou que 1% da população global detém mesma riqueza dos 99% restantes. A crise ambiental é a maior da história e tende a se agravar.
Evidentemente, ninguém pode prever com certeza o futuro. Diante da crise atual existem duas perspectivas opostas: uma otimista e outra pessimista. No mês de janeiro de 2016 foram lançados, de forma independente, dois livros que discutem as possibilidades e as limitações que a tecnologia teve no passado e terá no futuro no sentido de avançar com as forças produtivas rumo à estagnação ou ao progresso e à melhoria das condições de vida da humanidade.
O livro “The fourth industrial revolution”, de Klaus Schwab, foi lançado durante o Fórum Econômico Mundial, de Davos e serviu de tema central para o encontro que reúne a elite da economia mundial. O livro diz que estamos à beira de uma revolução tecnológica que irá alterar fundamentalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos uns com os outros. A “Quarta Revolução Industrial, em sua escala, escopo e complexidade, será diferente de tudo que a humanidade já experimentou antes”, como diz o autor.
A Quarta Revolução Industrial deve ampliar a revolução digital que vinha ocorrendo desde meados do século passado, mas, segundo Klaus, ela traz um grande potencial devido a sua natureza hiperconectada, em tempo real, por causa da internet. O livro aponta três vetores propulsores: fatores físicos, digitais e biológicos. Dentre os físicos, como o desenvolvimento de novos materiais, destaca-se o aperfeiçoamento do grafeno, que é 200 vezes mais resistente que o aço e milhares de vezes mais fino que um fio de cabelo, tendo potencial de mudar a indústria e a infraestrutura. Os celulares conectados à internet provocaram uma reorganização de diversos aspectos da vida, como na educação, saúde e no transporte urbano. A biotecnologia, poderá erradicar doenças e até mesmo retardar o envelhecimento das pessoas. Além das mudanças nos sistemas de produção e consumo e amplo uso de inteligência artificial, ela também traria o desenvolvimento de energias verdes.
Portanto, Klaus considera que as transformações de hoje não representam apenas um prolongamento da Terceira Revolução Industrial, mas sim a chegada de um quarto e distinto período, em função: “da velocidade, do alcance e dos sistemas de impacto, pois a velocidade dos avanços atuais não tem precedente histórico, quando comparado com as revoluções industriais anteriores”. A Quarta Revolução avança em ritmo exponencial em vez de linear. Além disso, está envolvendo quase todos os setores em todos os países do mundo. A amplitude e a profundidade dessas mudanças anunciam a transformação dos sistemas inteiros de produção, gestão e governança. Assim, para o autor, bilhões de pessoas conectadas por dispositivos móveis, com um poder sem precedentes de processamento, capacidade de armazenamento e acesso ao conhecimento, oferecem possibilidades ilimitadas. Essas possibilidades poderão ser multiplicadas por avanços tecnológicos emergentes em áreas como inteligência artificial, robótica, a Internet das Coisas, veículos autônomos, a impressão 3-D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência de materiais, armazenamento de energia e computação quântica.
Ainda no raciocínio do autor, a Quarta Revolução Industrial, assim com as revoluções anteriores, tem o potencial de elevar os níveis de renda global e melhorar a qualidade de vida das populações em todo o mundo. A inovação tecnológica também pode levar a um milagre do lado da oferta, com ganhos a longo prazo em termos de eficiência e produtividade. Transporte e comunicação a custos baixos tornariam as cadeias de fornecimento globais e a logística mais eficazes, abrindo novos mercados, impulsionando o crescimento econômico. Não menos importante, a Quarta Revolução Industrial, segundo o autor, pode aperfeiçoar a democracia. Como os mundos físico, digital e biológicas continuam a convergir, novas tecnologias e plataformas vão permitir que os cidadãos participem da gestão governamental, exprimindo suas opiniões, juntando esforços na implementação de políticas públicas e supervisionando as autoridades constituídas. Simultaneamente, os governos ganharão novos poderes tecnológicos, com base em sistemas de vigilância e capacidade de controlar a infraestrutura digital, aumentando a concorrência, a redistribuição das funções e a descentralização do poder.
Evidentemente, toda esta visão cornucopiana e de redenção tecnológica soa como música aos ouvidos da elite econômica que frequenta o Fórum Econômico Mundial. Para Klaus, a Quarta Revolução Industrial seria a prova de que o capitalismo é um sistema não só eficiente, mas que pode ser também justo e democrático. Em sua quarta reedição, a revolução capitalista universalizaria o progresso econômico, social e ambiental. O artigo “Bem-vindos à quarta Revolução Industrial”, de Paulo Afonso da Mata Machado, publicado aqui no Ecodebate (17/06/2016) faz eco ao delírio tecnófilo cornucopiano de Klaus Schwab. Se fosse verdade, seria o triunfo da abundância do paraíso na Terra.
Contudo, esse tipo de delírio tecnológico é contestado no livro “The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War” do professor da Universidade Northwestern, Robert J. Gordon. Há muito tempo o autor tem criticado o tecno-otimismo e as afirmações, de forte cunho ideológico, de que estamos em meio a uma mudança tecnológica revolucionária. Por exemplo, em relação à apologia feita às TICs (Tecnologia de Informação e Comunicação), Gordon argumenta que elas são menos importantes do que qualquer uma das cinco grandes invenções que alimentou o crescimento econômico entre 1870-1970: eletricidade, saneamento urbano, químicos e farmacêuticos, o motor de combustão interna e a comunicação moderna.
Gordon não discorda do papel histórico desempenhado pela tecnologia no passado. Ele recapitula os vínculos entre períodos de rápida expansão econômica e as inovações das três Revoluções Industriais (RI) precedentes: 1ª) a das ferrovias, energia a vapor (carvão mineral) e indústria têxtil, de 1750 a 1830; 2ª) a da eletricidade, motor de explosão, água encanada, banheiros e aquecimento dentro de casa, petróleo e gás, farmacêuticos, plásticos, telefone, de 1870 a 1900; 3ª) a dos computadores, internet, celulares, de 1960 até hoje. Segundo Gordon, a segunda RI teria sido mais importante em termos de acelerar o crescimento econômico, garantindo 100 anos de acelerado avanço na produtividade. Ele argumenta que este evento excepcional é único no tempo e não vai se repetir novamente.
Ele dá exemplo da velocidade do transporte (que é confirmada pelo fracasso do Boeing 787 Dreamliner): “Até 1830, a velocidade de tráfego de passageiros e de mercadorias era limitado pelo ‘casco e vela’, mas aumentou de forma constante até a introdução do Boeing 707, em 1958. Desde então, não houve nenhuma mudança na velocidade e, de fato, os aviões voam mais lento agora do que em 1958 por causa da necessidade de economizar combustível e normas de segurança”.
Outro exemplo se dá pelo engarrafamento das grandes cidades e a crise da mobilidade urbana. Uma carroça puxada por dois cavalos trafegava a 26 km/hora, mas nossos potentes carros atuais não trafegam a 20 km/hora no horário de pico das metrópoles. Nas estradas é grande o número de acidentes e mortes. Desastres e restrições à mobilidade urbana significam perda de eficiência econômica e pressão sobre a qualidade de vida. Nas grandes cidades brasileiras é comum os moradores da periferia gastarem 2 horas da casa para o serviço e mais 2 horas de volta.
A soma do aumento do custo da extração dos combustíveis fósseis e a perda dos ganhos de produtividade pode funcionar como freio ao crescimento econômico. Considerando a economia dos Estados Unidos da América (EUA), Gordon argumenta que existem seis “ventos contrários” (headwinds) que devem desacelerar o crescimento americano: 1) aumento das desigualdades sociais, 2) educação deteriorada; 3) degradação ambiental; 4) maior competição provocada pela globalização; 5) envelhecimento populacional; e 6) o peso dos déficits e do endividamento privado e público.
O autor sugere que estes “ventos contrários” não estão atingindo apenas os EUA, mas todas as economias avançadas, o que deve provocar taxas de crescimento econômico abaixo de 1% nas próximas décadas. Para as sociedades emergentes, os “ventos contrários” também existem, mas sopram com menos intensidade, por enquanto. Mas, numa economia cada vez mais internacionalizada, é difícil imaginar que os países em desenvolvimento possam manter altas taxas de crescimento econômico sem contar com uma dinâmica parecida nos países desenvolvidos.
Evidentemente, a tecnologia contribui para o progresso e o bem-estar da população. O avanço das tecnologias de higiene e de saneamento básico reduziram a mortalidade infantil e aumentaram a esperança de vida, contribuindo para tornar as pessoas mais longevas, mais educadas e mais produtivas. Aliás, a revista britânica The Economist, com base nos estudos de Robert Gordon, fez uma capa (12/01/2013) mostrando que toda a força do pensamento tecnológico recente foi incapaz de inventar uma coisa mais útil e de maior impacto na saúde dos povos do que o vaso sanitário. Os efeitos positivos de uma invenção tão simples desmistificam a apologia das tecnologias mirabolantes.
A tecnologia pode ser aliada do desenvolvimento humano e ambiental, mas também pode ser fonte de dominação, exploração e de auto-engano. O livro de Robert Gordon, portanto, não rejeita a tecnologia, mas apresenta um forte argumento sobre seus limites. Também reforça a tese da “estagnação secular” e do baixo crescimento econômico no restante do atual século. Neste início de ano, enquanto o FMI prevê um crescimento de 2,4% para o PIB dos EUA em 2016, diversos outros estudos apontam um crescimento abaixo de 2% ou mesmo uma recessão. Tudo indica que a Era do alto crescimento econômico é coisa do passado. A América Latina, por exemplo, vai ter dois anos de recessão e sem uma recuperação forte a vista.
Ninguém sabe com certeza como será o futuro. Neste segundo quindênio (2015-2030) do século XXI, quando a agenda global da ONU está centrada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e no Acordo de Paris, aprovado na COP-21, o monitoramento mundial da agenda pós-2015 deveria contrabalançar a atenção entre o oba-oba da Quarta Revolução Industrial, de Klaus Schwab e a crítica realista dos limites tecnológicos feitas por Robert Gordon. A sociedade afluente ainda é um sonho distante para a maioria da população mundial. Mas uma coisa que une problematicamente as 4 fases do capitalismo é o aumento do consumo e da exploração da natureza.
Desta forma, o mundo está em uma encruzilhada. Alguns veem um futuro brilhante com o avanço da 4ª Revolução Industrial e Energética e o aumento do bem-estar global. Outros veem que a modernidade está em crise e enfrenta diversos problemas, como o aumento das desigualdades sociais, a perda de produtividade, a estagnação secular da economia e uma grande crise ambiental e climática. Joseph Tainter mostra que sociedades complexas colapsam quando não conseguem simplificar seu modo de produção e de vida. O progresso pode virar regresso.
Para Ulrich Beck, no livro “Sociedade de Risco”, vivemos em uma sociedade de risco, sendo que: “a sociedade de risco designa uma época em que os aspectos negativos do progresso determinam cada vez mais a natureza das controvérsias que animam a sociedade. O que inicialmente ninguém via e, sobretudo, desejava, a saber, colocar a si mesmo em perigo e a destruição da natureza, está cada vez mais se tornando o motor da história”.
O fato é que o motor da história não é uma máquina, monotonicamente linear, rumo à uma evolução infinita. As histórias de fracasso e colapso são muitas. Certamente o Brexit vai no sentido de rebaixar o processo de globalização e significa um recuo da história.
A modernidade pode falhar em função do seu próprio “sucesso” e da sua ampliação, no espaço e no tempo, até atingir um mundo antropicamente cheio que sufoca os ecossistemas. Como mostra a medicina, o remédio, em altas doses, pode virar veneno. Os riscos são crescentes. O futuro está aberto e pode não ser nada brilhante.
Referências:
ALVES, JED. Quarta revolução industrial ou estagnação secular? Ecodebate, RJ, 17/02/2016
ALVES, JED. A crise do capital no século XXI: choque ambiental e choque marxista. Salvador, Revista Dialética Edição 7, vol 6, ano 5, junho de 2015 http://revistadialetica.com.br/wp-content/uploads/2016/04/005-a-crise-do-capital-no-seculo-xxi.pdf
Beck, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo a uma Outra Modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
Giddens, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo, Ed. Unesp, 1991
Touraine, Alan. Crítica da Modernidade. Petrópolis, Vozes, 1994
Klaus Schwab. The fourth industrial revolution, World Economic Forum, Switzerland, 2016
http://www.amazon.com/dp/B01AIT6SZ8
Robert J. Gordon. The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War (The Princeton Economic History of the Western World), January 2016
http://www.amazon.com/The-Rise-Fall-American-Growth/dp/0691147728
Collapse of Complex Societies by Dr. Joseph Tainter (1 of 7)
https://www.youtube.com/watch?v=ddmQhIiVM48
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 01/07/2016
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Parabéns ao autor, JED, pelo acúmulo de informações contidas no artigo e pela clareza de todas as análises realizadas.
Diante das irrecuperáveis condições de degradação social, econômica, política e ambiental em que se encontra o planeta Terra, afirmar que:
“O futuro (…) pode não ser nada brilhantes” é a demonstração de uma generosidade inigualável.
Parabéns por tudo.