A Transposição e o Golpe, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] Sabíamos, desde o início, que muitas águas turvas rolariam na obra da Transposição de Águas do São Francisco para o chamado Nordeste Setentrional. Aos poucos elas vão se revelando, incluindo até mortes.
A primeira denúncia de corrupção aconteceu quando o Exército era o responsável exclusivo por ela. Caiu no silêncio.
A segunda, na Operação Vidas Secas, em 2015, envolveu empresas a partir da Lava-Jato na ordem de R$ 200 milhões.
Agora a terceira, na Operação Turbulência, desdobramento da Lava-Jato, fala-se no desvio de R$ 18,8 milhões de uma terraplanagem contratada. O detalhe é que o pagamento foi feito pela OAS e a receptora uma empresa de um empresário citado na referida operação, encontrado morto no quarto de um motel em Recife alguns dias depois da deflagração da referida operação.
O caso ficou ainda mais grave porque a própria polícia estaria denunciando que foi proibida de fazer a perícia dessa morte por ordem do Secretário de Segurança Pública de Pernambuco. Assuntos secundários merecem mais destaque na mídia corporativa que essa morte suspeita.
O enredo é ainda mais complicado porque essas corrupções aconteceram quando Fernando Bezerra Filho era ministro da Integração, portanto, governos Lula-Dilma e irrigado a campanha de Eduardo Campos, morto num acidente de avião.
Quando Lula propôs a Transposição no seu primeiro mandato, os movimentos sociais articulados do São Francisco foram contra esse tipo de obra. Já havia a proposta do Atlas do Nordeste elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA) para fazer múltiplas obras, de porte médio, por tubulação, abastecendo praticamente todas as cidades do Nordeste. Prevaleceu a grande obra. Hoje fica mais claro o porquê, embora já soubéssemos o que acontecia por conversas de bastidores.
A Transposição não está concluída. Dilma já disse que, para cada real investido nesses grandes canais, serão necessários dois para fazer as obras de distribuição para os municípios. Portanto, se os canais estão na ordem de R$ 8,2 bilhões, seriam necessários mais 16 bilhões para que a água chegue mesmo à população.
Mas, agora o governo mudou, com apoio do PSB do Pernambuco e daquele que foi ministro de Lula-Dilma. Ontem amigos, no golpe inimigos.
Qual o interesse de um governo golpista em fazer a distribuição dessa água? Sem chances. Ela ficará concentrada nos grandes açudes, utilizada pelos grandes empreendimentos de irrigação? Mais uma vez o povo do Nordeste Setentrional poderá ver a grande obra, sem ver a cor da água.
Finalmente, o São Francisco está com apenas 800 m3/s de vazão. Já falta água na bacia para seus múltiplos usos, inclusive para a vazão ecológica, que deveria ser de 1200 m3/s. Nem sabemos quanta água teremos no rio até que ela transponha o divisor e caia no Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Mas, agora, há corrupção e até mortes nos canais dessa obra.
Por caminhos tortuosos a Transposição desaguou no golpe e o golpe na Transposição.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
in EcoDebate, 01/07/2016
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Não entendi bem a relação feita com governo golpista. A transposição foi e continua sendo uma irresponsabilidade exclusiva do governo Lula, que desconheceu quaisquer argumentos de cientistas, especialistas e conhecedores da problemática da água no semiárido. Golpista ou não, o governo de plantão recebeu essa grande herança maldita e os habitantes do semiárido, que vivem a poucos quilômetros dos canais, foram novamente enganados pela demagogia e pelo voluntarismo de governantes que acham que votos são autorizações para atos imperialistas. As soluções para o semiárido estão nos seus próprios recursos e no apoio às organizações que conhecem o problema no seu dia a dia e conseguem orientar a população.
Já diziam:o pior cego é aquele que não quer ver…..
Um rio moribundo não tem condição de abastecer o sertão nordestino. Aí está a inviabilidade do projeto.
E agora, que a direita tomou o poder, certamente, tudo fará para que a grande obra, que não devia ter sido realizada, usará de todos os artifícios para que ela sirva de testenha da incapacidade administrativa do governo deposto.
Debatedores,
Primeiro, concordo totalmente que a obra é responsabilidade Lula-Dilma.
Segundo, aliados de Lula-Dilma participaram do golpe com dinheiro da corrupção da Transposição (PSB/PE; Fernando Bezerra). Portanto, a Transposição desaguou no golpe.
Terceiro, um governo como esse jamais terá interesse de fazer a distribuição da água, se houver água no São Francisco para ser transposta. Portanto, o golpe desaguou na Transposição.
Que a globalização tenha misericórdia deste Brasil, se não emergir uma governação séria.
Amigos, estive fazendo uma pequena viagem e, por isso, somente agora estou lendo este trabalho do Roberto Malvezzi. Peço licença para me alongar em meu comentário.
A questão da corrupção não é “privilégio” das obras da transposição. Infelizmente – e digo isso com vergonha – a corrupção se generalizou no Brasil. A impunidade garantiu que, praticamente, as obras de grande e médio porte e até mesmo algumas de pequeno porte sofram com esse câncer que abalou a nação e que, esperamos, a operação lava-jato vai conseguir contornar.
Portanto, temos que separar essa questão endêmica da questão da obra em si, a meu ver, uma iniciativa que já devia ter sido feita há muito tempo, pois, como sabemos, a primeira vez que se falou em transposição para os estados do semiárido nordestino foi à época de D. João VI, antes, portanto, da independência do Brasil.
O Roberto fala na proposta do Atlas do Nordeste. Como muita gente não sabe do que se trata, vamos procurar esclarecer.
O Nordeste Brasileiro possui grande número de pequenos municípios que não dispõem de água tratada, o que provoca grande infestação de doenças de veiculação hídrica. Em debate que tive com o Roberto por e-mail, ele lembrou que muitas cidades nordestinas são abastecidas com água de barreiro.
Não sabia que existia esse tipo de abastecimento. Mas é a realidade. Muitas localidades no semiárido são abastecidas por barreiros implantados pela Codevasf.
Por isso, a Agência Nacional de Águas elaborou um atlas em que indicava métodos de fornecimento de água tratada para sedes urbanas de pequeno porte, com população inferior a 5.000 habitantes.
Esse atlas não levou em conta a transposição, pois, como diz o Roberto, ela ainda não está concluída, mas mostrou que é possível abastecer pequenas comunidades do semiárido com água tratada.
Muito melhor que água de barreiro é o aproveitamento de água de cisterna. Portanto, para consumo humano, o problema do semiárido já está, em grande parte, resolvido.
Por outro lado, a transposição é um projeto abrangente. Não é apenas para fornecer água tratada, mas, também, para atividades agrícolas. Não objetiva apenas matar a sede do habitante do semiárido, como se disse a princípio. A transposição pretende levar uma pequena parcela da vazão do São Francisco para o Nordeste Setentrional, que não se desenvolve porque falta água e não existe uma única atividade humana que não necessite dela.
Portanto, essa discussão se a transposição deve ou não ser feita já está superada. O importante é que a obra chegue a seu final e possa suprir os habitantes do semiárido nordestino.
Penso ser injustificado o receio do Roberto de que a água fique concentrada nos grandes açudes. Afinal, tão logo a água passe a correr pelo semiárido de forma permanente (digo de forma permanente porque existem rios na região, mas quase todos são intermitentes, ou seja, só correm durante o período chuvoso), vamos assistir a uma grande demanda pelo precioso líquido.
A propósito, o lançamento da água nos açudes será de grande importância, pois fará com que estes jamais venham a secar. Hoje, a distribuição da água desses açudes é feita com parcimônia devido a sua dependência exclusiva da chuva. Com a transposição, passarão a funcionar com volumes menores, diminuindo as perdas por evaporação.
Como se sabe, o maior consumidor de água dos açudes hoje é o Sol. Por isso, dou grande importância ao manejo dos açudes com volumes menores. Em meu livro “A outra face da moeda”, tenho um capítulo explicando esse fato, a que dei o nome de “O milagre da multiplicação das águas”.
Não vamos, portanto, deixar que o câncer da corrupção contamine uma obra que vai fazer com que os habitantes do semiárido passem a ter água para suas mais diversas atividades e, em consequência, muitos deles deixem de depender exclusivamente do bolsa-família ou de aposentadoria dos mais velhos.