Resenha poética de Primavera Silenciosa, por Elissandro dos Santos Santana
Resenha poética de Primavera Silenciosa, por Elissandro dos Santos Santana
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. 2. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1969.
[EcoDebate] Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, ao que tudo indica, data recomendada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, refletir acerca da obra “Primavera Silenciosa” é uma oportunidade para repensar as questões ambientais do mundo atual a partir do cotejo com os problemas ambientais da época de Rachel Carson.
Antes de analisar a obra em baila, é interessante conhecer parte da biografia de Rachel Carson. Ela nasceu no dia 27 de maio de 1907, na Pensilvânia. Com incentivo de sua mãe, começou a publicar os primeiros trabalhos ainda criança na revista literária infantil “Sr. Nicholas”. No ano de 1928, graduou-se pela Universidade para Mulheres da Pensilvânia e, tempo depois, fez mestrado em Biologia Marinha na Universidade Johns Hopkins. Por um curto espaço de tempo, lecionou zoologia na Universidade de Maryland, tendo aceitado, em 1936, um posto de bióloga no Departamento de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos.
Primavera Silenciosa é um clássico que todo ambientalista, pesquisador na área ambiental, ativista social e qualquer cidadão planetário deveria ler.
A obra é um convite a reflexões acerca das tristes fábulas de um futuro que não existirá, da obrigação de suportar as dores do amanhã, das mortes anunciadas, dos elixires do fim trágico para todos os seres que habitam a Mãe Terra, Gaia ou Pachamama, do preço pago pela degradação das águas de hoje e de ontem para ausências no amanhã, da degradação dos solos, do desmatamento do manto vegetal responsável pela maior parte do oxigênio de que tanto a humanidade e todos os outros seres animais necessitam para a sobrevivência, da devastação desnecessária em todos os campos pelos quais passou a Terra, do silêncio da vida no porvir, dos rios hoje ainda vivazes e amanhã córregos de morte, do indiscriminado procedente dos céus, dos sonhos dos senhores do capital, do valor real dos modelos econômicos depredatórios da vida, dos caminhos estreitos que nos esperam amanhã, da sobrevivência de poucos, um em cada quatro, da vingança de Gaia ou do revide da natureza, dos ribombos de uma avalancha e da outra estrada que poderíamos ter tomado.
O leitor, à medida que se envereda pelas reflexões que o livro traz, consegue fazer ponte entre os problemas ambientais denunciados por Rachel Carson no que concerne às crises e estresses ambientais pelas quais passavam Os Estados Unidos à época da escrita da obra. No capítulo “Uma fábula para amanhã” há a metáfora da narrativa em torno da terra do ontem e ainda do hoje, para o restante dos humanos que sobrarem no mundo vindouro. Nesse novo mundo que nos espera, a Terra do passado será a história de ninar para as gerações futuras. A biodiversidade de outrora sobreviverá na narrativa dos que tiveram a oportunidade de viver na terra de antes e a geração futura, ao ouvir tais contos, se dará conta do quanto seus pais foram egoístas e não pensaram no futuro. Esse capítulo nos faz lembrar o conceito de sustentabilidade proferido, pela primeira vez, em 1987, na Comissão de Brundtland, no qual o desenvolvimento sustentável/sustentado apareceu como sendo aquele que atenderia às necessidades do ser humano em um presente, sem, com isso, comprometer as possibilidades de as gerações futuras também desfrutarem dos bens naturais dos quais as gerações atuais desfrutam.
No capítulo “A obrigação de suportar”, dentre tantas subjetividades no processo de leitura, o leitor pode ser levado a refletir sobre o peso que terá que carregar em torno das ações insustentáveis na transformação do mundo. No capítulo “Elixires da morte”, a autora apresenta, de forma bastante elucidativa, o preço da manipulação do conhecimento químico para a produção dos pesticidas e outros elementos que contaminaram as nossas comidas e eliminaram os polinizadores da vida. As referidas substâncias entraram não somente nos corpos dos seres humanos, mas de toda a cadeia da vida. No capítulo “Águas de superfícies e Mares subterrâneos” a autora faz uma discussão em torno da importância da água para a manutenção da vida, mas que está sendo poluída e contaminada por pesticidas.
No capítulo “Os Reinos do solo”, a autora discorre sobre a importância dos solos para a agricultura e, consequentemente, para a nossa existência e como estes foram degradados com o impacto do uso dos pesticidas na agricultura. No capítulo “O manto verde da Terra”, a autora afirma que a água, o solo e a cobertura vegetal são os elementos que sustentam a vida animal, mas que isso foi drasticamente comprometido. Ao citar o caso da destruição das plantações de artemísias no Oeste Norte-americano com a substituição por relvados das pradarias, Carson chama a atenção para as interferências do homem na modificação das paisagens e como isso interfere, diretamente, nas cadeias de vida na natureza. No capítulo “Devastação desnecessária”, Carson discorre sobre as ações deprimentes do homem sobre a natureza. Continua pontuando que as destruições que o homem provocou sobre a Terra seriam contra a própria vida e, também, contra a vida de todos os demais seres que habitam o planeta. No capítulo “E nenhum pássaro canta”, ela denuncia a morte dos pássaros e de outros seres responsáveis pela polinização das plantas pelas pulverizações da indústria do agronegócio nos Estados Unidos.
No capítulo “Rios de morte”, a autora traz à tona a questão do uso do DDT para pulverização de florestas ao longo de cursos de água e, com isso, a morte de peixes como o salmão e outros animais nos rios do Noroeste de Miramichi. No capítulo, “Indiscriminadamente, Procedendo dos céus”, a autora discorre sobre o aumento do escopo das pulverizações aéreas e como isso afetou a vida em parte dos Estados Unidos.
No capítulo “Para lá dos sonhos dos Bórgias”, aprofunda a discussão em torno do período que rotula como Idade dos Venenos. No capítulo “O preço humano”, quase que de forma escatológica, discorre sobre os múltiplos problemas ambientais que afetam e afetarão a humanidade em decorrência das ações insustentáveis provocadas pelo próprio ser humano. No capítulo “Através de uma janela estreita”, apresenta as ameaças às heranças genéticas da humanidade a partir de todos os males ambientais causados a Terra. No capítulo “Um em cada quatro”, a autora discorre sobre a parcela da humanidade que sofrerá com doenças como o câncer em decorrência dos déficits socioambientais gerados com o uso dos pesticidas nos Estados Unidos.
No capítulo “A natureza revida”, Carson discorre sobre o fato de que alguns insetos estão se tornando resistentes ao uso dos pulverizadores químicos e, por isso, vários processos estão saindo do controle previsto pelo projeto humano de desenvolvimento da indústria da agricultura da morte. Com a resistência de alguns insetos, outros inseticidas são criados e, consequentemente, ocorre maior poluição e degradação dos espaços nos quais eles são aplicados. No capítulo “Os ribombos de uma avalancha”, a autora denuncia que os insetos menos resistentes estão deixando de existir e aqueles que sobrevivem estão lutando pela existência, haja vista que novos pulverizadores são criados pela indústria química voltada para a agricultura a cada ano. O extermínio desses insetos interfere em toda a cadeia, da flora à fauna. No capítulo “A outra estrada”, a jornalista, de forma otimista, acredita que ainda há tempo para salvar a biodiversidade dos pulverizadores da morte criados pelo bicho homem, mas que tudo dependerá da remodelação da consciência em torno do modus operandi humano de produção nos Estados Unidos e no mundo.
A obra é, por natureza, inter-multi-transdisciplinar, tendo em vista que, à medida que o leitor a desvenda, consegue concatená-la com outras vozes e áreas do conhecimento. Não há como não ler esse livro e não fazer comparações com produções escritas por teóricos como James Lovelock, com “A vingança de Gaia”, Leonardo Boff e seus livros como “Sustentabilidade: o que é, o que não é” e “Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres”, Enrique Leff e sua “Racionalidade ambiental”, Frei Betto e tantos outros pesquisadores e pensadores preocupados com a situação do planeta e, consequentemente, com a continuidade da vida.
Por fim, pode-se dizer que “Primavera Silenciosa” é uma obra que nos leva a pensar não somente as questões ambientais nos Estados Unidos, mas em toda a Terra. Carson, ao longo de toda a obra, discorre sobre o irresponsável envenenamento do mundo que o homem compartilha com todas as outras criaturas.
A obra foi escrita de forma simples, científica e metafórica. A partir do viés literário, a autora prende a atenção do leitor dado à escrita literária e, ao mesmo tempo, de forma científica, apresenta, com precisão, a extinção de aves e outras espécies, causada pelo uso indiscriminado e irresponsável de DDT e das consequências disso na cadeia alimentar geral. A autora descreve, detalhadamente, a ameaça em torno das águias, símbolo dos Estados Unidos, além de apresentar os malefícios dos inseticidas e seus impactos sobre a reprodução humana, mostrando a relação entre o câncer e o uso dos pulverizadores da morte na agricultura.
Elissandro dos Santos Santana: especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
Contato: lissandrosantana@hotmail.com
in EcoDebate, 02/06/2016
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Confesso que ao visualizar um título na resenha, quando o gênero não exige, achei no mínimo, curioso e, por isso, iniciei a leitura. À medida que aprofundada a leitura, ia percebendo as intenções do autor Elissandro, que, por coincidência, possui o mesmo sobrenome que o meu, de explorar o lado poético da obra e isso ficou evidente para mim no instante em que ele apresenta a biografia da autora resenhada só narrando o nascimento, sem dar a entender se ela ainda segue viva ou não, para, numa espécie de ponte, deixar a vida da autora como o futuro da própria terra, uma incógnita. Enfim, de longe, uma das resenhas mais instigantes e informativas que já li. Por tudo o que expressei, coloco que seguirei lendo as produções desse pesquisador.
Alegro-me em saber que, mesmo ciente das estruturas engessadas acadêmicas em torno da resenha, tenha prosseguido a leitura do texto e, em sua subjetividade, captado parte de minhas subjetividades no que concerne à escrita da resenha. Logo no primeiro parágrafo, também deixo algo em aberto sobre a vida da autora da obra, não dando certeza se ela segue viva ou não, mencionando que a obra é uma oportunidade para um cotejo entre as questões ambientais do mundo hodierno com as questões ambientais do tempo da autora. A meu ver, isso não se configura como defeito, mas como elemento para que o leitor desperte interesses em conhecer a biografia de Carson e, consequentemente, a obra resenhada. Enfim, fico feliz em ter imprimido minhas subjetividades poéticas no senhor.
Fiz o comentário acima com base na reflexão em torno de um e-mail que recebi de um senhor chamado Pedro Santana e que pensei que estivesse publicado aqui, já que ele, no e-mail, mencionou que havia efetuado um comentário sobre a riqueza de uma tal subjetividade poética que apresento ao longo do texto e que justificaria o meu título para a resenha.
A autora, por um período, atuou como jornalista editorial e, por coincidência triste, morreu com câncer, segundo algumas informações na Internet. Enfim, Primavera Silenciosa é um livro que todo ser planetário deveria ler.
Excelente resenha ! Como leitora assídua e voraz que sou , fiquei extremamente curiosa em relação a esta obra ,que trata de um tema tão atemporal e preocupante . O homem cada vez mais se preocupa menos com o futuro do nosso planeta e com o legado deixado para as próximas gerações .
Conheço a obra e esta resenha está incrível, um convite e tanto à releitura. É bom retomar leituras e fazer reflexões ambientais e sociais a partir de Carson. Sempre achei esse um dos grandes clássicos para pensar a nossa situação socioambiental atual. Grande Elissandro Santana!
Prezados leitores, na hora de enviar a resenha, cometi um equívoco em relação a um conceito histórico de sustentabilidade, mas já entrei em contato com o editor da revista e ele fará a reedição da resenha ainda hoje, segundo informou-me por e-mail. Enfim, sou muito responsável e prezo pela minha credibilidade e, também, pela credibilidade da Ecodebate. Sem mais, pontuo que é sempre bom publicar nesta revista e perceber que meus textos são lidos e comentados. No facebook, por exemplo, tenho acompanhado os vários compartilhamentos e já vi que meus textos estão sendo publicados em vários blogs e páginas na internet.
Resenha bem elaborada Elissandro, estou aprendendo com você. Fiquei interessada em ler a obra devido a riqueza de detalhes acerca dos problemas ambientais apresentados por Carson de sua época, são questões ainda atuais que merecem nossa atenção. Penso ser um clássico, que deveria ser leitura obrigatória para todos os cidadãos. É mesmo um convite a reflexões.