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Artigo

Desastre de Mariana: descasos e inoperâncias, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

 

A catástrofe socioambiental provocada pelo rompimento de barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG), no último dia 5/11, atingiu 663 km de rios, com a destruição de 1.469 hectares de terras, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APP), apontou laudo técnico preliminar do Ibama
A catástrofe socioambiental provocada pelo rompimento de barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG), no dia 5/11, atingiu 663 km de rios, com a destruição de 1.469 hectares de terras, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APP), apontou laudo técnico preliminar do Ibama

 

[EcoDebate] No Brasil já é comum o fato de um desastre novo levar ao esquecimento do anterior. Isso ocorre porque o país é desorganizado e não consegue usar o passado para operar o presente e planejar o futuro. Vivemos um dia a dia de cada vez, mas com sofrimentos cumulativos. São descasos e inoperâncias que parecem incorporados ao cenário brasileiro.

Quanto aos descasos, temos duas vertentes básicas. A primeira representada pelas instituições privadas que, num sistema desorganizado, voltam-se para os seus interesses internos, pouco se preocupando com as implicações de suas atividades nas vizinhanças e na sociedade como um todo. A segunda vertente é a das instituições públicas, das três esferas de poder, desestruturadas, com atividades duplicadas, sem hierarquias definidas e que tomam decisões sem ouvir os profissionais que estão nas pontas dos sistemas. Basta consultar o organograma do Ministério do Meio Ambiente para ver exemplo de estrutura montada para não funcionar. Assim, as empresas acabam desistindo de vencer o emaranhado burocrático, confiando, também, que tal dificuldade poderá ser utilizada para escamotear ou postergar punições

No caso de Mariana, parece ter ficado claro que os riscos eram conhecidos tanto pela Vale/Samarco/BHP, quanto pela fiscalização pública. Por que, então, providências não foram efetivamente tomadas para prevenir desastres iminentes? Do lado das empresas é possível que os baixos preços do minério de ferro no mercado mundial (era de U$190/tonelada, em 2011, caindo para U$50/tonelada, em 2015) tenham pressionado os sistemas de produção, fazendo com que as atenções ficassem focadas nas atividades de processamento e exploração, deixando marginalizada a correta disposição dos rejeitos. Do lado da fiscalização, é notória a precariedade logística e de pessoal do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que, pela Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei 12.334/2010), é o responsável por vigiar reservatórios de rejeitos de minério.

Além dos descasos, as inoperâncias marcam presenças fortes nos desastres ambientais. Do lado das empresas, aparecem paradoxos bem caracterizados, pois mesmo eficientes internamente, com buscas constantes de inovações para melhorias de produtividades, mostram-se, em muitos casos, altamente inoperantes nos processos de tratamento e disposição dos resíduos produzidos. Para a mineração de ferro, no caso em pauta, há várias alternativas tecnológicas de tratamento de rejeitos, evitando depósitos a céu aberto. Uma dessas alternativas foi divulgada recentemente pela mídia, relatando trabalhos de pesquisadores do Centro de Produção Sustentável da UFMG. Eles construíram uma pequena casa usando areia, blocos, pedras e cimento provenientes de processamento de rejeitos de mineração de ferro.

Em Minas Gerais, vale notar, tal mineração está concentrada num raio de 100 a 150km em torno da região metropolitana de Belo Horizonte, potencial consumidora dos produtos oriundos de um processamento adequado dos rejeitos. Há, inclusive, uma tentativa de aplicação dessas pesquisas, usando uma chamada de financiamento colaborativo para uma fábrica em Mariana. São demandados R$ 400.000,00 para produção de 1,2 milhões de tijolos por ano, consumindo mais de 700 toneladas de rejeitos e empregando 80 pessoas (www.tijolosdemariana.com.br). Iniciativas como essa deveriam ser apoiadas pelas instituições que negociam as compensações ambientais que deverão ser cumpridas pelas empresas.

Quanto à inoperância dos setores públicos nos seus relacionamentos com grandes empresas, ele é fato tão conhecido que nem compensa ser discutido aqui. A impressão que se tem é que os braços fiscalizadores oficiais só conseguem alcançar as pequenas atividades, chegando a mostrar força para penalizar o produtor rural que cortou uma árvore, mas que não têm energia suficiente para lidar com danos como os provocados pela Samarco.

Incomoda-me, também, a demora das instituições envolvidas nas negociações em chegarem logo a uma conclusão para que os trabalhos de mitigação sejam logo iniciados. Ficam batendo cabeças, cada qual querendo ser dona da solução. Há muita vaidade embutida e muito conflito de atribuições, sendo que a burocracia e a superposição de funções ficam bem evidentes em casos concretos como esse. Vão lançando multas e mais multas que, pela tradição brasileira, dificilmente serão pagas; e se pagas, depois de anos e anos, os recursos não serão revertidos em benefício dos prejudicados. Enquanto isso, quem está na corda bamba vê o precipício cada vez mais próximo do seu destino.

Outra coisa estranha é não estarem as análises e soluções sendo lideradas pelos Comitês das Bacias Hidrográficas dos rios Piranga e Doce. Neles não estão representantes de instituições públicas, privadas e da sociedade? Não seria uma bela oportunidade de dar voz e responsabilidade aos Comitês? Não seria uma maneira de mediar os conflitos entre os envolvidos? Afinal, para que servem os Comitês? A Lei 9.433 (Lei das Águas), que criou os Comitês, é mais uma que não pegou? As respostas às perguntas só servirão para desmoralizar formas de comportamentos.

Em resumo, o desastre de Mariana foi e continua sendo fruto dos descasos e inoperâncias descritos e, infelizmente, eu não vejo, no meu horizonte, nenhuma seta indicando mudança de rota.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, técnico em mineração e metalurgia, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas e professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV).É autor dos livros: “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas” e “Das chuvas às torneiras – A água nossa de cada dia”. Colaborador e articulista do EcoDebate. (valente.osvaldo@gmail.com)

 

in EcoDebate, 13/05/2016

[cite]

 

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