Uso de antimicrobianos na agropecuária e o retorno de doenças reemergentes
Uso de antimicrobianos na agropecuária e o retorno de doenças reemergentes. Entrevista especial com Arnildo Korb
“Mantida esta perspectiva de consumo de antimicrobianos na produção animal e na saúde humana, as perspectivas futuras não são nem um pouco animadoras”, diz o biólogo.
Imagem: www.popularempresas.pt
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O alerta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO para o uso excessivo de antimicrobianos na agropecuária faz parte de um “paradoxo”, diz Arnildo Korb à IHU On-Line, ao comentar que ao mesmo tempo em que aFAO critica o uso demasiado dessas substâncias, afirma que a “produção mundial de alimentosnecessitará dobrar até 2050 devido ao aumento da população mundial”.
O ponto problemático desta questão, segundo o biólogo, é que os dados da Organização Mundial da Saúde – OMS indicam que se “esta perspectiva de consumo” persistir, “até 2050 não haverá nenhuma classe de antimicrobianos eficiente em decorrência do aumento da resistência bacteriana”. Além disso, frisa, “existem as doenças reemergentes como a tuberculose, que em período pregresso recente alarmou a humanidade, e que pode ser controlada com antimicrobianos de primeira geração, agora reaparece com bactérias multirresistentes”. Isto significa que se o uso de antimicrobianos na agropecuária continuar aumentando, os “cientistas cogitam” a possibilidade de que “até 2050 uma em cada quatro pessoas no mundo sofrerá de tuberculose”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Korb informa que na agropecuária “o uso de antimicrobianos atinge toda a criação intensiva, como suínos, aves e bovinos de corte. Na aquicultura, principalmente criação de peixe e camarão em cativeiro, o uso de cloranfenicol é elevado”. Conforme ele esclarece, a “principal preocupação” em relação ao uso de antimicrobianos em alimentos tem sido com resíduos dos fármacos em carnes e derivados para o consumo humano, porque “muitos antimicrobianos consumidos em excesso podem causar malformações em fetos, especialmente em dentes, causados por tetraciclinas, e fragilizar tecidos, como as cartilagens, no caso das quinolonas”.
Korb diz ainda que no Brasil a maior fiscalização ocorre nos alimentos lácteos devido à “preocupação do país em se caracterizar como um exportador destes alimentos”. No entanto, o “monitoramento das resistências das bactérias presentes nas carcaças de animais para consumo humano está apenas começando no Brasil, diferente do que tem ocorrido na Europa”, pontua.
Arnildo Korb é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, mestre em Educação nas Ciências pela Unijuí e doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Atualmente é professor adjunto no curso de Enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc.
Confira a entrevista.
Foto: 1.bp.blogspot.com
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IHU On-Line – Que tipos de antibióticos são utilizados na agropecuária brasileira atualmente? Desde quando eles são utilizados e por quais razões?
Arnildo Korb – Primeiramente precisamos conceituar estesfármacos para entendermos os mecanismos de ação. No meio ambiente os microrganismos competem entre si por meio de substâncias, os antibióticos. A partir da descoberta da penicilina, por Alexandre Fleming em 1929, essas substâncias começaram a ser usadas isoladas para o controle de infecções. A partir da década de 40 do último século, algumas foram criadas pelo ser humano: as drogas sintéticas, a citar as sulfonamidas e as quinolonas. Ao conjunto de antibióticos e drogas sintéticas denominamos deantimicrobianos. Por isso, é mais aconselhável o uso dessa expressão quando discutimos problemas relacionados a essas drogas.
A penicilina foi a droga que revolucionou a medicina na última década e, juntamente com outros antimicrobianos, aumentou a expectativa de vida humana em no mínimo 10 anos. O fato é que, a partir da década de 70, com o fluxo migratório humano e o êxodo rural, em escala global, ocorreu a necessidade no aumento da produção de proteína animal, especialmente mais barata para a classe trabalhadora e com menor renda. Neste contexto, intensificou-se a suinocultura e a avicultura de corte. O aumento na produção requisitou investimentos no melhoramento genético, principalmente dos frangos, para garantir precocidade, com crescimento rápido e ganho de peso. Se anteriormente para produzir um frango era necessário de cinco a seis meses, agora em 40 dias está pronto para o abate.
Porém, fisiologicamente, é correto afirmar que toda vez que incluímos genes de produtividade, retiramos genes de rusticidade, implicando em baixa imunidade. Além disso, as condições de criação, com o adensamento dos frangos para evitar que estes se desloquem e gastem energia, provoca intenso estresse, aliado à irritação da pele do frango causada pela cama aviária. Esse manejo propicia o desenvolvimento de infecções cutâneas em frangos, como a colibacilose, provocadas pela Escherichia coli, e salmoneloses, o que representa altas perdas pelo descarte de carcaças. Essa sempre foi uma das principais razões para o uso de antimicrobianos na produção de frangos. Utilizados na ração, além de contribuírem para os fins profiláticos e terapêuticos, alguns antimicrobianos desempenhavam a função de promotores de crescimento, pois atuam no metabolismo da glicose e insulina.
Paralelo ao processo produtivo, o uso desordenado de derivados de penicilina (betalactâmicos) propiciou a identificação, já na década de 60, do surgimento de bactérias resistentes e que passaram a dificultar o tratamento das infecções humanas por elas desenvolvidas. A partir da década de 90, pesquisadores europeus descobriram que o uso de antimicrobianos na produção animal seleciona superbactérias, especialmente as Staphylococcus aureusresistentes à meticilina (MRSA), e a resistência de Enterococcus à vancomicina, antimicrobiano utilizado em hospitais no tratamento de infecções multirresistentes. Essa descoberta explicou o aumento no número de mortes humanas, especialmente em pacientes internados, devido à disseminação dos genes e a incapacidade de cura pelos antimicrobianos tradicionais utilizados na saúde humana. Teve-se, nesse momento, a descoberta da existência da resistência cruzada. Ou seja, uma bactéria pode tornar-se resistente a um antimicrobiano sem mesmo ter entrado em contato direto com ele. Isso ocorre por meio de um mecanismo celular denominado bomba de efluxo que libera o antimicrobiano para o meio extracelular da bactéria.
“Na agropecuária, o uso de antimicrobianos atinge toda a criação intensiva, como suínos, aves e bovinos de corte. Na aquicultura, principalmente criação de peixe e camarão em cativeiro” |
Com estas descobertas, a Organização Mundial da Saúde – OMS, Organização Mundial de Saúde Animal – OIE e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO lançaram políticas para o que denominaram como o uso prudente de antimicrobianos na produção animal, proibindo a utilização como promotores de crescimento, tirando-os das rações, e limitando para o uso de apenas algumas classes. Entre os liberados estão penicilinas, sulfonamidas, tetraciclinas, cloranfenicol e alguns quinolônicos, como a enrofloxacina. Muitos destes foram liberados pelo fato de não funcionarem adequadamente na saúde humana. No Brasil a proibição do uso de antimicrobianos como promotores de crescimento, e orientando quais antimicrobianos podem ser utilizados para outros fins, em adesão às políticas internacionais, principalmente objetivando a exportação de carnes, foi instituída pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA por meio da Instrução Normativa nº 51 de 29 de fevereiro de 2006.
IHU On-Line – Que tipos de micróbios têm resistido ao uso de antibióticos (antimicrobianos) na agropecuária?
Arnildo Korb – Primeiramente precisamos caracterizar o que significa resistência bacteriana. É um equívoco afirmar que as bactérias tornam-se resistentes para algum antimicrobiano. O que ocorre de fato é a seleção de genes de resistência. Explicando melhor: a todo o momento os microrganismos no meio ambiente estão sujeitos a mutações, especialmente em alguns genes que podem conferir alguma característica especial ao microrganismo, como a resistência bacteriana. Também é fato que muitas mutações que neles ocorrem são deletérias e induzem à morte do microrganismo que não consegue mais se adaptar às condições ambientais e perde a competição para os demais. Porém, quando uma mutação benéfica surge, existe a possibilidade de transferência de genes entre as bactérias, acentuando a disseminação destes genes. A disseminação de resíduos de antimicrobianos em escala global, pelos alimentos e principalmente pela água, atinge esses ambientes onde as mutações ocorrem, ou os genes são transferidos para os locais com maior concentração de resíduos; com isso, as bactérias que possuem estes genes de resistência secretam enzimas que permitem sua sobrevivência, à medida que as suscetíveis tendem a morrer. Isto é a seleção de genes de resistência. Este mesmo processo ocorre em nosso organismo, quando ingerimos alguns genes de resistência, e quando fazemos uso de antimicrobianos em processos terapêuticos, ou ingerimos resíduos em alimentos e na água, são selecionados esses genes.
Mas voltando à sua pergunta: todos os microrganismos, especialmente bactérias, podem desenvolver resistência, inclusive fungos. Em relação às bactérias, a diferença está no tipo (Gram-positiva ou Gram-negativa) e no antimicrobiano utilizado. Tanto bactérias patogênicas quanto as oportunistas podem se tornar superbactérias. Patogênicas são aquelas que não vivem na nossa microbiota normal e uma pequena quantidade é suficiente para o desenvolvimento de infecções. As oportunistas são aquelas que vivem em nosso organismo, como a Staphylococcus aureus, que coloniza a pele humana. Bactérias decompositoras, como Acinetobacter baumannii, tidas como não patogênicas, mas oportunistas, e que estão em locais como pias, pisos e entre outros, têm estado entre as principais causas de infecções e mortes em hospitais. Pelo fato destas bactérias decomporem matéria orgânica, incorporam DNA(genes) de outras bactérias, tornam-se multirresistentes. Nos hospitais a característica oportunista é facilitada pelo fato de as pessoas internadas estarem com o sistema imune debilitado.
Na agropecuária, o uso de antimicrobianos atinge toda a criação intensiva, como suínos, aves e bovinos de corte. Naaquicultura, principalmente criação de peixe e camarão em cativeiro, o uso de cloranfenicol é elevado.
“Em torno de 25 mil pessoas morrem por ano na Europa em decorrência de infecções causadas por bactérias multirresistentes” |
IHU On-Line – Que riscos à saúde dos animais e dos seres humanos esses antibióticos (antimicrobianos) podem causar?
Arnildo Korb – A principal preocupação tem sido com os resíduos destes fármacos nas carnes e derivados para o consumo humano, ou seja, com os aspectos toxicológicos, pois muitos antimicrobianos consumidos em excesso podem causar malformações em fetos, especialmente em dentes, causados por tetraciclinas, e fragilizar tecidos, como as cartilagens, no caso das quinolonas. Neste sentido, o MAPA mantém um controle rigoroso sobre resíduos em alimentos por meio de seus laboratórios, como o Lanagro na Grande Porto Alegre.
Recentemente, uma maior fiscalização tem ocorrido nos alimentos lácteos, especialmente pela preocupação do Brasil em se caracterizar como um exportador destes alimentos. O monitoramento das resistências das bactérias presentes nas carcaças de animais para consumo humano está apenas começando no Brasil, diferente do que tem ocorrido na Europa. A comunidade europeia tem desenvolvido programas de monitoramento no consumo de antimicrobianos na produção animal e na saúde humana e das resistências bacterianas nos dois setores, e mesmo assim tem tido dificuldades em reduzir a incidência de bactérias multirresistentes. Em torno de 25 mil pessoas morrem por ano na Europa em decorrência de infecções causadas por bactérias multirresistentes.
IHU On-Line – Que leitura você faz do alerta da FAO, ao afirmar que o uso excessivo de antibióticos (antimicrobianos) na agropecuária ameaça a saúde e a segurança alimentar?
Arnildo Korb – Aqui reside um paradoxo. É argumento da FAO que a produção mundial de alimentos necessitará dobrar até 2050 devido ao aumento da população mundial e maior concentração desta nos grandes aglomerados urbanos. Por outro lado, está ocorrendo uma redução e envelhecimento da população no campo, o que requererá uma intensificação no modelo produtivo. Resumindo: menos pessoas no campo terão que produzir mais alimentos para mais pessoas na cidade, e isso não se faz por decreto ou sistema político autoritário, como no Camboja. Para manter o trabalhador no campo, o melhor estímulo é uma renda que lhe garanta o mínimo de qualidade de vida dentro dos padrões modernos, especialmente em países como o Brasil. Mas, para a FAO, será impossível aumentar esta produção sem o uso de antimicrobianos. Por outro lado, segundo a OMS, seguindo esta perspectiva de consumo, até 2050 não haverá nenhuma classe de antimicrobianos eficiente em decorrência do aumento da resistência bacteriana. Além disso, existem as doenças reemergentes como a tuberculose, que em período pregresso recente alarmou a humanidade, e que pode ser controlada com antimicrobianos de primeira geração, agora reaparece com bactérias multirresistentes.
Cientistas cogitam a possibilidade de que até 2050 uma em cada quatro pessoas no mundo sofrerá de tuberculose. Esse é o cenário que nos aguarda. Um retrocesso na medicina. Voltaremos à era dos chás e das terapias alternativas e da sobrevivência dos “mais fortes”. É bom considerar, ainda, que o prazo necessário entre a descoberta ou desenvolvimento de uma molécula de antimicrobiano, testes em cobaias animais e em humanos, bem como liberação e disponibilização em escala comercial, é de no mínimo dez anos, ao passo que as resistências para a maioria dos antimicrobianos têm sido observadas de um a quatro anos após o lançamento em escala comercial. Inviável, portanto, economicamente para as grandes empresas farmacêuticas do setor. O fenômeno da resistência bacteriana e da limitação no desenvolvimento de novas fórmulas, devido ao esgotamento dos sítios de ação nas bactérias, tem levado essas empresas a abandonar as pesquisas com antimicrobianos e investir no setor de doenças degenerativas, mais lucrativas em virtude do envelhecimento da população mundial e dos menores riscos da inativação desses fármacos por tolerância do organismo.
Este fato tem feito com que a OMS sugira a estas empresas a continuidade nas pesquisas para o desenvolvimento de novas drogas antimicrobianas. Porém, as mesmas empresas são as que abastecem o setor produtivo anualmente com milhares de toneladas. Somente na Europa são mais de 50 mil toneladas anuais na produção animal; acredita-se que no setor da saúde humana corresponda a 10% disso. No Brasil não temos dados sobre consumo, embora produzamos mais frangos que a Europa e a população brasileira consuma mais antimicrobianos do que os europeus. Reunidos todos os países produtores de carnes nos moldes intensivos, Estados Unidos, China, países europeus, Brasil e demais países Sul-americanos, e mantida a estimativa europeia, seguramente o consumo mundial ultrapassa 200 mil toneladas. A questão é saber como os microrganismos irão se comportar com todo esse volume de antimicrobiano lançado no meio ambiente até 2050, considerando que muitos desses produtos demoram para ser degradados.
“Na agropecuária brasileira o uso de antimicrobianos tem sido tratado dentro de uma ‘caixa preta’” |
IHU On-Line – Há um modo correto de utilizar antibióticos (antimicrobianos)? O que caracteriza o “uso excessivo”?
Arnildo Korb – As duas formas corretas estão no uso de princípios ativos de classes mais baixas e na dosagem recomendada. Isso vale também para a saúde humana, em que os médicos, por vezes, prescrevem antimicrobianos de última geração para o tratamento de uma infecção simples, quando drogas tradicionais poderiam dar conta, sem com isto estimular a seleção de eventuais genes que poderiam estar presentes no organismo. No caso da agropecuária, ao utilizar somente os antimicrobianos recomendados pela FAO e OMS, e evitando o uso dos denominados criticamente importantes, como cefalosporinas de terceira geração, macrolídeos e fluorquinolonas, estaria sendo protelada a chamada “era pré-antibiótica”. O fato é que, devido à resistência cruzada, antimicrobianos tradicionais e recomendados para o uso na produção animal, indiretamente levam à seleção de genes de resistência aos antimicrobianos criticamente importantes para a saúde humana. Um exemplo é a enrofloxacina, de uso expressivo na produção animal, inclusive para animais de companhia, que, ao ser quebrada pelo fígado do animal, libera como metabólito a ciprofloxacina, uma antimicrobiano muito utilizado na saúde humana, especialmente em infecções graves.
O fato é que grande parte dos antimicrobianos não são degradados e, portanto, são eliminados no meio ambiente de forma quase intacta, e muitos deles não são degradados pelas estações de tratamento de esgotos, retornando, assim, às estações de abastecimento de água para consumo humano. Esse é um dos fatores do aumento acentuado nas resistências bacterianas no setor da saúde humana.
IHU On-Line – O que a Anvisa e o Ministério da Agricultura e Abastecimento determinam em relação ao uso de antibióticos (antimicrobianos) na agropecuária e na saúde?
Arnildo Korb – Quem tem normatizado a utilização de antimicrobianos na agropecuária é o Ministério da Agricultura e Abastecimento. A Anvisa tem normatizado os antimicrobianos na saúde humana. Existe pouco diálogo entre Anvisa e MAPA. Aliás, na agropecuária brasileira o uso de antimicrobianos tem sido tratado dentro de uma “caixa preta”. Ainda somos um país em que produzimos matéria-prima e ficamos com os poluentes. E pelo visto, esta situação permanecerá por longo período, pois dependemos do setor produtivo agropecuário, ele é fundamental para a manutenção da economia, especialmente nos Estados do Sul do país. As regiões com menos desigualdades sociais são aquelas onde estão instaladas as agroindústrias.
IHU On-Line – Como a questão do uso dos antibióticos (antimicrobianos) tem sido discutida entre os especialistas em agropecuária no país?
Arnildo Korb – Com preocupação. Não podemos desmerecer o trabalho do setor produtivo, e ocupado com profissionais altamente especializados. Aliás, poderíamos afirmar que o setor produtivo animal tem avançado mais na construção de políticas públicas e no desenvolvimento de tecnologias alternativas do que o setor da saúde humana. Apesar de sabermos que existem limitações técnicas, caso existissem alternativas, seguramente já teriam sido adotadas.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Arnildo Korb – Mantida esta perspectiva de consumo de antimicrobianos na produção animal e na saúde humana, as perspectivas futuras não são nem um pouco animadoras. Mas poderemos adiar o caos, dando a nossa contribuição. Primeiramente, temos de ler mais sobre o assunto e com isto evitarmos com que médicos e prescritores nos queiram recomendar antimicrobianos de última geração, quando os de classes mais baixas podem ser suficientes. Enquanto pacientes teremos que compreender, também, que algumas infecções simples podem ser controladas pelo nosso organismo e que antimicrobianos não curam gripe. Por incrível que pareça, mesmo na Europa, com todo o avanço tecnológico, investimentos em educação e comunicação, 50% da população ainda acredita que antimicrobianos curam gripe.
No Brasil as pesquisas são insuficientes, mas provavelmente, se o percentual não for igual, é superior. Teremos que mudar a nossa cultura de encarar os antimicrobianos como drogas mágicas, especialmente diante da nossa insatisfação ao sairmos de um consultório médico sem uma receita. O fato é que, em nome da produção não queremos mais dar ao nosso organismo a possibilidade de descanso e de se recompor. Foi assim até o início do último século. Era assim que nossos pais nos tratavam quando estávamos com alguma infecção respiratória: “chá quente e cama”.
Outro aspecto, e que deveria ser observado é em relação às sobras de antimicrobianos, isso para não serem utilizadas como automedicação ou serem descartadas no ambiente sem tratamento. Para isto, é sempre recomendável adquirir somente a quantidade de antimicrobianos prescritos e descartar eventuais sobras em farmácias que adotam a política de recolhimento específica. No Brasil a comercialização de antimicrobianos tem sido promissora para o setor das grandes corporações farmacêuticas.
“Teremos que mudar a nossa cultura de encarar os antimicrobianos como drogas mágicas” |
Em relação ao setor produtivo — e não podemos adotar um discurso hipócrita, como na academia por vezes tem se adotado —, estamos imersos em um modelo de produção e consumo mundial. Se os países europeus, como os nórdicos, estão conseguindo reduzir o consumo de antimicrobianos e das resistências, é também porque estes possuem uma economia sólida e que garante, por meio dos subsídios, uma renda satisfatória aos agricultores. É por isso que a morte de alguns animais, em decorrência de infecções, não impacta na lucratividade dos produtores, pois a renda já está garantida, mesmo que este, por vezes, nada produza. Diferente da realidade brasileira, na qual nossos heroicos agricultores mal conseguem sobreviver na atividade, especialmente pela ausência de uma política agrícola.
Pela minha vivência por alguns meses na Europa, e estudando a questão, entendi que não existem “anjos” tratando do problema. Em questão está uma disputa de mercado que é “varrida para baixo do tapete”. É por isto, embora tenhamos alguns problemas a serem corrigidos, que precisamos agir com cuidado ao lançarmos críticas ao setor produtivo agropecuário. O que precisa existir é uma maior orientação do trabalho quanto aos modos de uso. Na prática, necessitaremos começar fazendo a nossa parte enquanto urbanoides, restringindo o consumo desses fármacos na saúde humana, e técnicos dos dois setores (produção animal e saúde humana) precisam, urgentemente, parar com este jogo de encontrar culpados, pois todos são responsáveis, inclusive nós.
Por Patricia Fachin
(EcoDebate, 02/05/2016) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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