Conservação in situ, ex situ e on farm, parte II, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] A conservação “on farm” pode ser considerada uma estratégia complementar à conservação “in situ”, já que esse processo também permite que as espécies continuem o seu processo evolutivo. É uma das formas de conservação genética da agrobiodiversidade, um termo utilizado para se referir à diversidade de seres vivos, de ambientes terrestres ou aquáticos, cultivados em diferentes estados de domesticação.
A conservação “on farm” apresenta como particularidade o fato de envolver recursos genéticos, especialmente variedades crioulas que são cultivadas por agricultores, especialmente pelos pequenos agricultores, além das comunidades locais, tradicionais ou não e populações indígenas, detentoras de grande diversidade de recursos fito-genéticos e de um amplo conhecimento sobre eles.
Esta diversidade de recursos é essencial para a segurança alimentar das comunidades. Dentre os principais recursos fito-genéticos mantidos a campo pelos pequenos agricultores brasileiros estão a mandioca, o milho e o feijão.
Contudo, muitos recursos genéticos de menor importância para a sociedade “moderna” são também mantidos, podendo-se citar como exemplos uma série de espécies de raízes e tubérculos, plantas medicinais e aromáticas, além de raças locais de animais domesticados como suínos, caprinos e aves, entre outros.
A manutenção desses materiais “on farm”, com ênfase para as variedades crioulas, envolve recursos nativos e exóticos adaptados às condições locais. Outra particularidade é que estas variedades crioulas, mesmo deslocadas de suas condições naturais, continuam evoluindo na natureza, já que estão submetidas à diferentes condições edafo-climáticas.
A conservação “ex situ”, por sua vez, envolve a manutenção fora do habitat natural, de uma representatividade da biodiversidade, de importância científica ou econômico-social, inclusive para o desenvolvimento de programas de pesquisa, particularmente aqueles relacionados ao melhoramento genético.
Trata da manutenção de recursos genéticos em câmaras de conservação de sementes a -20º C, cultura de tecidos que é conservação “in vitro”, criogenia para o caso de sementes recalcitrantes mantidas a -196º C, e laboratórios para o caso de microorganismos, e a campo, considerada conservação “in vivo”, e bancos de germoplasma, para o caso de espécies vegetais, ou em núcleos de conservação, para o caso de espécies animais.
A conservação “ex situ” implica na manutenção das espécies fora de seu habitat natural e tem como principal característica preservar genes por séculos, permitir que em apenas um local seja reunido material genético de muitas procedências, facilitando o trabalho do melhoramento genético e garantir melhor proteção à diversidade intra-específica, especialmente de espécies de ampla distribuição geográfica.
Este método implica na paralisação dos processos evolutivos, além de depender de ações permanentes do homem, visto concentrar grandes quantidades de material genético em um mesmo local, o que torna a coleção bastante vulnerável.
As três formas de conservação, in situ, on farm e ex situ, são complementares e formam, estrategicamente, a base para a implementação dos três grandes objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica que são a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável dos seus componentes e a repartição dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos.
A conservação “on farm” vem recebendo crescente atenção nos diversos fóruns internacionais relacionados à temática da conservação dos recursos genéticos.
Nesse contexto, a Convenção sobre Diversidade Biológica, por meio das suas Conferências das Partes, tem dado especial atenção a essa questão, considerando que o campo da agricultura oferece oportunidade única para o estabelecimento de ligação entre a conservação da diversidade biológica e a repartição de benefícios decorrentes do uso desses recursos, a relação próxima entre diversidade biológica, agronômica e cultural.
A diversidade biológica na agricultura é estratégica, considerando os contextos sócio-econômicos nos quais ela é praticada e as perspectivas de redução dos impactos negativos sobre a diversidade biológica, permitindo a conciliação de esforços de conservação com ganhos sociais e econômicos. E também para as comunidades de agricultores tradicionais e suas práticas agrícolas têm uma significativa contribuição para a conservação, para o aumento da biodiversidade e para o desenvolvimento de sistemas produtivos agrícolas mais favoráveis ao meio ambiente. O uso inapropriado e a dependência excessiva de agro-químicos têm produzido efeitos significativos sobre os ecossistemas, com impactos negativos sobre a biodiversidade.
Existem ainda os direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos biológicos, incluindo os recursos genéticos para alimentação e agricultura.
Esse posicionamento dos países nas Conferências das Partes tem permitido, além do estabelecimento de um programa de longo prazo voltado especificamente às atividades sobre agrobiodiversidade, um crescente avanço na discussão e implementação de ações relacionadas à conservação e promoção do uso dos recursos da biodiversidade agrícola.
Nos últimos anos ocorreram, em âmbito mundial, importantes avanços relacionados à conservação e à promoção do uso dos recursos genéticos.
No Brasil, o despertar da consciência conservacionista conta com mais de meio século de decisões políticas, influenciadas pela ciência e pela sociedade preocupadas com as condições do meio ambiente e, especialmente, com a conservação da flora e da fauna.
Nas últimas duas décadas tem havido um crescente envolvimento do Governo Federal, bem como uma maior conscientização da sociedade civil nos assuntos relativos à conservação da biodiversidade.
Nas últimas décadas, as atividades ligadas à conservação dos recursos genéticos no País tiveram um considerável impulso, assegurando posição de destaque entre os países tropicais.
Os avanços conduzidos por alguns órgãos de pesquisa, a exemplo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) estão sendo fundamentais para o avanço do País na conservação e utilização dos seus recursos genéticos.
O Brasil experimenta avanços significativos na implantação de Unidades de Conservação, ampliando fortemente a conservação “in situ” da biodiversidade e a promoção da utilização sustentável dos recursos genéticos nativos.
A conservação “on farm”, apesar de ser um dos métodos mais tradicionais de conservação, é ainda bastante fragmentada no país, apesar dos recentes avanços experimentados nos últimos anos.
Apesar desses avanços, deve-se reconhecer que a conservação dos recursos genéticos no País, um dos principais países de mega-diversidade, está longe da condição ideal.
Faltam inventários relativos às instituições (governamentais, não-governamentais e movimentos sociais) envolvidas na conservação “in situ”, “on farm” e “ex situ” de recursos genéticos da fauna, flora e de microrganismos e plantas.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
in EcoDebate, 27/04/2016
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