Pesquisa em reservatórios do Rio Grande do Norte revela sérios problemas de qualidade de água
Pesquisa da UFRN avalia qualidade da água no Semiárido
Os estudos identificaram um aumento na frequência de mutações cromossômicas em organismos indicadores expostos às águas do açude de Lajes Pintadas. Além disso, foram registrados altos índices de radiação em 26 pontos distribuídos ao longo do açude e uma alta concentração de metais, em especial o chumbo
Estudos realizados nos principais reservatórios da região semiárida do Rio Grande do Norte revelaram sérios problemas de qualidade de água, incluindo a contaminação por metais. Os resultados indicam que a gestão inadequada de recursos hídricos pode ser o principal entrave para a conservação e uso sustentável dos mananciais disponíveis no semiárido brasileiro.
“Observa-se que nesses locais a necessidade de preservação dos recursos hídricos se torna mais eminente e medidas eficazes, sejam tecnológicas ou educacionais, precisam ser implementadas para incentivar a conservação dos corpos d’água”, analisa a pesquisadora Viviane Souza do Amaral, do Departamento de Biologia Celular e Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
A pesquisadora estuda a influência do fenômeno da radiação natural na saúde das populações que vivem nas áreas de riscos. O problema se agrava quando há a escassez de recursos hídricos, uma vez que potencializa a concentração de metais, oriundos do processo de decaimento de urânio, presente nos afloramentos rochosos, e provenientes também das atividades antrópicas, como esgoto e agricultura.
Lajes Pintadas
A pesquisa realizada pela professora Viviane Amaral mostra problemas enfrentados no município de Lajes Pintadas, situado na mesorregião do agreste do Rio Grande do Norte, a 135 quilômetros de Natal. Com uma população de 4.614 habitantes, a cidade é abastecida pelo açude público construído no ano de 1953 e pela adutora Monsenhor Expedito.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2010, Lajes Pintadas apresentou 415,2 casos de câncer num total de 4.614 habitantes, um número superior ao registrado na capital do estado que foi de 353,5 novos casos (806.203 habitantes). No município, existem afloramentos rochosos com a presença de ionizantes naturais que liberam o gás radônio e, consequentemente, o chumbo para o ambiente.
Os tipos de câncer mais comuns no município são os de orofaringe, estômago e pulmão. A alta incidência de casos de neoplasias na população de Lajes Pintadas pode estar associada à exposição à radiação natural e seus subprodutos como o radônio e os metais pesados, de acordo com a pesquisa.
“Os efeitos da exposição à radiação natural são amplificados pela diminuição da disponibilidade hídrica gerada pelos processos de seca, uma vez que possibilita a concentração desses produtos no açude”, destaca Viviane Amaral.
Os estudos identificaram um aumento na frequência de mutações cromossômicas em organismos indicadores expostos às águas do açude de Lajes Pintadas. Além disso, foram registrados altos índices de radiação em 26 pontos distribuídos ao longo do açude e uma alta concentração de metais, em especial o chumbo. Os valores foram significativamente maiores em períodos de escassez hídrica.
Radiação
Segundo a Agência Internacional de Energia Atómica-AIEA (2007), o Brasil possui uma das maiores reservas mundial de urânio, possuindo a sétima maior reserva geológica com cerca de 310.000t de U3O8, ficando atrás dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Rússia, Cazaquistão e Austrália os quais possuem uma reserva com volume em torno de 1.462.000t.
O urânio é o elemento químico mais pesado de ocorrência natural. Geralmente encontra-se disponível no interior da crosta terrestre, no entanto, processos naturais e antrópicos contribuem para a sua redistribuição em todo o meio ambiente. Com isso, há uma ampla distribuição deste metal em praticamente todos os compartimentos ambientais (rochas, solos, águas superficiais e subterrâneas, ar, plantas e animais).
Um dos isótopos formados na cadeia de decaimento do urânio é um gás inerte radioativo, o radônio. Este, por se tratar de um gás, tem como sua principal via de absorção o sistema respiratório. Pelo fato desse gás ser liberado por rochas e solos que contenham urânio, a contaminação através da exposição natural ao radônio é um fato de preocupação mundial. Segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), e o Programa Nacional de Toxicologia dos Estados Unidos (USNTP) o radônio é um agente carcinogênico humano, e quando ao inalar um átomo de radônio, ele pode se desintegrar dentro dos pulmões.
O chumbo inorgânico tem sido recentemente recategorizado pela IARC a grupo 2A como provável carcinogênico humano, portanto sua presença poderia influenciar positivamente na ocorrência de câncer pela exposição a radônio ao longo da vida.
“Níveis elevados de chumbo no sangue têm efeitos conhecidos relacionados com disfunção cognitiva, distúrbios neurocomportamentais, danos neurológicos, hipertensão e insuficiência renal. Os efeitos, relacionados à exposição ao chumbo, são distintos quando comparados em adultos e crianças. Tal fato pode ser explicado devido à suscetibilidade que o organismo apresenta no período da infância, principalmente no que diz respeito ao sistema nervoso, o qual se encontra ainda em formação”, explica a professora Viviane Amaral.
De acordo com a pesquisadora, inúmeros estudos revelam que a presença de chumbo no sangue de crianças acima de 5 ug% causam alterações no sistema nervoso infantil, originando problemas nas funções cognitivas, distúrbios de comportamento, baixo rendimento escolar, diminuição da capacidade visual, dentre outros.
“O processo de decaimento do urânio somado as condições climáticas desfavoráveis, torna-se uma preocupação no âmbito toxicológico devido aos diferentes efeitos em consequência da contaminação por radônio e chumbo amplificada pela escassez hídrica. Nosso projeto propõe realizar uma avaliação do risco carcinogênico e não carcinogênico na população exposta naturalmente à radônio e ao chumbo no município de Lajes Pintadas”, explica Viviane Amaral.
Fonte: UFRN / Jornal da Ciência-SBPC
in EcoDebate, 13/04/2016
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