Na era do automóvel, artigo de Aroldo Cangussu
[EcoDebate] Na década de 60, para irmos de Janaúba para Montes Claros, tínhamos, à nossa disposição, dois trens diários, que pegávamos e íamos tranquilamente tomando guaraná quente e comendo farofa de frango. Para Belo Horizonte, era só embarcar no leito e ir dormindo sossegadamente.
A partir do momento que o governo resolveu mudar a política desenvolvimentista e aplicar tudo na indústria automobilística tudo isto mudou. Hoje a pressa fala mais alto e o automóvel iniciou seu reinado. As ferrovias foram abandonadas (servindo apenas para transporte de cargas, com raras exceções) e se investiu forte no transporte rodoviário.
Só que o crescimento da infraestrutura para esse modelo não acompanhou a necessidade do deslocamento. As ruas estão entupidas de carros, ônibus, caminhões e motocicletas não sobrando espaço para mais nada. Em São Paulo, muitos levam quatro horas para ir e voltar do trabalho. A velocidade média do trânsito paulistano é pouco mais que vinte quilômetros por hora. Lá existem mais de sete milhões de veículos, a maioria com apenas uma pessoa sendo transportada. Andar de ônibus lá, e em todas as capitais e cidades grandes do Brasil, é um tormento e o metrô, ainda a melhor solução, é insuficiente.
Até em Janaúba, o trânsito está se tornando um problema. Existe confusão, pois o número de motos está exponencialmente aumentando (uma pena que as bicicletas estão sendo deixadas de lado) e a disputa por espaço com os carros já é acirrada. Eis aí um importante tema para discussões nessa próxima campanha eleitoral. O próximo prefeito deverá ser capaz, inquestionavelmente, de enfrentar esse problema e apontar soluções. Da mesma maneira, os candidatos a vereador terão que se preparar para propor medidas legais municipais que possam contornar esta questão.
O poder do automóvel é tão avassalador que, nas disputas eleitorais, pelo menos em Janaúba, a quantidade de asfalto executado na cidade é predominante na opinião do eleitor. Quem fizer mais asfalto ganha a eleição. As questões ambientais ficam em segundo plano. Limpeza pública, recuperação de mananciais, plantio de árvores, planejamento urbano, construção de praças e jardins, abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto são quase irrelevantes para a massa eleitoral. Pelo menos é o que pensam os marqueteiros das campanhas políticas.
Andar de carro, principalmente se for camionete cabine dupla ainda é (que atraso!) sinônimo de status, assim como ter três ou quatro vagas na garagem. As pessoas quase não andam a pé, até para comprar o pão na padaria da esquina toma-se o carro, muitas vezes um veículo de quase três toneladas para transportar uma pessoa de setenta quilos em um trecho de 500 metros.
Este modelo, fatalmente, vai ter que ser mudado.
* Aroldo Cangussu é engenheiro e ex-secretário de meio ambiente de Janaúba e diretor da ARC EMPREENDIMENTOS AMBIENTAIS LTDA.
in EcoDebate, 28/03/2016
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“Este modelo, fatalmente, vai ter que ser mudado”.
[último parágrafo do artigo em apreço].
Comentário: que vai ser mudado vai, a grande questão é: quando e em que circunstâncias.
Não devemos pensar que os grandes problemas gerados pelo capilismo sejam solucionados com eleições, e pode-se dizer ainda mais: o capitalismo não tem condição de solucionar os problemas por ele criados.
Ou se muda de regime, em muito breve espaço de tempo, ou a bomba vai estourar, e não haverá sobrevivente.
Pois é, eu queria tanto que houvesse trens de passageiro no Brasil, que fosse possível se visitar o país usando as ferrovias, mais confortáveis e menos danosas ao meio ambiente, ao invés de só ser possível viajar de carro, ônibus ou avião, todos alternativas péssimas. Tínhamos trens até pouco tempo atrás (cheguei a ir para o litoral de trem uma vez na minha infância, há uns trinta e alguns anos atrás). Mas o lobby dos caminhoneiros matou as nossas ferrovias.