A COP21 e os desafios futuros do aquecimento global, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Só amanhece o dia para o qual estamos acordados”
Henry Thoreau
[EcoDebate] De todas as Conferências das Partes, a COP21 foi a que agregou a maior quantidade de pontos positivos. O Acordo de Paris, de 2015, é mais avançado do que o Protocolo de Kyoto, de 1997. Hoje, pode-se dizer, com certeza, que há um reconhecimento por parte de todos os países sobre a necessidade de enfrentar o aumento do aquecimento global provocado pelas atividades antrópicas. Os chamados “céticos do clima” foram amplamente derrotados. Houve um compromisso inequívoco no sentido de conter o aumento da temperatura média global em menos do que 2ºC acima dos níveis pré-industriais, procurando não passar de 1,5ºC.
O primeiro passo na aplicação do acordo vai ocorrer na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) com uma cerimônia de assinatura do Acordo de Paris por chefes de governo e de Estado, no dia 22 de abril de 2016, seguida de uma reunião de cúpula de governos e empresas e representantes da sociedade civil, nos dias 5 e 6 de maio.
Mas o sucesso da COP21 foi relativo. Foi um sucesso comparado às demais COPs que fizeram muito pouco, ou nada, para evitar o desastre climático planetário. Porém, o que foi decidido na COP21 pode ser muito pouco diante do desafio das mudanças climáticas e muito tarde diante da quantidade de gases de efeito estufa já emitidos e ao grau atual de emissões acumuladas na atmosfera.
Como é de conhecimento geral, as Conferências da ONU precisam ser aprovadas por consenso e não há nenhum poder universal capaz de obrigar os paises a cumprirem o acordado. Além disto, o documento aprovado na COP21 ainda tem que ser referendado pelos Parlamentos nacionais e pode ser recusado, como no caso do Congresso dos Estados Unidos dominado pelo Partido Republicano (que por sua vez é dominado pelos interesses da indústria bélica e petrolífera). Mas as chances atuais de aprovação são maiores, pois o Acordo de Paris construiu-se em cima de contribuições voluntárias nacionalmente determinadas (INDCs), em um processo “de baixo pra cima”, que permitiu, a cada nação, definir quais metas poderia assumir e não se conferiu o status de “legalmente vinculantes” às INDCs.
Porém, se a flexibilização ajudou na aprovação das resoluções da COP21 tornou a efetivação dos objetivos menos efetiva. Os estudos já realizados mostram que as INDCs apresentadas podem levar a temperatura a 2,7ºC até o final do século. Para evitar isto, abriu-se a possibilidade de as INDCs serem aperfeiçoadas de forma progressiva e comunicadas a cada cinco anos, por um mecanismo de revisão. Ou seja, o Acordo de Paris foi só o passo inicial pois os reais desafios vão aparecer no processo de revisão nos quinquênios vindouros.
Embora as responsabilidades sejam gerais, houve amplo reconhecimento de que o investimento financeiro deve vir prioritariamente do “Norte Global” e deve se dividir equilibradamente para apoiar ambos os processos de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento. Porém, as promessas de dinheiro ficaram para depois de 2020 e não há garantias efetivas de que o aporte de 100 bilhões de dólares anuais – com que os países desenvolvidos já tinham se comprometido em Copenhague (COP-15) – fluirá de fato dos países ricos para os países pobres. Há questionamentos sobre o montante de recursos (que representam menos de 1% do PIB mundial) e sobre o aumento progressivo ao longo das próximas décadas que deve assistir ao aumento da degradação ambiental e a elevação do número de refugiados do clima.
De fato, a temperatura já subiu cerca de 1º C desde meados do século XIX até 2015. Nas ultimas 5 décadas a média de aumento da temperatura foi de 0,16º C. Mantendo esta tendência, nos proximos 85 anos isto dará um aumento de 1,36º C. Ou seja, a temperatura do mundo, no ritmo atual, ultrapassará os 2º C. em relação ao período pré-industrial, antes do final do século XXI.
A COP21 reforçou o compromisso com a descarbonização da economia até 2050, incentivando a migração dos investimentos das fontes fósseis para as renováveis nas próximas décadas. Mas os governos do mundo gastam cerca de U$ 700 bilhões anuais em subsídios para os combustíveis fósseis e mais do dobro disto com gastos militares e despesas de guerra. Energia alternativa e pacifismo são dois caminhos necessários para a descarbonização.
Uma revolução energética é fundamental. Os custos da energia solar e da eólica caíram drasticamente, chegando a um ponto onde estão perto de serem competitivas com os combustíveis fósseis, mesmo sem incentivos especiais. Mas há diversos problemas, tais como: a intermitência do sol e dos ventos, os custos de armazenamento e a necessidade de uso de “terras raras” na produção dos equipamentos da energia renovável (que são caras, escassas e não são neutras nas emissões).
A COP21 apontou uma esperança para salvar o Planeta do desastre ambiental. Mas, a humanidade pode não estar totalmente condenada a sucumbir e a vida na Terra não necessariamente entrar em colapso, somente se houver uma mudança radical de rumo no modelo de produção e consumo atual. A correção de rumo necessita ir muito além das resoluções da COP21 e da agenda pós-2015 da ONU. O mundo precisa urgentemente iniciar um processo de decrescimento das atividades antrópicas, pois está ficando cada vez mais difícil conciliar a inclusão econômica, com a justiça social e a sustentabilidade ambiental.
Uma nova pesquisa, publicada recentemente na revista “Nature Climate Change”, fez um diagnóstico catastrófico sobre os impactos das mudanças climáticas para os próximos séculos. Os pesquisadores traçaram quatro cenários para o aumento do nível do mar, baseados em diferentes previsões para o ritmo do aquecimento global. A situação considerada mais amena pressupõe que os governos mundiais conseguirão executar as metas anunciadas para reduzir as emissões de carbono. Já no prognóstico mais grave, a humanidade eliminará, nos próximos séculos, metade do estoque de combustíveis fósseis ainda disponível. No cenário mais ameno, estima-se que ao menos 10% das pessoas que vivem em 122 países serão afetadas pelo aumento do nível do mar até 2100. Serão 1,4 bilhão de habitantes — 20% da população global atual. Partes das cidades de Nova Iorque, Miami, Londres, Xangai, Alexandria, Rio de Janeiro, etc, estarão condenadas. No pior cenário, que considera o aumento das emissões e leva em consideração que os combustíveis fósseis ficarão na atmosfera por milhares de anos, no futuro, o aquecimento pode atingir a marca de 7 graus Celsius e o nível do mar pode se elevar em até 50 metros. Seria o caos, pois o maior volume dos oceanos viria junto com a acidificação e a redução da vida marinha.
O mês de janeiro de 2016 confirma que o mundo está indo para um caminho perigoso. Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), da Nasa, depois dos recordes de 2015, o mês de janeiro bateu novamente todos os recordes de temperatura e marcou 1,13ºC mais quente do que a média histórica entre os anos de 1951-1980. Neste ritmo, não há Acordo de Paris que dê conta dos desafios.
Infelizmente, o documento da COP21 representou apenas a metade de um sonho, pois não criticou o antropocentrismo, não combateu o especismo e o ecocídio e nem fez uma crítica radical ao modelo de desenvolvimento que ameaça a vida na Terra. Como disse um dos maiores especialistas em mudanças climáticas – James Hansen – o Acordo de Paris “é uma fraude, uma farsa”. Para Hansen: “não há ações concretas, apenas promessas”. Talvez os países resolvam se engajar efetivamente ao longo do tempo. Se isto não acontecer, os custos do aquecimento global serão incalculáveis.
Referências:
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em portugues e em inglês)
ALVES, José Eustáquio Diniz. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Rev. bras. estud. popul. [online]. 2015, vol.32, n.3, pp. 587-598. ISSN 0102-3098.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 26/02/2016
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O QUE ESTÁ EM QUESTÃO É O PRAZO.
O capitalismo não tem condição psicológica de promover o decrescimento, ou seja, de empenhar esforços para reduzir a população humana atualmente existente na Terra, nem de conviver com uma circulação de bens em declínio, nem de ver a economia de todos os países capitalistas desabando, até que o planeta Terra recupere seu estágio de equilíbrio há muito destruído.
Os Estados capitalistas, as religiões e a quase totalidade da população humana da Terra não permitirão que um “plano desastroso” desse seja posto em prática.
Na verdade, trata-se de um plano que causará muito sofrimento às pessoas dotadas de mentes mesquinhas e devidamente adaptadas ao regime capitalista dominante. Entre essas pessoas se encontram aquelas que fazem parte do grupo mais explorado pelo capitalismo, mas que são perfeitamente adestrados pelas religiões, pela mídia e pelos Estados capitalistas, especialmente através do que chamam de Educação e das campanhas eleitorais, nas quais, todos os Partidos Políticos se aprsentam com superpoderes “democráticos” capazes de solucionar todos os vícios sociais, econômicos e ambientais, e fazer do planeta Terra o lugar perfeito para as vidas acontecerem em harmonia, equilíbrio e paz ilimitada.
Se não existe saída via capitalismo, e se não há condição de o abolilir e, em seu lugar, implantar um regime Socialista capaz de promover as transformações necessárias e indispensáveis para manter a vida na Terra, então, devemos estar cientes de que a vida na Terra será exterminada, e não teremos prazo longo – até o final deste século – para que todo o istema Terra entre em colapso.